Eu já estava pronto para dormir, passava das onze horas da noite. Aquele
dia fez muito calor! O clima estava abafado, estafante.
Já tinha colocado um pijama confortável de seda que ganhei no
natal; estava cansado.(Tem dias que é assim, o trabalho mais parece um
castigo. Deus que me perdoe, mas foi o que senti enquanto estava trabalhando).
De repente ouvi um carro cantar pneus, como se tivesse que sair às pressas,
bruscamente. Parecia na frente da minha casa. Então corri, abri a janela
e o avistei quando já se afastava em alta velocidade. Não consegui
identificar o tipo, nem a cor. "Deve ser um apressado", pensei. Observando
a rua, notei algo nela, jogado no chão, como um saco, apesar de um tamanho
maior, parecia que estava amarrado na boca.
A minha rua fica na encosta da Mata Atlântica e os vizinhos são
poucos. O vizinho do lado não pára em casa, principalmente nesta
época de verão! Vai para sua casa de praia. Tem uma professora
aposentada, (aliás, foi minha professora nos tempos do colégio.
Mora sozinha. Ela dá festas maravilhosas nos finais de ano! Da varanda
da minha casa eu ouço o som das músicas. Eu tenho um amigo que
não perde uma). Tem um casal de idosos que dificilmente eu os vejo, e
tem o colégio bem na frente da casa. Porém, nesta época
de férias escolares, permanece fechado.
No momento só tinha uma dúvida: O que deixaram ali no meio da
rua? Há essa hora não passava quase ninguém! A minha curiosidade
estava me forçando a descer e ver o que tinha naquele saco. Com certeza
foi deixado por aquele carro. Imaginei. "Parece que se meche!" Meu
Deus! Tive a sensação de que algo dentro do saco estava se mexendo!
Então liguei para polícia e relatei o acontecimento. Informaram-me
que todas as viaturas estavam envolvidas em ocorrência, mas tão
logo uma ficasse livre mandariam ao local para fazer uma averiguação.
Tomei uma decisão: vou descer e desvendar esse mistério! Meio
receoso desci as escadas a passos lentos, por via das dúvidas levei um
pedaço de madeira como uma estaca: vamos que seja um animal, como um
cachorro feroz que abandonaram!
Assim que abri o portão grande foi a minha surpresa. O saco tinha desaparecido.
O que houve? Perguntei-me. Como pode alguém o ter levado em menos de
um minuto e desaparecer tão rapidamente? Corri os olhos na rua do início
ao fim e nem sinal de alguém. "Seria o cansaço?" Impossível!
Ali com toda certeza tinha um saco.
Voltei para casa pensativo. O que poderia ter acontecido, não passou
ninguém por ali? Estava tão visível aquele saco! Parecia
até estar se mexendo! O cansaço sumiu e deu lugar a uma ponta
de preocupação e dúvida. "Deixa pra lá!".
Liguei a televisão. É incrível como numa hora de tensão
não se consegue concentração no que se assiste, pelo menos
comigo é assim, tudo parece banal e sem graça. Levantei do sofá,
debrucei-me na janela e observei a tranquilidade da rua, e lá estava
ele: o saco. No mesmo lugar e com aquela mesma impressão de estar se
mexendo. Não é possível! Deve ser brincadeira, mas de quem?
Quem há essa hora ia fazer este tipo de brincadeira?
Ao longe avistei um carro da polícia que se dirigia rápido para
o local solicitado. Não perdi tempo, corri o máximo que pude até
à rua. Quando abri o portão o carro da policia também estava
em frente a ele. Prontamente um policial abriu a porta e falou:
- Pois não Senhor, o que ouve?
- O saco! - Apontei.
- Como?
- O... Saco, ele estava ali.
- O senhor bebeu? Fez uso de outras drogas?
- Ali no meio da rua tinha um saco que se mexia, eu tenho certeza.
- Ah, muito bem! - falou ele ironicamente e ainda concluiu: - vai ver o tal
saco tinha asas e saiu voando! Vai dormir senhor!
- Claro, desculpe.
Que vergonha! Aquela situação estava ficando desconfortável,
me senti ridículo junto ao policial, ainda com pijama de seda. Passei
por bêbado, drogado, sabe mais lá o que... Isso não poderia
estar acontecendo. Eu tinha certeza que por duas vezes eu vi aquele saco. Procurei
nas gavetas ver se encontrava algum calmante, naquele momento eu realmente estava
precisando. Achei um e logo tomei. Pelo menos eu durmo e esqueço disso
tudo. Acreditei.
