- Levem-me ao seu líder. - o baixinho vestindo gabardine, óculos
com aro de tartaruga pendurado na ponta do nariz e fala ligeiramente fanha era
de fazer gargalhar. Saiu de um fusca 69, caindo aos pedaços interpelando
alguns transeuntes.
- Volte para o hospício de onde você saiu! - gritou alguém.
O baixinho fez um ar de quem não entendeu, aproximou-se de uma senhora
que carregava pacotes de supermercado, tentou segurá-la pelo braço
quando os pacotes caíram na calçada. A senhora começou
a gritar: "Ladrão! Ladrão! Logo apareceu um policial militar
e imobilizou o baixinho. Levou-o à delegacia mais próxima e registrou
a ocorrência enquanto a figura patética esperava sentada em um
banco de madeira. Após duas horas o delegado de plantão mandou
chamá-lo para interrogatório. Assim que entrou na sala do delegado
este perguntou:
- Então, o que o senhor aprontou, senhor...
- Sou Amistoso da Boa Paz, Paz por parte de pai e Boa por parte de mãe.
Mais um louco - pensou o delegado - vou fazer o jogo dele só para
ver até onde ele quer chegar, afinal o trabalho aqui hoje está
um tédio.
- Então senhor Amistoso, porque foi preso?
- Não faço a mínima ideia, eu apenas estava inquerindo
de seus semelhantes sobre o vosso líder, seria o senhor?
- Bem, de certa forma sim, sou. O que deseja de mim?
- Sou embaixador do planeta Simples e estou na Terra em missão diplomática,
para troca de conteúdos culturais e principalmente econômicos.
Nossa civilização atingiu um grau de desenvolvimento deveras muito
superior ao seu. Sem querer ser arrogante, achamos que seu modo de produção
e distribuição é obsoleto e usurário. Há
anos monitoramos seu planeta através de uma avançada tecnologia
e constatamos que vocês precisam de ajuda urgente. Veja bem, a economia
de uma sociedade é a base, o alicerce de todo o modo de relacionamento
entre os indivíduos desta sociedade. Problemas como fome, violência,
distúrbios climáticos entre outros estão diretamente relacionados
com a economia. Deter os meios de produção e explorar o produto
é completamente deselegante, brutal e por que não dizer animalesco,
por parte de quem o faz. Em Simples, produzimos o que consumimos com energia
limpa, provinda de nossos sóis, não usamos moeda, todos têm
direito de uso e consumo gratuito desde de que trabalhe, não há
propriedades privadas, mas ocupação de propriedades conforme a
necessidade e bom uso de cada família. As vocações profissionais
são levadas muito em conta, valorizamos o indivíduo para o bem
do grupo.
- Ah, é, espertinho, e o que fazem com os desordeiros, os vagabundos
e assassinos?
- Absolutamente nada, pois estes não existem em Simples. Há cerca
de mil e duzentos anos nossa sociedade atingiu um limite de violência
parecido com o de vocês. Chegamos a implodir, socialmente falando, foi
quando nos demos conta de nossa estupidez. Surgiu um homem, um ancião,
chamava-se Ira. Ira começou em meio ao caos a pregar a tolerância
e cooperação. A nossa humanidade já andava farta de loucura
a essas alturas dos acontecimentos, começaram a dar ouvidos e razão
ao Ira. Ele demonstrava como extravasar sentimentos e emoções
animalescas através da arte, da expressão corporal. Criou o que
vocês chamam de esportes e incentivou que todo o homem que estivesse sentindo
raiva, corresse até a exaustão. Assim começou Ira a ganhar
credibilidade e a sociedade aos poucos foi se estabilizando e evoluindo. Temos
um monumento em homenagem ao valoroso Ira.
Nesse ponto o delegado estava boquiaberto mas arriscou uma pergunta fazendo
ar de deboche.
- E qual era o nome completo desse tal de Ira?
- Ira Contida e Sublimada. Contida por parte de mãe e Sublimada por parte
de pai - respondeu o baixinho. O delegado soltou uma gargalhada estridente quando
adentrou o escrivão.
- Temos um 171 para investigar, doutor.
- Está bem, Silva, deixa só eu me livrar do senhor embaixador
Amistoso aqui.
- Mas me diga Amistoso, você espera que alguém acredite em uma
só palavra do que acabou de me dizer? Essa utopia é muito bonitinha
mas não vale um vintém furado para quem não é lunático
como você.
- Perdão, grande líder, não sou lunático, aliás
o senhor não sabe que a lua não é habitada?
- Ora, vá para casa e considere-se feliz por eu não prendê-lo.
Tenho mais o que fazer do que dar trela para louco. Vamos logo, saia!
- Bem, eu tentei, não sou mesmo muito persuasivo. Acho até que
sou ingênuo, considerando o que vocês fizeram com o último
sábio terráqueo que tentou avisá-los. Mas insisto em alertá-los
que vossa sociedade implodirá qualquer dia. Adeus.
- Amistoso saiu cabisbaixo da delegacia, caminhou até seu fusca, embarcou,
ligou a ignição, deu partida sem um único ruído
e diante de um grupo de pessoas assombradas alçou voo e sumiu no
horizonte.
(17 de julho de 2009)