A Garganta da Serpente
  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

Insultos pela internet

(JRM Torres)

21h. Sexta-feira.

Sentou-se à frente do computador, com uma lata de cerveja na mão.

Ligou-o.

Retornara do restaurante da esquina (havia estraçalhado um suculento bife) e, como estava chovendo, decidiu não sair.

Chuva fina e agourenta. Apesar disso, fazia um típico calor de verão.

Que apelido escolheria hoje?

"Nu com diarreia".

Riu.

Esse estava bom. Hoje queria apenas se divertir. Zoar. Azucrinar. Perturbar.

Entrou no bate-papo do BOL.

Clicou em "cidades/Florianópolis/entrar".

Digitou a senha e o apelido.

"Nu com diarreia". Novo riso. Um brilho malicioso nos olhos. O show iria começar.

Sala com quarenta e cinco pessoas.

Enviou a primeira mensagem para o apelido "casada":

- Seu eu fosse teu marido, te encheria de porradas, sua vadia!

Ótimo!

A segunda mensagem foi para "chupador hxh" e "chupo agora (hxh)":

- Vai chupar tua mãe, seu aidético imundo!

Depois, enviou mensagens sucessivas para os demais:

- Puta safada! Vagabunda! Lixo! - para "Sandrinha", "Flor-15", "Cinderela" e "Marina".

- Corno! Vai cuidar da puta da tua esposa, seu impotente! - para "Casado sozinho".

- Vc deve ser um veado imundo! - Para "Sincero30a", "LoiroFloripa" e "Paulo".

- Otário! Vai tomar no cu! - para "romântico", "Ademir" e "MarceloMSN".

- Já aposentou a boceta, sua velha azeda? - para "Loba40", "Sincera52"

e Linda45a".

- Se te pegasse na cama, sua puta, te rasgaria toda! - para "Safada" e "Morena Gostosa".

Sensacional!

Adorava isso.

Teclava e tomava a cerveja.

As respostas não demoraram a aparecer:

- É a tua mãe! - "casada", "Ademir" e "Casado sozinho".

- Procure respeitar os outros, moço. - "Marina".

- Aidético é vc, seu veado enrustido! - "chupador hxh".

- Veado é a puta da tua mãe, seu baitola! - "Sincero30a" e "Paulo".

- Chato! - "Loba40".

- Vc deve ser um velho, gordo, despeitado e mal-amado! - "Flor-15".

- Nem que vc fosse o último homem na Terra! - "Morena Gostosa".

Soltou uma vibrante gargalhada.

Seus dedos eram cruéis, no teclado:

- Nesta sala só tem veado e puta!!! - para todos.

E foi lançando os tiros de metralhadora:

- Puta imunda! Prostivagaliranha (mescla de prostituta, vagabunda, galinha e piranha)! Eh, eh, eh, eh, eh!!! - para "Anjo Loiro (m)", "Menina", "Karina" e "LINDA22".

- Fresco! Aidético! Lixo! - para "Homem40a", "CarlosMSN", "Vitor" e "Como todas".

- Puta velha!

- Vá cuidar de sua esposa, seu corno!

E assim sucessivamente.

Alguns o bloqueavam.

Uns simplesmente saíam da sala.

Outros o ignoravam.

A maioria, porém, o insultava. Principalmente os homossexuais, os mais sensíveis.

- Filho da puta! Vá tomar no cu! - Era o insulto que mais lia.

Ria muito, dessas coisas.

O anonimato lhe favorecia.

Tinha trinta anos e era solteiro. Alto, magro, de pele morena e com belos olhos.

Passava horas ali, atacando e sendo atacado.

Às vezes saía da sala do BOL e entrava na do UOL. Quando estava inspirado, seu poder criativo era magnífico e maléfico - um verdadeiro demônio.

Sabia que as pessoas mais problemáticas do mundo estavam ali, no bate-papo. Aproveitavam as salas para por em evidência seus desejos. Eram os tímidos, feiosos, deprimidos, psicopatas, malucos, pervertidos, medrosos, solitários, carentes, etc. Chamava-os de perdedores, os moribundos, seres sem futuro.

Atacava-os justamente para ver suas reações. Sentia prazer nisso, obviamente.

