A luz da Lua se esbate num casebre do arrabalde. Ao pé da janela, toca
um pianista. Seus dedos carcomidos sujeitam o teclado com violência, suas
melenas secas e grisalhas oscilam e reluzem a cada acorde. De onde está
ele vê, além do casario pobre, a suntuosa cúpula dourada
sob a qual um dia triunfou. De lá vêm as notas que saem dos dedos
de um novo gênio inconteste.
Da cadeira de balanço na entrada do corredor, a mãe o ouve menos
que observa. Tem os cabelos brancos presos num coque. Ao fim da música
seu filho se ergue, faz o clássico gesto de puxar a cauda do fraque,
e chega a iniciar a mesura, mas a interrompe e bate com força num castiçal
que estivera repousando sobre o piano. A velha estremece, crispa as mãos
sobre o peito, lágrimas lhe acorrem.
Ouve-se, vindo das ruas principais, o atroar das carruagens que se dirigem ao
espetáculo da casa dourada. Em seu interior, fidalgos de cartola conversam,
senhoritas ardem a olhos vistos pela glória e cachos louros do jovem
pianista, e damas fiam na roca da maturidade adquirida em anos de astúcia
e dissimulação.