Ela é conhecida da população da cidade, quem a vê
sensibiliza-se com seus trajes que indicam pobreza. O rosto inchado leva à
conclusão de que é alcoólatra. Um misto de nojo e pena
passa pelos pensamentos de quem a contempla.
Nos braços leva uma criança, firmemente agarrada e embrulhada
em encardidos e fétidos panos. Quando alguém se aproxima e pergunta
o nome da criança, ela responde laconicamente que se chama Sìlvia,
em outras ocasiões afirma ser Nívia.
É comum encontrá-la nos coletivos da cidade ou nos pontos de
espera, aguardando a saída dos ônibus. Ninguém sabe ao certo
o seu nome, alguns dizem que seu nome é Cristina, outros afirmam ser
Joana, e há os que discordam, assegurando ser Maria, mas todos a conhecem
como "A Louca da boneca".
Em um supermercado da região, ela distraidamente colocou a criança
num carrinho de supermercado, foi um escândalo. Pois se esquecendo de
onde dei xara a pequena, chamava a atenção dos fregueses e funcionários,
afirmando que os mesmos haviam raptado sua filha.
Chamado o gerente e acionada a polícia, estavam prestes a ir todos para
a delegacia, prestar os devidos esclarecimentos, quando uma senhora de meia-idade
trazia o carrinho, com a suposta criança raptada. Um dos policiais, ao
pegar a criança desajeitadamente, deixa cair a manta que a cobria, deixando
todos perceberem que não era uma criança, mas uma boneca, que
a mulher afirmava ser sua filha.
Até os policiais ficaram constrangidos com a inusitada cena e propuseram
levar a Louca da boneca a sua residência, o que os deixou muito contrariados,
pois o endereço fornecido, rua dos Castelinhos, Bairro das Campinas,
não era encontrado, o que os levou a deixá-la no ponto de ônibus
mais próximo.
Havia ocasiões em que o motorista ou cobrador do ônibus conhecia
a Louca da boneca, e impedia o seu embarque, o que gerava veeme ntes protestos
dos demais passageiros. Mas, caso estes soubessem do fuzuê que ela arrumava
assim que embarcava, não defenderiam sua permanência no ônibus.
Era hilário, para não dizer trágico. Pois a mulher, que
antes parecia muda, tão logo adentrava o carro, dirigia-se ao motorista
ou cobrador e reclamava a responsabilidade de pai, que não estava sendo
cumprida. Eram ameaçados de serem submetidos a um teste de paternidade
ou enfrentarem processo de pensão alimentar. Os pobres trabalhadores
eram sobremaneira envergonhados; pois havia quem acreditasse na sandice da pobre
mulher e agredia-os verbalmente.
Em certa ocasião, tanto perturbou o motorista, que este tendo sua atenção
desviada, acabou por provocar um grave acidente, o que o deixou enfaixado e
imobilizado durante muitos dias.
Não raro Maria ou Joana, conforme era chamada, implicava com os homens
em suas viagens. O escolhido sempre era alvo de chacota para os demais passage
iros, pois ela afirmava que o moço era bonitão e seria um bom
marido.
As más línguas garantem que este comportamento assanhado se dá
pela necessidade de Cristina arrumar companheiro que, coabitando com ela, a
faça mulher e lhe dê um filho, cumprindo seu sonho de ser mãe.
Assim, qualquer dia a Louca da boneca arruma um casamento; pois acredito que
as pessoas são como panelas, cada uma com sua tampa. Penso que, ocorrendo
isto, os cobradores e motoristas terão um alívio muito grande
e as mulheres casadas não correrão riscos de perderem seus responsáveis
maridos, que no exercício de seu trabalho defendem o pão cotidiano.