Na verdade, pretendia, inclusive, que eles desistissem de entrar no bate-papo; que chegassem à conclusão de que o bate-papo era pura perda de tempo; e que seguissem sua vida sem a Internet.

Impossível! Inconcebível!

Tornaram-se viciados e não podiam viver sem a Internet! Uma cruel realidade, nos dias atuais. Eram viciados e nem percebiam.

E ele?

Começara os insultos há dois meses. Tudo dependia do seu estado de espírito. Havia dias em que entrava na Net para marcar encontros. Nesse caso, escolhia apelidos sérios. Em outros, entrava somente para zoar. Como agora.

Um pergunta lhe veio à mente.

Seria também viciado em Internet?

Outra pergunta aflorou: seria também um perdedor? Igual a essas pessoas do bate-papo? Respirou fundo e não quis obter a resposta. Deixa pra lá...

Bendita Internet! (ou seria Maldita Internet?).

Meia-noite.

Insultara várias pessoas e estava satisfeito. Esqueceria todos eles, em seguida. Era um jogo; um jogo misterioso, sem ganhadores. Divertira-se, sim senhor. Por que não? Sem remorsos ou arrependimentos. E não se fala mais nisso.

Havia ingerido o conteúdo de três latas de cerveja. Chega, por hoje.

O chuvisco prosseguia, melancólico.

Desligou o computador e ligou a TV.

Um filme de suspense havia começado, na Globo.

***

Uma semana depois, tudo deu errado.

Terrivelmente errado!

Aconteceu numa sexta-feira à noite. Sexta-feira quente e sem chuva, dessa vez. 20h. A velha latinha de cerveja na mão. Claro.

Entrou na sala do UOL com o apelido "SÉRGIO".

Dessa vez queria apenas uma aventura, se possível.

Nada de zoações, insultos e zombarias.

Digitou a mensagem inicial para várias garotas:

- Boa noite! Posso tc com vc?

Quatro garotas atenderam seu clamor.

Duas delas possuíam apelidos que insultara. Não sabia, no entanto, se seriam as mesmas pessoas. Bem, mas isso não importava.

O papo ficou bom com a gatinha de apelido "LoiraGata21".

- Oiiiii. De onde tc? - ela perguntou.

- Floripa. - respondeu - E vc?

- Floripa também. Quantos anos?

Moravam na mesma cidade. Uma informação absolutamente estimulante. Sorriu.

- 25. - mentiu. - Vc tem 21?

- Sim.

- Tem namorado?

- Não. E vc?

Outro ponto positivo. A conversa se encaminhava para um final eletrizante.

- Idem. Vc bebe?

- Cerveja. E vc?

- Cerveja. Estou tomando uma, agora.

- Ai, que inveja! (risos)

Gostou da resposta dela. Uma gata que bebe geralmente é suscetível para algo mais íntimo e libidinoso. Resolveu mudar o local do diálogo, uma vez que a janela do UOL era sensível e sujeita a quedas da rede.

- Tem MSN?

- Sim.

- Posso adicioná-la? O UOL não é seguro.

- Claro.

- Qual o e-mail?

- looiraflorippa21@hotmail.com

- Com dois "o" e dois "p" mesmo?

- Sim.

Ignorou as três garotas, pois estava interessado nessa. Quer dizer, decidiu arriscar.

Entrou no MSN e adicionou o e-mail da gatinha. Abriu-se a janela do MSN.

Fechou a do UOL.

Quase entrou em êxtase, ao ver a foto da garota. Foto de rosto, mostrando um pouco do busto. Linda! Pele clara, cabelos dourados, lisos e compridos. Rosto perfeito!

- Oiiiii. - disse.

- Oi! - ela respondeu.

- Vc é linda!

- Obrigada. Vc também é bonito. - com certeza viu a foto de rosto que sempre deixava no MSN.

- Valeu. Tem mais fotos?

- Sim. Peraí.

Mostrou uma foto de biquíni. Ela de pé. Sorrindo. Que sorriso! Que corpo! Meu Deus! Seis grandes. Coxas grossas.

- Além de linda, és sensual!

- Brigada. Vc tem outras fotos?

- Sim. Um minuto.

Aproveitou para retirar outra lata de cerveja da geladeira. Tomou uma dose reforçada. Estava ficando excitado com o papo. Voltou a sentar-se, rapidinho.

