É um dia típico de mormaço, em Manaus. A ressaca apenas
pesa mais que as contas a pagar. São trinta paus do quarto de hotel,
mais dez paus do rango. A barriga lhe dói, num misto de vazio e ardor
de cachaça. O peso-dor no peito lembra o rock de cocoroco da noite que
mal acabou. Mas não tem jeito: o calor-fedor do quarto embolorado expulsa
o graxa pra rua. "Vou pra batalha". É o de sempre.
Fazia tempo que tinha caído fora do Catalão. Não suportava
a vida no cabo da enxada ou do terçado. A TV, as indas e vindas ao Iranduba
e as passagens por Manaus já haviam lhe mostrado: na cidade a vida era
fácil e boa. Tinha de tudo que se podia ter. Ainda mais se soubesse e
quisesse trabalhar. A grana corria solta. Mulheres. Tudo ali, esperando... nem
se compara à vida no interior. Não tinha mais dúvida: "Vou
pra Manaus!".
No princípio, ficou em dúvida: o picolé, a flanela ou a
graxa. Experimentou tudo e ficou na graxa, sem descartar as outras possibilidades
de ganhar grana e curtir o mundo urbano que o engolia. Meteu a cara e foi adiante!
Putas, gatas, breja, pó, fumo e mel. Trampo, grana e muito rock. Mas
logo os encantos embotaram. Os ganhos eram incertos. As perdas e danos, normais.
Tudo se complicava. Os prazeres que as sessões de pasta, pó e
pinga lhe traziam eram esquecidos quando cobravam o quarto e faltava broca.
Os broderes e gatas sumiam. Não tinha como: tinha que ir pra rua. Ali
tava a grana; lá ia encontrar as ondas.
Toda essa confusão não lhe tirava a graça ou o prazer da
vida em Manaus. A caixa-de-graxa era o seu caixa-eletrônico. Apesar de,
às vezes, lhe parecer que seu mundo se estreitava nessa caixa, ela era
o elo entre a graxa e a grana que o reconduzia à vida. O graxa tinha
grana porque tinha a caixa. A caixa era a vida do graxa, na cidade.
Depois, era só ficar pela rua. Botecos, bares, restaurantes, passantes
e pisantes. Sempre de olho aberto, saia da Joaquim Nabuco, passava pela Manaus
Moderna, subia a Joaquim Sarmento, passava no Caldeira e ia embora.... Olhava
e pronto: "Vai uma graxa?", acenava. Aqui e ali, mandava uma. A graxa
ia; a grana vinha. No início da noite, já tava chegando no Castelinho.
Ali começava o rock and roll.
O Castelo. Ali ia fazer mais umas graxas. Tomar umas. Tecar. E pronto: era só
prazer. A grana, no bolso. Fome e ressaca, passado. Com toda a alegria que o
animava, o graxa esquecia fácil o jeito esnobe com o qual os bacanas
rejeitavam seus serviços. De fato, quase ninguém apreciava a presença
dos graxas: moleques marginais, futuros bandidos. Prestes a roubar e enganar.
Ninguém lhes dava atenção, muito menos grana. Às
vezes, dois reais pela graxa. Assim iam os graxas: detestados pelos cidadãos
de bem; extorquidos pela polícia...
- Ei, Graxa! Chega aí. - É o Professor. O graxa sorri. Fica de
boa. Apesar do "choro" do Professor pra pagar R$ 2,00 pela graxa,
sabe que já vai tomar uma breja. Mais os dois paus da graxa. Talvez até
um teco.
O Professor tá sempre de cima, sempre na boa. Isso até ficar noiado.
Mas aí o graxa já tem ido. Até lá, o Professor vai
só ficar perguntando, anotando, bebendo, pondo som e tecando. E, quase
certo, vai adiantar o lado do graxa.
Não dá outra: - Graxa, você é meu bróder.
- Adianta cinco pilas.
- Jarina, vê um copo aí pro graxa. - Breja...
- Mira loco. - Mostra o cabeção de 5 G. O graxa ri: teco.
O Professor levanta pro banheiro. Volta. Limpa nariz. Tem uma cara na mão:
- Vai lá, mano. Segura a onda...
Agora, o ar da noite de janeiro é úmido e frio. Os sons mais intensos.
As esperanças e os sucessos ofuscam os percalços e insucessos.
O graxa segue firme. Sorri consigo mesmo. Ele não se importa nem um pouco
com o instante seguinte. Esse é o Graxa.