A Garganta da Serpente
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A Continuação da Vida

(Jussara Fagundes)

O Universo possui muito mais do que podemos ver e sentir.

Nossa história tem início no século XVIII nos arredores da cidade de Borgogne na França. Como era hábito à época, os casamentos entre os nobres eram arrumados pelos pais. Logo após seu nascimento a pequena Anne, herdeira dos Borignhon foi prometida em casamento ao Conde de Constielle. Quando completou treze anos realizaram-se as bodas.

No castelo dos Borignhon os empregados trabalhavam rápidos para estar tudo perfeito. Flores espalhadas por todas as peças, cristais, porcelanas e pratarias limpíssimas deixavam o ambiente com um encanto mágico. O sol adentrava pelas janelas do castelo contribuindo para dar mais colorido aos vitrais. Na cozinha, a loucura era total, afinal, era a união de duas famílias importantes. Os Borignhon começaram a receber convidados antes das bodas.

A alcova nupcial, preparada para receber o casal, estava perfeita. Os mais ricos lençóis, tapeçarias e flores mostravam a importância do momento. Delicada camisola de fina cambraia e rendas esperava pela jovem Anne. A capela do Castelo estava magnífica, guirlandas de delicados miosótis adornavam a nave. O capelão já se achava em seu lugar. O noivo, homem maduro, com seus 40 anos, não cabia em si de tanta felicidade. Acordes de violino dão inicio á entrada da noiva, conduzida ao altar por seu pai. Ela mais parecia um anjo, um jovem anjo!

Seu vestido bordado com pedras preciosas refletiam brilho e bom gosto. Da mesma forma que seu rosto de menina refletia uma palidez intensa. Em sua alma, sentimentos contraditórios se debatiam: obedecer ao pai, o futuro marido com muita idade, a responsabilidade que estava para assumir deixando para trás todos os seus sonhos e brincadeiras de menina. Sairia da capela como a Condessa de Constielle. Seu novo lar, sua casa era distante dos seus e de tudo que conhecia. Realizada as bodas o castelo abre-se em festa, com pujança e alegria.

Dois dias após o enlace, os condes de Contielle seguem á Paris e de lá para seu castelo nos arredores de Lion. Transcorreram-se os anos.

Encontramos a Condessa Anne de Contielle na pujança de seus 28 anos. Mantinha o hábito em levantar-se muito cedo, fazer rápido desjejum, vestir-se para cavalgar e visitar suas terras, não sem antes abraçar e beijar seus três filhos. A razão de sua vida. A sua alegria. Sem ter consciência, de que estaria vivendo um dia especial, seguiu sua rotina. O cavalo predileto já esperava encilhado, pronto para a sua cavalgada. Segurando o animal estava o novo cavalheriço: Andrés.

Andrés havia nascido na região e ao atingir 12 anos, foi viver na companhia de um tio que o levou conhecer a Europa toda. Tendo assim adquirido relativa cultura. Havia sido contratado já há alguns meses, mas era a primeira vez que servia diretamente a condessa. Jovem, alto, bonito, olhar profundo, de riso solto mostrando dentes perfeitos. Com delicadeza auxiliou a patroa a montar que saiu em veloz cavalgada. A partir desta data, Andrés estava todo o dia a trazer o belo corcel negro para a Condessa Anne. Andrés acompanhava com verdadeira adoração todos os movimentos da sua senhora. Com delicadeza, desenvolveu o hábito de aguardar o seu retorno com a flor mais bela que achasse nos jardins do palácio. Foi naturalmente que nasceu entre os dois jovens a amizade e daí para o amor foi espontâneo. Ambos corretos de caráter, nunca demonstravam o que se passava em suas almas.

Uma manhã, quando se preparava para cavalgar. Andrés desaconselha a sua linda senhora a sair. O tempo estava nublado, ventos começavam a acoitar a vegetação avisando que logo cairia forte chuva. Inconsequente a condessa saiu assim mesmo para a sua cavalgada dizendo que seria breve. Não iria correr riscos. Grande tempestade a alcançou já retornando para o castelo. Encontrou abrigo em uma antiga cabana de caçadores. Tremia de frio e medo. Já havia perdido a noção do tempo que ali estava quando a porta se abriu e Andrés aparece para ajudá-la. O céu desabava em violenta chuva, acompanhada por raios e trovões.

Impedido de sair do lugar seguro, Andrés acendeu um velho fogão para aquecer o ambiente. O frio se tornava mais forte e a tempestade mais violenta. Um raio caiu ao lado da pequena cabana, assustando ainda mais a condessa, que Instintivamente correu para os braços de Andrés, buscando proteção.

Não mais controlava suas emoções, o pranto sentido e abundante rompeu a barreira social. Com delicadeza Andrés acariciava os cabelos da sua amada que estava aconchegada em seu peito. Não mais conseguiu conter-se, beijava seus cabelos, sua face. O amor se concretizou em toda a sua plenitude. A entrega foi total. Exaustos adormeceram abraçados. O dia rompeu a noite e a tempestade.