Colocou sua melhor foto. De bermuda e sem camisa. Também na praia.

- O que achou? - perguntou.

- Gatinho. Legal.

- Que bom. Estás onde, agora?

- Em casa, sozinha. E vc?

Sozinha em casa! UAU! Ficou excitado com a informação. Viu aí a possibilidade de...

- Idem. Qual sua altura?

- 1,70m, 57 kg. E vc?

- 1,78m, 70 kg. Sou magro.

- Percebi (risos).

- Vc gosta de dançar?

- Adoro. E vc?

- Claro. Danço de tudo um pouco (risos). Onde costuma ir?

- El Divino, Mecenas, Ludh, New Time, etc. E vc?

- Também. Meu nome é Paulo - mentiu - E o seu?

- Renata. Prazer. Vc faz o quê?

- O prazer é meu, Renata. Trabalho nos Correios - nova mentira - Sou gerente do setor de pessoal. E vc?

- Estudante. Faço faculdade.

- Que curso?

- Turismo.

- Legal.

Teclava, mas não tirava os olhos da foto de biquíni.

- Tem mais fotos, gata? - pediu.

- Sim.

Mais uma foto de biquíni, ela deitada de costas sobre uma toalha. O mar ao fundo. Os seios se destacavam. Os seios e o belo sorriso. Possuía também um olhar safado, de quem convida para momentos prazerosos.

- Maravilhosa! - exultou.

- Brigada.

- Nasceu em qual cidade?

- Floripa mesmo. E vc?

- Eu também. Moras com quem?

- Com meus pais e meu irmão menor, mas eles viajaram.

- Poxa... e deixaram vc sozinha?

- Isso mesmo.

Sozinha. Excitado, decidiu lançar o ataque. Esse era o momento certo. Na pior das hipóteses, ela diria um "não" ou ficaria enrolando. Era tudo ou nada. Não custava tentar.

- Renata, quando poderei conhecê-la pessoalmente?

- O mais breve possível, gato.

O que ela quis dizer com isso?

- Pode ser hoje? - arriscou.

- Hoje?

- Sim.

- Hum. Pode ser.

- Gostou de mim?

- Gostei.

- Quer me ver?

- Quero, gato. Vc, além de bonito, é simpático. Parece ser um cara legal.

Nossa! Esse monumento de carne e pecado estava a fim. Uma loiraça, sozinha em casa, querendo... desejando... ansiando... Esta poderia ser uma noite inesquecível.

- Sou carinhoso também. Tem fone, Renata?

- Sim. Pode ser celular?

- Claro.

Ela deu o número. Anotou no seu caderno mágico. As características físicas dela também estavam ali, para o devido controle.

- Posso ligar pra vc que horas?

- A hora que vc quiser.

- Agora?

- Pode ser.

- Um minuto.

Pegou o celular e teclou os números. Iria conversar agora com a gata mais espetacular de Floripa. E ela estava visivelmente interessada nele. Um momento emocionante!

- Alô! - ela disse.

Meu Deus! Voz agradável, melodiosa, de gatinha dengosa. Maravilhosa!!!

- Oi, gata. Aqui é o Paulo. Tudo bem?

- Oi, Paulo. Tudo.

- Vc tem a voz agradável, sabia?

- Obrigada. Tua voz também é legal.

- Gostei de tuas fotos. Você é linda e gostosa.

- Você também parece ser gostoso.

- Bote gostoso nisso. - os dois riram - E aí, gatinha? - indagou, de modo objetivo - Podemos nos encontrar hoje?

- Você tem carro?

- Tenho. Você mora em que bairro?

- Ingleses. E você?

- Coqueiros.

- Estou sozinha em casa. Você não quer vir aqui?

Um convite safado. UAU! Ela utilizou um tom bem libidinoso na voz, evidenciando claramente suas intenções. Tomou a cerveja. Procurou controlar a excitação.

- Eu adoraria. Qual o endereço?

Ela deu. Friamente. Como se tivesse acostumada fazer isso. Quantos homens não teria convidado para conhecer sua casa? Seria garota de programa? Ou ninfomaníaca? Dane-se! Hoje era seu dia e tinha que aproveitar. Anotou também o ponto de referência.

- Qualquer coisa, basta ligar, gato.

