Roberto estava louco para chegar em casa, tirar o
terno e tomar um banho. Hoje a casa seria só dele. Sua mulher estava numa viagem
oficial e só voltaria no fim do mês, isso lhe daria ainda duas semanas sozinho.
O que ele achava ótimo. Não que ele não gostasse de ficar com ela, é que ela era
muita mulher para ele. Inteligente, bonita, sexy e Ministra de Relações
Exteriores. Ele simplesmente se sentia muito inferior a ela. Aquele tempo
sozinho serviria para ele tomar as rédeas da sua vida.
Já em casa, com o terno sobre a poltrona, uma
cerveja na mão, Roberto liga a secretária eletrônica. – bip – “Beto, preciso
falar contigo. É importante. Me encontra no bar do Bola amanhã. Até.” O que será
que o Pontes queria com ele de tão importante. – bip – “Querido, provavelmente
vou voltar mais cedo. A Imperatriz da Áustria está doente e não poderá me
receber. Semana que vem devo estar em casa. Vai ser ótimo sair desse frio
glacial aqui de Londres. Um beijo.” Ângela voltaria mais cedo, não que Roberto
se importasse realmente. Sua liberdade, porém, tinha sido reduzida em uma
semana. Não era muita coisa pra quem vivia num casamento daqueles, Roberto não
estava acostumado com a liberdade.
– Aqui
está. Eu vou dar uma saída rapidinho e já volto. Vocês fiquem a vontade.
– Valeu,
Bola
– Pontes, você vai me contar por que me trouxe aqui ou não? Eu tenho uma
conta na qual eu deveria estar trabalhando agora, mas eu estou aqui.
Os dois homens estavam
sozinhos nos fundos do Bar do Bola. Uma garrafa de cerveja sobre a mesa, dois
copos. Um já embriagado, o outro sem ter tomado um único gole. Os cantos sujos
do recinto indicavam para Roberto que a conversa não seria fácil. Uma barata
passava por baixo de uma estante quando Pontes finalmente se manifestava.
–
Eu preciso de você, meu amigo. Tenho uma missão a cumprir e, sem você,
ela não vai ser bem sucedida.
–
E que missão é essa? Desembucha!
–
Eu tenho que salvar os homens do Brasil. Talvez você ache que eu posso
estar louco, mas espere eu terminar minha explanação para tirar sua conclusão
quanto a isso, sim?
–
Claro.
–
É um caso complicado, Beto. Que envolve todos os homens e mulheres do
planeta na verdade. Temos em nossa sociedade matriarcal, um grande problema,
existem dois sexos na espécie humana. Sem um o outro não consegue se manter. É
uma simples questão biológica. A espécie humana tem vivido com esse problema
desde os seus primórdios. Quando, até a idade Média, os homens eram os soberanos
as mulheres eram relegadas a uma inferioridade descabida. Não tinham direitos e
precisavam se sujeitar aos maiores abusos. Isso devido a sua menor força física,
já que os homens usavam de artifícios brutais para manter seu poder. Quando,
enfim, na Idade Moderna as mulheres começaram a se impor mais fortemente nos
meios de poder da sociedade, todos tiveram que mudar de tática, a simples força
bruta não adiantava mais. O dinheiro e perspicácia dos aristocratas faziam a
principal diferença no balanço do poder. As mulheres passaram a ter muita
influência e ter cada vez mais poder culminando quando, já na nossa Idade
Contemporânea, elas finalmente conseguiram a supremacia e nunca mais a perderam.
A tecnologia fez da força bruta algo insignificante na retenção do poder ma
sociedade. Os homens foram relegados a um segundo plano, como as mulheres na
Idade Média. Vivemos em uma sociedade matriarcal onde são as mulheres que tomam
as decisões e os homens ficam apenas olhando e obedecendo. Somos meros peões a
mercê das rainhas.
–
E o que isso tem a ver comigo?
–
Cara, você prometeu esperar eu acabar!
–
Tudo bem, manda ver.
–
Como eu dizia no início, o grande problema dessa sociedade é a diferença
dos sexos. Quando o homem detinha o poder sobre as mulheres, a espécie não
estava em perigo. O homem nunca iria se desfazer de todas as mulheres pois
somente elas podem gerar os filhos e filhas da espécie. Não existiria Homo
sapiens se as mulheres desaparecessem. Minha pergunta é: será que no caso
atual, onde as mulheres controlam tudo, a espécie se perpetuaria se os homens
desaparecessem.?
–
É claro que não. É preciso um homem e uma mulher para fazer um bebê. Isso
é uma informação básica. Qualé? Você não foi a escola não, Pontes?
