"Não me importo se perco ou se ganho,
só quero apostar"
- Charles Bukowsky
Foi um dia ruim no hipódromo. A falta de sorte na semana já seria
suficiente para afastar-me dos cavalos. Mas não consigo. Preciso deles.
Apesar dos apelos de Suzi, a única certeza que tenho é de que
amanhã estarei lá.
A espera entre um páreo e outro é que chateia. Vejo o tempo correndo
feito água morro abaixo. E eu ali: "Hei, espere por mim. Já
não sou mais tão rápido para alcançá-lo!".
Mas quando é dada a próxima largada, mergulho na água e
sou levado pela correnteza.
Alguns jovens repórteres fantasiam que vou às corridas também
para discutir literatura e coletar material para meus livros. Digo a eles que
a única coisa que me atrai lá são as apostas, o risco.
Percebo que eles tentam dar um romantismo à minha vida, mas a verdade
sobre o hipódromo é que ele é frequentado pela escória,
por um bando de fracassados. Se eles querem histórias bonitas sobre intelectuais,
procurem estes poetas chupadores de pau que se escondem atrás de uma
excentricidade que não existe. Conheci muitos deles e afirmo: são
vazios, pois suas vidas são uma mentira.
Por esse motivo há alguns anos aceitei a sugestão de um amigo
e resolvi escrever este diário. Não quero minha vida contada por
um aventureiro. Escrevo hoje para salvar o meu próprio rabo. As horas
que passo em frente ao computador trancado em meu quarto são por isso.
Muito do que publicam sobre mim é fantasia. Estes colunistas não
são competentes o bastante para produzir histórias atraentes.
Há anos relato acontecimentos da minha vida e vendo como ficção.
Isso me proporcionou muitas coisas. Além de popularidade e dinheiro,
comi mulheres que jamais olhariam pra mim. Por isso não lhes concedo
mais do que uma noite. Aprendi a conviver com isso. Poucas coisas são
reais. O Jazz é real. Suas harmonias e uma garrafa de whisky me fazem
ver o mundo de outra forma. A maioria de minhas melhores histórias tem
a música e o álcool como pano de fundo. Como, aliás, é
a minha vida.
Mas nem sempre foi assim. Já passei por dificuldades e sei o que significa
esfolar o traseiro em uma cadeira tentando produzir algo que possa ser vendido.
Até o dia em que se acerta a mão e a coisa rola. E daí
se hoje esbanjo dinheiro em cavalos? Aguentei muita coisa para chegar até
aqui. Agora quero mais é ver o tempo passar.
Enquanto estou aqui anotando estas merdas, penso em Suzi que está agora
sozinha assistindo TV na sala. Sinto pena dela. Tem sido minha companheira nestes
anos e tornou-se uma solitária, assim como eu. Está sempre a minha
espera. Suas amigas não a visitam mais desde a última vez que
as botei para fora de nossa casa. Nem com isso ela se importou. "Tudo bem,
Peter. Eu entendo" disse-me naquela ocasião. Já não
temos mais a mesma paixão de alguns anos atrás, a velhice nos
separou um pouco, mas ainda curtimos bons momentos juntos e Suzi continua cozinhando
muito bem.
Acho que vou descer e fazer um pouco de companhia a ela. Afinal eu sou um cara
legal. Além disso, a minha cerveja terminou e preciso buscar mais.