- Tudo bem. Estou saindo. Meu carro é um Corsa azul. Estarei usando bermuda jeans e camisa vermelha, ok?

- Ok.

- Chegarei em uma hora. Espero que seja uma noite agradável, a nossa.

- Será, gato. Você jamais a esquecerá, garanto.

- Que bom. Estou saindo, Renata. Beijos!

- Outro.

Desligou, tomou a cerveja e, excitado, se preparou para a missão.

Desligou o computador. Tomou banho. Escovou os dentes. Vestiu a bermuda e a camisa. Perfume no cangote. Na carteira, o papel com o número do telefone da gatinha. Saiu do apartamento, situado no terceiro andar de um prédio de quatro, e entrou no velho Corsa azul. Deslocou-se pelas ruas do bairro Coqueiros.

Noite quente; porém com um vento de média intensidade, que refrescava o clima.

Pegou a BR 282 (via expressa) e entrou na ponte Ivo Campos. Atravessou a ponte e seguiu rumo ao norte da ilha. Ruas estreitas, mas bem asfaltadas e com ótima sinalização.

Passou pelo Scuna Bar, El Divino, Terminal do bairro Trindade e dobrou à esquerda.

Percorreu a BR 401. Dirigia a 100 por hora, quando dava, sem titubear.

Minutos depois, dobrou à direita e entrou na rodovia 403.

Logo alcançava a rua principal do bairro Ingleses. O mar estava ali perto, atrás das casas.

Após o primeiro posto de gasolina, dobrou à direita e, alguns metros à frente, manobrou o Corsa para a segunda rua da esquerda, entrando na rua onde morava a gatinha.

Rua deserta e estreita. Lá estava a panificadora, do jeito que ela a descreveu. Muito bom!

Olhou o relógio: 22:15h.

Parou o carro diante da casa 117.

Casa grande, pintada de amarelo, com jardim na frente, garagem, portões e dois pavimentos. No andar de cima, uma varanda.

Ligou para Renata:

- Oi, gata. Estou na frente da casa.

- Ok. Estou descendo. Beijos!

Saiu do Corsa e esperou.

Renata apareceu e abriu o portão pequeno. Vestia short curto, que evidenciava o poder de suas pernas. A blusa mal escondia os grandes seios. Belos seios! Era mais linda pessoalmente. Um verdadeiro pitéu! Ao vê-la, ficou excitado, desejando-a intensamente.

- Oi, Paulo! - ela sorriu.

- Oi, Renata!

Ia beijá-la nas faces, mas... ela, surpreendentemente, o beijou na boca.

Um beijo doce, caliente, ardente. Abraçou-a, delirando ao sentir seu perfume. Sua língua o levou à loucura sexual. Nunca tinha passado por emoção parecida.

Afastaram-se. Não sabia o que dizer. Apenas sorriu, abobalhado.

- Vamos entrar, gato? - ela murmurou, sorrindo.

Que bom. Estava diante de uma gata safada e muito objetiva. Não perdia tempo.

Entraram.

Foram para o andar de cima.

- Sente-se, gostoso. Quer tomar alguma coisa? Que tal um vinho?

- S-sim. - conseguiu dizer.

Ela era maravilhosa!!! Aquela bunda... aqueles seios... curvas para todos os lados!

Meu Deus! Iria ter a noite mais arrasadora de sua vida. Que gata! Que gata!

Sentou-se no sofá e viu que a sala era luxuosa e confortável. Uma estante, TV, aparelho de som, DVD, telefone convencional, flores, livros, tapete.

Renata voltou, trazendo duas taças de vinho tinto.

Tomou uma dose. O vinho estava gelado, porém tinha um gosto esquisito.

Renata sentou-se do seu lado e passou as mãos, carinhosamente, em seu peito.

- Não quer tirar essa camisa, gato?

- Claro...

Retirou a camisa e a deixou em cima da mesinha de centro.

Beijaram-se.

Acariciou aqueles cabelos dourados. Passou a mão naquela barriga lisa.

- O que achou? Sou bonita? - ela mordiscou sua orelha.

- Linda! Gostosa! - disse, baixinho, excitado - Muito melhor pessoalmente.

Tomou a segunda dose do vinho.

