Quando cheguei ao supermercado para pagar a conta de luz no caixa eletrônico,
a fila já contava com cinco pessoas. Eram duas máquinas na entrada
do estabelecimento, mas uma delas não funcionava. Era um dia como outro
qualquer; a única diferença era o horário: costumava pagar
minhas contas na parte da manhã, mas, por não ter prestado atenção
à data de vencimento da conta, fui obrigado a correr para não
perder o prazo.
A senhora que tentava sacar dinheiro não conseguia introduzir seu cartão
de modo correto. Introduzia e retirava o retângulo plástico rápido
demais, ou então introduzia o lado errado do cartão. Quando finalmente
conseguiu acessar a tela principal, digitou os números errados ou escolheu
a função errada, e aí teve de recomeçar tudo, para
aflição e desespero da fila.
Enquanto eu permanecia à espera da minha vez, prestava atenção
no que acontecia ao meu redor. As pessoas, os trechos de diálogos, os
vários produtos que eram passados pelas caixas registradoras. Mas o que
realmente chamou minha atenção foi a presença e o comportamento
de alguém que acompanhava uma das pessoas na fila. Um típico exemplar
da espécie Homo Pitboylensis: dois metros de altura, pouco mais
de trinta anos, peito estufado, braços tatuados, roupas com logomarcas
de academias de ginástica e produtos energéticos ou complementos
alimentares, corte de cabelo com máquina 01 (que tentavam pormenorizar
os sinais de uma calvície precoce), cerveja long neck na mão
e uma postura de imperador.
O protótipo do débil mental.
Permanecia ao lado de um dos caixas eletrônicos, bebericando sua cerveja,
cambaleando de modo ameaçador e proferindo frases de ordem.
"Pô, aí, lá na Europa essas máquinas nunca 'tão
quebradas. Nunca. Sempre tem manutenção. Se quebrar uma, consertam
em menos de meia hora. Ou então sempre tem mais de três ou quatro
lado a lado. Mas aqui, né?..."
Nem todos prestavam atenção. Alguns olhavam para o chão,
outros olhavam para o teto e admiravam os pássaros que teimavam em transformar
a iluminação interior do supermercado em ninho para seus filhotes.
E havia aqueles que sacavam seus telefones celulares e faziam conta de procurar
algo. Mas Conan continuava com suas elucubrações bancárias.
"Estados Unidos, Japão, qualquer lugar que você for, caixa
eletrônico funciona. Nem precisa de gente ou contratar novos funcionários
para dar conta do serviço. É tudo automatizado. Maneiro pacas...Pô,
Fazê isso é moleza. É só pegar umas máquinas,
colocar tudo aqui e contratar uma empresa de manutenção. Lá
fora, sempre tem um guarda por perto. Ou então tem uma daquelas câmeras
digitais que filmam tudo. Muito maneiro, saca?"
Keynes, Samuelson, Singer, Furtado, Hayek, Friedman, Adam Smith. Nenhum deles
importava. A sociedade entrara na fase do "faça você mesmo".
Cada um tinha uma opinião acerca de todas as coisas que cercavam o ser
humano. Todos eram sociólogos, todos eram matemáticos, todos eram
especialistas em segurança pública ou política agrária.
Até Conan, com sua cervejinha e sua pose de conquistador com sorriso
de bobão. Até ele.
Eu ainda estava há três clientes de usar a máquina que funcionava,
mas sabia que até lá teria de aguentar mais alguns infindáveis
minuto do bárbaro economista.