–
Eu não estou brincando Roberto. E devo corrigi-lo pois sua resposta está
incorreta. O certo seria: o homem é dispensável.
–
Como!? Cara, você realmente bebeu demais. Acho melhor a gente parar com
essa brincadeira. Vem que eu te levo pra casa. – Roberto já se levantava,
pegando o amigo pelo braço para ajuda-lo a levantar, quando, sem nenhum aviso,
Pontes se levanta de um pulo fugindo das mãos do companheiro e gritando.
–
NÃO! Você vai ter que me ouvir! O homem é dispensável! Eu estou te
dizendo a verdade!
–
Então me explique como isso é possível. Vamos ver se você me
convence.
–
Você sabe o que a sua esposa foi fazer na Europa? Não importa o que ela
disse pra você, ou o que foi divulgado na mídia. Essa não é o verdadeiro motivo
da viagem. Uma companhia de pesquisas biológicas na Alemanha conseguiu o que
todas as mulheres do planeta ansiavam a décadas. Uma forma de tornar o homem
dispensável. Tudo o que o homem faz as mulheres podem fazer, com uma única
exceção. O homem é o único que pode produzir um espermatozóide. Sem ele não
existiria nenhuma prole. É por isso, e por isso exclusivamente, que as mulheres
nos toleram. E agora nós não somos mais necessários para a produção de
descendentes.
–
Mas como pode isso? E o que diabos a Ângela tem a ver com isso?
–
Ela foi se encontrar com as cientistas que desenvolveram a pesquisa.
–
Que pesquisa?
–
Como fazer dois óvulos, gametas femininos, se fundirem e formarem um novo
indivíduo.
–
Isso não é impossível?
–
Não mais. Eu não sei realmente qual o processo, mas o que interessa é que
funciona. A reprodução fêmea-fêmea será implantada e não nascerá mais homens. O
sexo masculino está fadado a extinção.
–
Não pode ser verdade.
–
Mas é. A não ser que nós façamos alguma coisa para impedir. E você é
muito importante nisso tudo.
–
Como?
–
Você pode ter acesso ao computador da sua esposa e entrar no sistema do
governo. Ali você vai descobrir qual é a equipe de cientistas que desenvolveram
a pesquisa. Deve existir algum registro do encontro em algum lugar, ele não era
secreto. A partir da sua informação eu e meus homens vamos agir e destruir todos
os indícios de que essa pesquisa existiu. Seremos necessários de novo e vamos
enviar uma mensagem ao mundo. Nós não estamos aqui para sermos desprezados. Um
dia ainda vamos reconquistar nossa supremacia, Beto. É por isso que eu me
esforço. Uma grande rede de militantes pró-homens se expande pelo mundo inteiro.
Temos milícias em muitos países, tropas que lutariam sem pestanejar contra
qualquer inimigo. Nossas vidas dependem disso, Beto.
A porta da sala se abre com um
estouro enorme. Granadas de gás voam pelo vão enquanto um grupo de elite invade
o recinto equipado para a mais perigosa das missões. Quase que instantaneamente
Pontes é imobilizado e retirado do local. Roberto fica sem ação, com os olhos em
chames devido ao gás. Em um estado alterado de consciência vê tudo como se num
sonho, uma sonho mau, mas ainda assim um sonho.
Quando seus olhos param de arder
e sua mente volta a normalidade, só então, ele enxerga a mulher sentada na
cadeira onde antes repousava Pontes.
–
Ângela!? Pensei que estivesse em Londres? O que você está fazendo aqui? E
o que significa tudo isso?
–
Calma, querido. Não se excite demais. Se quiser, e eu acho que é melhor,
pode ir pra casa e descansar ele não vai mais incomodar você. Isso já foi
arranjado.
– O que você quer dizer com isso? O que vai acontecer com o Pontes?
– Não pense mais nisso, Roberto. É melhor pra todos assim, e principalmente
pra você. Vá pra casa, descanse e nunca mais pense no que foi falado nessa sala
hoje.
Ângela levantou-se e saiu da
sala deixando Roberto sozinho. Ele não entendia nada do que estava acontecendo.
Era a coisa mais maluca que ele já viu em toda a sua vida. O que aconteceria com
Pontes? Como ele podia esquecer o amigo? Roberto também se levantou e saiu. Viu
o carro da esposa parado em frente ao bar e decidiu voltar com ela para a casa.
Ângela tinha sido bem enfática de que ele tinha que esquecer de tudo. Será que
conseguiria? Ele não sabia. O sorriso dela ao vê-lo entrar no carro, porém, fez
com que por uma fração de segundo esquecesse mesmo de tudo. Quem sabe com o
tempo ele não esquecesse realmente de tudo?