- Você também é gostoso, sabia? - ela beijou sua barriga. Levemente, massageou seu pênis (a essa altura, em riste! - óbvio), por cima da bermuda. Um toque inebriante... lascivo... excitante!!!

Já ia beijá-la novamente quando... começou a ficar tonto. Estranhamente tonto.

Sua ereção foi para o espaço. O estado de embriaguez aumentava, gradativamente, de intensidade. Fechou e abriu os olhos diversas vezes.

Afastou a garota e tentou se levantar, mas não conseguiu.

- O que houve, gato? - Renata recuou - Está passando mal?

- Eu, eu... - tentou dizer.

Piscou. Visão turva. As paredes... giravam! O que estava acontecendo?

Renata se levantou, nos olhos um brilho cruel. Não mais sorria. Não era mais carinhosa. Nada dizia. Apenas o olhava. Fez um esforço para se erguer.

Inútil.

Desmaiou.

***

Quando despertou estava amarrado numa cadeira.

Mãos para trás. Cordas o prendiam... no pescoço, barriga e pernas.

A sala onde se encontrava! Bem iluminada, porém sem mobília.

Diante dele, um computador e outra cadeira. E mais nada. Era como se tivesse sido especialmente preparada para recebê-lo. Com que objetivo?

Repentinamente, um homem aproximou-se dele. Andava de modo estranho.

Alto, magro, todo vestido de preto. Usava máscara preta, que deixava à mostra apenas um par de olhos frios.

O homem ocupou a cadeira e ligou o computador.

- Olá, querido! - disse, numa voz esquisita - Tudo bem?

- Eu devia ter imaginado que era bom demais pra ser verdade! - murmurou, com raiva.

O homem de preto riu:

- Diz o ditado que, quando a esmola é grande, o pobre tem que desconfiar.

- O que quer de mim?

O homem ficou em silêncio. Encarou-o por alguns minutos.

- O que quer de mim? - perguntou de novo, aumentando o tom da voz.

- Você está num lugar isolado. Não adianta gritar, que ninguém irá ouvi-lo.

- O que quer de mim? Tenho certeza de que jamais o vi antes.

- Com certeza que não viu. Mas eu o conheço... meu jovem... "Nu com diarreia".

Ao ouvir tais palavras, estremeceu. Meu Deus! Como ele soube? Como descobriu? Sua vida corria perigo. Uma vingança! Começou a sentir medo. Suava e seu rosto estava pálido. A palidez do pânico! Tentou ganhar tempo:

- N-não sei do que está f-falando.

- É mesmo? Irei refrescar sua cuca, seu merdinha safado! Está vendo aquele aparelho ali, embaixo do computador?

Havia realmente um aparelho, parecido com um DVD, colocado numa prateleira abaixo da mesa da escrivaninha.

- Eu o chamo de localizador. Já ouviu falar nele?

Não conseguiu dizer nada. Tremia ligeiramente. Evitou encarar o homem de preto. Aquele olhar frio fazia seu sangue gelar.

O homem de preto continuou:

- Há um mês que eu estava tentando localizar o famoso "Nu com diarreia". Um sujeito imprestável, nojento, que entrava no bate-papo apenas para insultar as pessoas. "Nu com diarreia" ou "Verme maldito" ou "Drácula" ou "Justiceiro". Você não sabe, mas sou homossexual. Isso mesmo. Homossexual e rico. Com muito orgulho. Tenho muito dinheiro e sou bastante conhecido pela sociedade da ilha. - o homem de preto levantou-se - Esse aparelho é muito caro e poucos o tem. Os japoneses criaram esse tipo de aparelho por causa dos Hackers e dos pedófilos. Resolvi comprá-lo, pois estava com ódio desse cara, o "Nu com diarreia". Prometi a mim mesmo que iria pegá-lo. Chamar as pessoas de aidéticas. Nossa! Você não tem a menor ideia do quanto eu odiava ser chamado de aidético. Não existe palavra mais preconceituosa do que essa. - o homem parou e abaixou-se, olhando-o fixamente - E agora, aqui está! Na minha frente. O famoso "Nu com diarreia". O merda!

Ficou em silêncio.

Trêmulo.

- Você e-está enganado. - tentou uma saída - Pegou o cara errado. Vai cometer uma loucura! P-Por favor...

O homem sorriu e voltou a ocupar a cadeira.

