A Lua é uma lâmina fina, um pêndulo oblíquo imobilizado
no céu, flutuando sem algum cordão que a sustente. Imagina como
seria se a Lua começasse a balançar no céu, para lá
e para cá, e gerasse uma brisa que lentamente empurrasse as estrelas
para as bordas do firmamento. E se a Lua, como uma lâmina mesmo, balançando
para lá e para cá no Abismo, começasse a descer na direção
da Terra, mais e mais próxima a cada movimento inexorável, até
que devastasse cidades e searas, derrubasse palácios e montanhas, abrisse
na face do planeta um talho comprido que fosse aprofundando a cada nova passagem
até que através dele se pudesse ver o espaço, através
do qual a Terra sangraria todo o seu ar e por onde entraria o Vazio como bolhas
de ar na corrente sanguínea. A Terra ficaria murcha, morreria exangue.
Certamente o cadáver da Terra se soltaria da velha rota e partiria numa
viagem desgovernada, como uma folha seca que cai no rio e é levada pela
correnteza. No percurso a Terra poderia cair na direção de alguma
Estrela e se consumir em seu calor, ou desaparecer para sempre no mistério
de um Buraco Negro, ou escapar cegamente de todos os obstáculos, todas
as pedras e redemoinhos, e chegar ao fim do rio, desembocar no mar.
Tudo isso se a Lua, disfarçada por milênios como lamparina de nossas
noites, inspiração dos poetas e dos amantes, anelo dos loucos
e dos mares, fosse um carrasco e ao mesmo tempo seu instrumento, se a Lua Cheia
fosse um olho que observa e informa o que viu aos Senhores do Universo para
que eles julguem o que ouviram. E no dia em que os Senhores do Universo condenassem
a Terra à morte, a Lua seria uma lâmina fatal, cimitarra impiedosa.
Pensou nisso tudo, apesar de que jamais seria capaz de traduzir em palavras
seus pensamentos, nem sequer em sua própria mente, pois aqueles pensamentos
haviam brotado do nada, eram imagens, símbolos, não eram palavras
organizadas em constelações, gravitando nas suas órbitas.
Não imaginava como sua fantasia pareceria estranha a alguém que
a escutasse e, portanto, a esqueceria. Poderia esquecê-la para sempre
ou talvez num dia qualquer uma visão real ou uma outra fantasia a evocasse
novamente, e ele a continuaria, como um conto, ou talvez a misturasse com outras,
e deturpasse, e se confundisse, e a abandonasse novamente nas obscuridades de
sua memória. Mas para imaginar aquelas fantasias precisava saber muitas
coisas que as pessoas nem suspeitavam que sabia. Mas ele sabia, sabia da Terra,
da Lua, do Espaço, que os Buracos Negros têm o formato de um redemoinho,
que o Universo era infinito e cismava com a ideia de infinito. Sabia
de tudo isso, mas não podia falar.
O velho apareceu no umbral da porta. Ele se voltou, sorriu, e disse com dificuldade,
a voz anasalada, os olhos arregalados e brilhantes:
- A Lua é estraaanha...
O velho sorriu sem sorrir, apenas expirou com um pouco mais de força
e fez um ligeiro movimento com a cabeça para cima, nem sequer mostrando
os dentes. Resmungou que entrasse, e não deu atenção às
suas palavras nem à Lua, pois sabia como era simples e limitada a mente
de um debilóide. Entrou, pensando nas dívidas, na carga que chegaria
à mercearia na manhã seguinte, pensou utilizando-se de palavras
e números, mas ao fundo piscava o velho medo da morte, de não
amanhecer. Viu-o entrar, obediente como quase sempre era, aprisionado em sua
mente mal desenvolvida. Havia muito o velho não lembrava da Lua, da Terra,
do Infinito. Tinha pena do menino aluado.