Deitei-me tentando me concentrar para quem sabe, dormir logo e sair daquele
estado alucinante. Ledo engano! Estava impaciente e não conseguia relaxar,
me virava de um lado para o outro e nada, o sono sumiu mesmo com o remédio.
"Vou levantar e escrever alguma coisa, quem sabe numa hora dessas não
aparece uma inspiração, quem sabe não escrevo um poema!"
Pensei. Aos poucos a curiosidade, aquela sensação de descobrir
algo foi me arrastando até a janela. Meu Deus! Ele estava lá novamente.
"O saco estava lá e estava se mexendo". Não é
possível, eu não estou vendo!"Não quis acreditar,
me neguei a aceitar aquela visão novamente. Voltei ao sofá e liguei
a televisão. Aquilo era uma miragem, uma alucinação. O
policial estava certo em rir de mim. Não vou ligar, deve ser o trabalho,
aquela repartição está me consumindo, (também com
tantos processos em atraso, com tanta gente cobrando com razão os seus
direitos, querendo saber do andamento de suas ações, o descaso
que o poder público tem com o contribuinte, a morosidade como são
resolvidas as questões,) tudo isso cai sobre mim um simples funcionário
que tem que dar satisfação ao publico. Talvez tenha sido isso
que desencadeou essas alucinações, só pode ser isso. Desabafei.
Prometi a mim mesmo não olhar mais a janela. Mas como evitar se aquele
problema estava me corroendo, me levando a loucura?
Acabei novamente por olhar a rua pela janela. Outra vez fui surpreendido. O
saco não estava mais lá. Então cheguei a uma conclusão:
era mesmo uma alucinação! Eu preferia que ele estivesse, pois
só assim ficaria menos preocupado pelo fato de ter tido uma visão
de uma coisa que não existe. Veio um monte de pensamentos. Não
era possível, eu não estava tão perturbado a ponto de ver
coisas, bebia socialmente, há muito tempo tinha abandonado os calmantes,
tanto que a metade de uma caixa já estava quase passando da validade.
Aquele saco esteve lá e por três vezes eu o vi, isso não
pode ficar assim, tenho que resolver este caso, algo muito diferente está
acontecendo e vou resolver.Afirmei.
Pensei em ligar para um amigo, mas desisti, ele não iria acreditar, iria
rir de mim como fez o policial. Aquela situação inusitada me levou
ao extremo do nervosismo. Vou sair! Decidi. Quem sabe se dando umas voltas na
praia eu possa relaxar e esquecer aquele episódio macabro que estava
me levando a um ataque de nervos. Tirei o pijama, coloquei uma calça
Jeans e uma camiseta. Peguei as chaves do carro, apaguei as luzes. Deixei acesas
somente as da varanda, por onde saí, e novamente fui surpreendido. Era
ele. Estava ali na minha varanda, o saco! Parei um momento sem saber o que fazer,
a essas alturas o medo tomara conta de mim. Já não tinha mais
coragem para olhá-lo, mas aos poucos fui observando e constatei: estava
mesmo se mexendo, mais do que isso tinha algo dentro gemendo. Tive vontade de
voltar para casa, mas minhas pernas não me ajudaram. Então, fiquei
parado observando aquele saco com alguém dentro gemendo. Não era
animal, era claro o seu gemido e para aumentar meu espanto, o saco começou
a se rasgar e de dentro saiu uma mão cheia de sangue, depois a outra
e por fim a criatura mostrou seu rosto monstruoso. Eu comecei a gritar desesperadamente,
quando senti uma outra mão tocar em meu ombro, enquanto me chamava pelo
nome eu não queria responder, mas a voz insistia.
- Seu Hugo, Seu Hugo, acorda! O senhor está se mexendo muito! Não
é melhor o senhor dormir na cama?
Então aquela criatura aos poucos foi sumindo e senti a presença
de Cinira, minha doce secretária do lar, que me observava meio assustada.
- Que alívio! - Falei. Ela ainda me olhou com uma certa cautela e concluiu:
- Pode deixar, seu Hugo, eu desligo a televisão.