- O localizador, esse aparelho charmoso, identifica o computador de quem entra no bate-papo e utiliza determinado apelido. Isso mesmo. Uma invenção maravilhosa. Os japoneses são realmente geniais. Não sei bem os termos técnicos da coisa, mas todo computador tem sua impressão digital. Números e letras singulares, próprios de cada computador. Nenhum possui tais números e letras iguais ao outro. E você, seu merda, digita o apelido, entra no bate-papo e pensa que está seguro. Pensa que ninguém pode achá-lo. Um engano mortal. O localizador age e informa em que cidade aquele computador se encontra. Mas não sabe o endereço da pessoa, entende? Portanto, só havia uma forma de eu achá-lo. Comecei a rastrear os computadores de todos os apelidos que entravam no bate-papo do UOL. Isso todas as noites. Incansavelmente. Movido pelo ódio. De repente, descobri que o apelido "SÉRGIO" utilizava o mesmo computador do apelido "Nu com diarreia". Não é fantástico? O resto foi fácil. Bastou utilizar o raciocínio. E o que fiz? Pedi para uma amiga. Tenho muitos amigos, entende? Pedi para uma amiga conversar com esse tal de "SÉRGIO" e seduzi-lo. Oh, as mulheres e seus poderes... Uma coisa bárbara! E você, claro, caiu no poder de sedução de uma gatinha. Sabe o nome da minha amiga? Alice. Lembra da Alice?

Como poderia esquecê-la? Alice era uma morena baixinha e bonita. Encontrou-se com ela no shopping Itaguaçu, após uma conversa intensa no bate-papo, e a levara até seu apartamento. Uma vez ali, doido para possuí-la, chegou a emprestar o computador, atendendo seu pedido. A vagabunda alegou que queria atualizar os e-mails. Parecia ser bastante curiosa. Olhava o apartamento minuciosamente, de forma até ostensiva. Na época, não deu importância a isso.

Tomaram cerveja e fizeram sexo até meia-noite. Sexo. Era isso o que contava. Depois, ela foi embora de táxi, recusando seu oferecimento de deixá-la em casa. Nunca mais a viu.

Sentiu a boca seca. Suava. O medo fazia seus lábios tremerem.

Como escapar dessa bicha enlouquecida? Como? Meu Deus! Pense. Pense!

- Alice. - o homem de preto prosseguiu - Grande amiga. Cumpriu sua missão com eficiência. Ela adorou transar com você, sabia? Pediu que dissesse isso. Parabéns! - sorriu - Sabe o que ela achou em cima da mesa? Um caderno grande, no qual estavam escritos todos os apelidos que você utilizava no bate-papo. Todos. Você anotava também as características físicas e os números de telefone das garotas. Um predador! Um sujeito metódico e organizado. O homem que caçava as mulheres no bate-papo, sim, mas que, também insultava todo o mundo.

De repente, ele ficou sério, se ergueu e gritou:

- POR QUE VOCÊ FAZIA ISSO? POR QUE, SEU MERDA?

Arrepiou-se! Engoliu em seco.

Foi dominado por um terror incontrolável, ante o nervosismo do sujeito:

- RESPONDA, SEU BOSTA! VAMOS! POR QUE ME CHAMOU DE AIDÉTICO?

Não soube o que dizer.

Apavorado, percebeu que iria morrer nas mãos de um louco.

***

Dor!

Sensação desagradável, variável em intensidade e em extensão de localização, produzida pela estimulação de terminações nervosas especializadas em sua recepção. Assim a definiu o Aurélio. Aflição!

Foi o que ele sentiu. Primeiro, o clorofórmio. Depois, acordou na praia. Quatro homens de preto e mascarados. Dois o seguravam; um batia; o homossexual assistia. Socos. Pontapés. Um dos socos quebrou três dentes e afundou sua arcada dentária. O sangue desceu.

Mais socos quebraram duas costelas. Seu olho direito inchou, devido aos golpes. Surgiu o brilho de uma barra de ferro. O golfe foi certeiro em suas pernas. Ambas foram quebradas. Os ossos partiram-se em dois, com um ruído assustador. Seu braço direito também foi quebrado. Mais estalos. Jamais esqueceria o barulho de seus ossos quebrando. Algo excruciante!

Gritou!

