O município de Ituiutaba se localiza no triângulo Mineiro, no estado
de Minas Gerais. Se visto dum mapa localizar-se-ia ali, no nariz do estado. Neste
ano,1945, pouco se tinha à fazer naquela cidade; as ruas ainda terrosas,
não tinham asfalto como hoje, e eram cheias de buracos, onde formavam-se
as brincadeiras preferidas das crianças, que quando chovia pulavam sobre
as pequenas enchentes que se faziam. Numa casa verde da rua vinte e oito de número
seis, encontrava-se Dna.Cruz, mãe de oito, vó de dezesseis. Era
uma casa pequena, porém confortável; três janelas à
seu redor, uma delas ao lado da porta de entrada, outra em seu quarto e outra
na sala; móveis quase luxuosos, que despertavam uma limitada inveja nos
olhares alheios, e lençóis bem grossos, prontinhos para missão
em tempo frio. O centro pequeno que era, tinha poucos espíritos. A maior
parte da população habitava a zona rural, onde podiam manter-se
através da colheita. Era para lá que esta senhora migrava nos finais
de semana com sua neta Gonçalves, a única alma que habitava ainda
a casinha humilde da matriarca.
- Vem comer menina! Dna. Cruz gritava chamando pela neta que estava nos fundos
à beira do que poderia-lhe ser um rio; uma poça d'água da
chuva.
- Vô indo vozinha... Levantava a cabeça este nobre espírito
afirmando, mais uma vez, sua beleza aos olhos da avó, e de quem passasse
por sua fronte.
Citar a beleza da jovem Gonçalves pode ser uma tarefa ardilosa, por tratar-se
de uma pequena flor de apenas sete primaveras de vida. Ainda não era uma
moça, por tanto dispensam-se curvas ou coisas do gênero. Sua beleza
estava em sua nobre alma de princesinha, seu olhar terno e sereno, seu riso brando
e simples, e seus cabelos compridos e cacheados. Se a melhor empresa é
garantir-se o futuro, não havia naquele pequeno município, vivalma
que não dormisse pensando na futura beleza que a jovem seria, no lindo
quadro que se tornaria, na Monalisa que inspiraria mais e mais pintores. Os maiores
carpinteiros da cidade viviam prometendo-lha os filhos, e muitos pensavam até
no emprego para si. Imagine a agonia da doce menina se fizessem-lhe como fizeram
à Joaquina, que era pobre menina de seus dez anos quando teve de casar
com D. João...
Sua vó já colhia-lhe as sementes da bondade e esperteza. Temia que
os olhares da cidade se tornassem bocas famintas, e roubassem de vez a bondade
da menina. Além de coruja vigilante, podia ser dita como superprotetora;
a menina jamais se machucara na vida! Espinho de rosa, joelho ralado, panela quente,
nada! A menina nunca sequer sentira dor, a não ser a de ter perdido a mãe
quando ainda era muito nova. O pai estava longe, lá pros lados de Congonhas...
Foi então num dia de agosto, quando a chuva que vinha em junho, já
se despedira, que Gonçalves avistou um pequeno animal nos fundos da casa.
Por ali tinha de tudo, tinha até mais bicho que gente, era macaco, paca,
veado, capivara e etc. E tinha tamanduá. Este que estava na frente da menina,
não era comum era verde. Verde como a folha, a grama, a planta, a folha...
Como aquela maça docinha, a ervilha redonda, a maçã redonda,
a ervilha salgada. E de longe a menina apreciava aquele animal tão diferente
que era até assustador. Foi correndo até as entranhas da casa.
- Vem vê vó! Eu juro que lá tem um verde!
- Deixa disso menina! Onde já se viu animal assim... É tudo coisa
da sua cabeça. Volte lá vai... Deixa eu aqui terminar os meus serviços.
Di...a...cho! A avó ainda tinha cozinha, banheiro, e quintal para ajeitar.
A menina nã hesitou. Voltou aos fundos e o bicho ainda estava lá.
Só ele, mais ninguém. Pois então, tal foi a curiosidade
da criança, que ela foi chegando bem devagar, passos leves, devagar,
devagar, passos leves. E um grito deu pois começou a levitar...
A avó ouviu de dentro o suplico da menina, e o coração
acelerou-se batendo em ritmo corriqueiro. Olhos por relógio, eram seis.
Foi andando vagarosamente até o recinto donde vinha o grito; num tinha
nada. Só a terra, a grama, a terra, só os fundos. Foi quando alguém
tocou-lhe o ombro, eram um toque bem suave. Quando aquela senhora se virou,
tal foi seu susto quando viu nos olhos da menina um verde nunca antes visto,
e no espelho destes, não era a sua figura que estava naquela menina dos
olhos de Gonçalves mas sim a do tamanduá.