São acordados pelo Conde de Constielle, que desesperado buscava a esposa. Qual não foi o choque ao vê-la dormindo nos braços do cavalariço. A descoberta o cegou completamente, com desatinada violência, partiu ao ataque homicida, contra os dois. Sua honra estava maculada. Sua amada o traíra. Teria que ser lavada pelo sangue da adultera e de seu amante. Saca da pistola para matá-los, Andrés, jovem e rápido, atira antes. O Conde recebe um tiro mortal, caindo ali mesmo sem vida. Os jovens amantes só têm uma saída...Fugir! E assim o fazem. Assumem nova identidade em outro país longe o suficiente da França, apesar de muito se amarem, não conseguem ser felizes. A morte do conde, o abandono dos filhos deixa a atual Marie doente. Andrés faz tudo para que a sua amada sinta-se mais confortável.

Cinco anos após a fuga, envelhecida precocemente pelo remorso, tísica, a condessa Anne de Costielle fecha os olhos para o mundo e é enterrada com uma lápide simples, onde dizia: Marie...Meu amor...Descanse em paz. Ainda nos encontraremos seja no céu ou no inferno. O tempo.... O que se passou depois disso desconhecemos.

Estamos agora em pleno século XX. A partir de agora os nomes passaram a serem fictícios para preservar a identidade dos envolvidos, por ser esse o relato de uma história real. Dezembro de 1970. José e Sara contraem núpcias. A segunda gravidez de Sara é tumultuada. Detectado o vírus da toxicoplasmose, o obstetra que acompanha a gravidez indica um aborto ao quarto mês de gestação. Desafiando todos e a própria medicina, Sara nem questiona e tem seu filho. Junho de 1972 vem ao mundo uma menina linda e perfeita. Contradizendo todos os prognósticos médicos. Recebe o nome de Ana. Ela é o símbolo de luta e amor de Sara.

Já na sua primeira semana de vida, Ana demonstra ser uma criança diferente. Não aceitava ser amamentada, várias doenças infantis foram se apresentando. Aos três anos, era atormentada pelo que descrevia ser o "tio ruim". Suas poucas horas de sono eram turbulentas, a noite necessitava estar junto da mãe e ainda com a luz acesa. Tinha muito medo do "tio ruim" Ana, demonstrava uma sensibilidade maior que as outras crianças da sua idade. A fase do "tio ruim" passou. Quando entra na adolescência, novos problemas ligados à espiritualidade aparecem. Tamanha a intensidade que problemas físicos se apresentaram: ovários policísticos, hemorragias intensas, anemia, fortes dores de cabeça. Médicos de todas as especialidades eram consultados, vários exames foram feitos sem resultado. Mãe e filha buscam desesperadamente uma solução. Era o inicio do calvário de Ana.

Desabrocha uma paranormalidade tão violenta que entidades de outro plano, não a deixam em paz;atormentam seus dias e suas noites. Uma amiga da família, ligada ao médium Divaldo Perreira Franco, se envolve diagnosticando um processo obsessivo. Todos se unem para ajudar Ana. Indicado um Centro Espírita em sua cidade para que mãe e filha pudessem frequentar, onde receberiam passes e preces como complemento do tratamento espiritual iniciado em Minas Gerais. Avisadas que seria um tratamento longo, pois a atual Ana, havia contraído serias dividas no passado. Passam então a fazer regularmente o Culto no Lar e a frequentar um centro espírita para ligarem-se com espíritos superiores e com o Alto através de preces. Das reuniões abertas para o público, às reuniões fechadas de desobsessão, anos se passaram. Até que em uma dessas reuniões, apresentou-se um senhor desencarnado. Repleto de rancor e com muita violência, cobrava a traição que havia sofrido como marido e o seu assassinato. Esbravejava, agredia, destilava ódio. Com o carinho com o qual foi recebido e a menina ali, ao seu lado. Seu aparente ódio é desmistificado e demonstra todo o amor e magoa que ainda sentia pela qual ainda considerava sua esposa. Conta então a história pela qual estavam unidos.

Ele, o Conde de Costielle, amava perdidamente a esposa e não sabia demonstrar. Ela, sentindo-se só ,acabou apaixonando-se pelo então cavalariço de seu castelo. Pegos em flagrante pelo marido, o cavalariço para proteger a sua amada, acaba tirando a vida do Conde. O casal foge para outras paragens e no anonimato recomeçam as vidas .Não conseguem ter filhos e a consciência cobrando o crime cometido não lhes dá paz. Séculos se passaram e o Conde sempre procurando pelos dois, tanto na terra como no astral. Até que a encontra no ventre materno para nova reencarnação. Ficou esperando para cobrar que acreditava ser seu direito. Secular tempo foi necessário, para que o casal de ontem, pudesse ter o salutar reencontro e conversa restauradora. Entre lágrimas o Conde a perdoa e aceita ser recebido então como filho da mulher amada A antiga Condessa reencontra o cavalariço e hoje, casada com ele, o seu grande amor, e após vários tratamentos para a fertilidade , conseguem receber o Conde Borignhon como o filho .. A vida deu-lhes a chance de dar a vida de quem haviam tirado.

A predileção do filho é pela mãe é notória, a delicadeza com que a acaricia é comovente. Nada foge ao curso da natureza, da lei de causa e efeito.

É maravilhoso ver a perfeição da continuidade da vida, das nossas migrações de corpos para reestruturar os erros e desatinos do passado, mesmo quando o ignoramos. A vida continua.

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