Gritou como nunca havia gritado em toda a sua vida. Gritos animalescos, emitidos do fundo de sua alma! Uma sensação horrível! A dor era insuportável! Desespero! Sofrimento! Agonia da morte! Gritou até sua garganta arder. Depois, calou-se.

Deitado na areia, nem percebeu quando eles se afastaram.

Tentava respirar. O sangue descia, nauseabundo. Notou a presença da morte. As dores eram terríveis!

Repentinamente... não viu mais nada.

***

Despertou totalmente desorientado. Onde estava?

Arrepiou-se de medo!

Estaria no... inferno?!? Meu Deus!, pensou, apavorado.

A lâmpada acesa, aparelho estranhos o cercando, o cheiro. Um estranho cheiro de... remédios?!?

Ao abrir os olhos, sentiu uma dor de cabeça enjoada. Na verdade, sentia dores no corpo todo. O que teria acontecido? Olhando para seu corpo, sentiu um arrepio.

Meu Deus!

Suas pernas estavam engessadas, assim com seu braço direito. Havia uma faixa de pano, branca, em torno de seu tórax. Seu olho direito estava inchado e fechado. Outra faixa cobria sua cabeça. Não podia mexer a boca.

Encontrava-se sozinho no quarto; havia mais três camas vazias no local.

Minutos depois, uma mulher vestida de branco, gordinha, aproximou-se dele.

- Boa tarde! - disse, sorrindo - Tudo bem?

- Oi... - tentou falar, mas só conseguiu emitir um gemido. Não podia se mexer.

- Dois dias desacordado. Até que enfim...

- O q-que...? - murmurou, após visível esforço.

- Você foi encontrado na praia de Santinho. Massacrado. Arrebentado. Deixe-me ver... As pernas, o braço direito, duas costelas e três dentes... todos quebrados. Um olho roxo e, para completar, um pequeno traumatismo craniano. Sinceramente, foi um milagre de Deus, você ter sobrevivido. Incrível! Nasceu de novo, meu jovem.

- Não l-em...bro de... nada...

- Do jeito que você estava, é até surpreendente estar falando. Ah, sim. Você recebeu algumas visitas. Seu irmão, um casal de tios, uns seis colegas de trabalho e o investigador da polícia civil. Eles deverão retornar, assim que souberem que você despertou. Agora, fique quieto, que irei te ajudar a prosseguir nessa vida.

- Q-Que...ro... uri..nar...

A mulher aplicou uma injeção em seu braço esquerdo.

- Urinar? Tudo bem... Vou providenciar. Mas, antes, irei chamar o médico. Ele precisa dar uma olhada em você, amigo. - sorriu - Seja bem-vindo ao mundo dos vivos, ok? - piscou um dos olhos - Homem de sorte. Tchau!

Sentiu sono.

***

Passou um mês no hospital.

Nunca havia tomado tantos comprimidos e injeções na vida. Incrível!

Após os terríveis trinta dias, retirara os gessos das pernas e do braço e voltou para casa. Eles consertaram seus dentes.

Seu único irmão, que era separado, decidiu passar uns dias com ele, para ajudá-lo a se recuperar. Afinal, seus pais haviam morrido há muito tempo. Uma amiga se ofereceu para cuidar dele. Tudo bem.

Mancava da perna direita e tinha que fazer fisioterapia, no hospital, além de natação numa academia. Pegou três meses de licença, do trabalho. Era obrigado a tomar um comprimido por dia, por tempo indeterminado. Por causa do traumatismo craniano.

Conversara com o investigador, mas disse que não sabia por que fora agredido. Não se lembrava de nada. O investigador disse que, caso lembrasse de algo, ligasse para ele.

- Tudo bem, senhor.

Dois dias depois, quando estava sozinho no apartamento, recebeu um telefonema. Quer dizer, já esperava uma espécie de contato... dele.

- Oi, querido.

A mesma voz esquisita e fria. Sentiu um pouco de medo.

- O que você quer?

- Liguei apenas para avisá-lo.

Suspirou e se preparou para ouvir.

- Preste atenção. Eu poderia ter acabado com sua raça imunda. Mas não o fiz. Dei-lhe uma chance de se recuperar, de mudar para melhor, embora você não merecesse. Mas que uma coisa fique bem clara. Na próxima vez que eu ver alguém usando o apelido "Nu com diarreia" ou qualquer outro, no bate-papo do BOL ou UOL, insultando as pessoas, você morre. Estou de olho no teu computador e em você. Se eu plotar teus insultos na porra da Internet, você morre. Entendeu, seu merda?
Respirou fundo e engoliu em seco.
- S-Sim...
- Só para teu conhecimento, a casa nos Ingleses é alugada. Paga em dinheiro. Está vazia agora. A loira mora em outro Estado. Isso significa que ninguém saberá quem alugou a casa e muito menos onde estaria a loira. A Alice também mora em outro Estado. Meus amigos também foram embora. Planejei tudo em detalhes. Mesmo investigando, jamais encontrará uma pista do meu paradeiro. Para o polícia, você não sabe de nada, você não lembra de nada, você não viu nada. Veja bem. Se um dia um policial qualquer bater na minha porta, fazendo perguntas, você morre. Certo?
Pigarreou, nervoso. Suas mãos tremiam.
- Entendeu, seu merda?
- S-Sim...
O homem de preto desligou o telefone.
Sentou-se no sofá, nervoso e apavorado.

As lágrimas começaram a descer.

***

Durante seis meses, teve pesadelos com aquela voz. Acordava no meio da noite, trêmulo de medo. "Entendeu, seu merda?". A voz no seu ouvido, torturando-o, ameaçando-o! Momentos terríveis. Cada vez que o telefone ou o celular tocava, ele pulava, assustado.

Vendeu o computador, pois não teve, sequer, coragem de acessar a Internet. Queimou o caderno mágico. Substituiu a Internet pela leitura.

Com o passar do tempo, recuperou-se aos poucos.

Os amigos e o irmão o ajudaram. Passou, então, a frequentar as praias e festas e os clubes de Floripa. Voltou a sorrir e a brincar. Os pesadelos sumiram.

Mas não conseguia esquecer.

O clorofórmio. O despertar na praia. Os três homens. Batendo. Socando. Chutando. O sangue jorrando. Os gritos. Na praia mesmo. E o homossexual mascarado (filho da puta!) assistindo.

Não contara para ninguém tudo o que passou. Era seu segredo e morreria com ele.

Num certo momento de sua vida, o medo deu lugar ao ódio.

***

Levou dois anos para tomar sua decisão.

Já parcialmente recuperado, vendeu o apartamento, que possuía três quartos.

Mudou de emprego.

Comprou outro apartamento, menor, de dois quartos, em Biguaçu, cidade localizada a 20 Km do centro de Florianópolis.

Adquiriu outro computador.

O medo da Internet passara. Era um viciado em Internet, sem dúvida.

Comprara uma pistola e uma caixa de balas, mais o silenciador. Gastara uma nota no mercado negro. Mancava um pouco e suas mãos tremiam, mas sabia que não erraria o alvo. Treinara bastante e sabia que poderia obter sucesso.

Voltou a beber. Quer dizer, vivia bêbado e seus amigos o aconselhavam a diminuir o consumo. Babacas!

Continuava solteiro.

Numa sexta-feira, às 20h, ligou o computador. Caía um chuvisco enjoado.

A lata de cerveja na mão. Claro.

Que apelido escolheria hoje?

"CARINHOSO (HxH)".

Riu.

Esse estava bom.

Entrou no bate-papo do BOL.

Clicou em "cidades/Florianópolis/entrar".

Digitou a senha e o apelido.

"CARINHOSO (HxH)". Novo riso. Um brilho malicioso nos olhos. O show iria começar.

Dessa vez estaria preparado para enfrentar aquela bicha enlouquecida.

Não seria surpreendido.

Iria teclar e marcar encontro com todos os homossexuais de Floripa.

Já tinha conhecido seis deles.

Nos encontros, usava peruca, bigode e óculos; lentes de contato verdes; nariz falso; sapato com sola reforçada, para dar-lhe mais altura; a pistola na cintura; pronto para o momento crucial.

Infelizmente nenhum deles possuía o olhar frio e aquela voz esquisita.

Mas sabia que o encontraria... era uma questão de tempo...

menu
Lista dos 2201 contos em ordem alfabética por:
Prenome do autor:
Título do conto:

Últimos contos inseridos:
Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente
http://www.gargantadaserpente.com.br