Morar em casa térrea nesta cidade é uma temeridade. Primeiro,
há o caso dos ladrões; educados pela lei da selva e acostumados
a chupar prego, não há grade que os segure. Depois, há
o caso das inundações, com tudo que elas trazem junto: perfumes,
vírus, insetos, bichos. Bichos, sim senhor; pois, que eu saiba, ratos
ainda são bichos. E assim como se diz que os ratos são os primeiros
a abandonar o navio, mais que certo é que são os primeiros a abandonar
os esgotos. Os terrestres - os que moram no térreo, precisava explicar?
- que se cuidem.
Todo cuidado é pouco, provo e comprovo. Pois ratos não são
os maiores portadores de doenças? Garantido. Mas se todo mal fosse esse,
dava-se um jeito; não que seja fácil, mas é aquela velha
história: o que os olhos não veem, o coração
não sente.
Então há mais? O que de mais grave o rato pode trazer além
de doença? Não, não digo que seja mais grave; no entanto,
o bicho pode trazer o pânico total. Há o pânico das epidemias,
endemias, pandemias; assim, mal surgiram notícias de cólera na
região, ouvi alguém prevenindo alguém: "Olha. Os jornais
sempre exageram, mas as autoridades também sempre escondem as coisas.
E agora, em que se basear? Nos ratos. Fica atento nos ratos. Quando começarem
a surgir ratos mortos, então a coisa está preta. Foi assim em
todas as pestes."
E há o pânico individual, tipo aquele do Euclides. Vou contar
a história, como ele mesmo me contou.
O Euclides estava lá na sala, muito do folgado, refesteladão
na poltrona lendo o seu jornal, quando a mulher chamou:
- Euclides! Pelo amor de Deus! Corre aqui, corre!
Ele piscou devagar, pensando se largava o jornal na sala ou ia com ele para
a cozinha, resmungando lá com os seus botões que a mulher só
enchia fazendo tempestade num copo d'água. Então, já com
a voz do desespero, ela berrou de novo:
- Vem logo! Ai!!! Acuda!!! Vem duma vez! Não, espera. Pega o revólver!
Ai, eu morro!
Aí o Euclides desembestou para a cozinha:
- Que é, Luísa? Que é?
Ela mostrou a porta; ele não viu nada. Ela queria falar; a voz não
saía. Fez um esforço e, mal articulando as sílabas, mostrou
o rato lá adiante, sussurrando:
- No ralo... Um rato... Um rato...
Ele não ligou:
- Pô. Um rato!
- Você já viu um rato daquele tamanho? - ela disse.
Então ele viu. Uma ratazana! Do tamanho dum gato, dum gato bem grande,
ele conta. Também conta que ainda tentou brincar:
- Olha o focinho dele. Está fazendo fusquinha pra gente.
- O que nós vamos fazer? - a Luísa perguntou, toda preocupada.
- Eu mato ele. Me dá a vassoura aí - o Euclides disse.
- Não. Toma cuidado! Diz que esses ratos avançam na gente - a
Luísa preveniu.
Vai, não vai, pega o revólver, não pega, uma rápida
discussão que o Euclides interrompeu resolvido a não deixar o
rato fugir. Pegou a vassoura e avançou no rato, e o rato avançou
nele. A mulher deu um grito e avançou nele também - grudou no
pescoço do marido. O coitado, atacado pelo rato e pela mulher, caiu no
chão. Para se levantar, teve de levantar a mulher junto. Cadê o
rato? O Euclides nem teve tempo de pensar nisso e deu o maior grito da história.
O rato estava dentro das suas calças.
- Me larga, Luísa! Me larga! Esse rato me mata! Sai de cima de mim,
seu...
Acho que nem teve tempo de soltar o palavrão, nem de falar tanto; xingou
depois, isso eu garanto. No momento, bateu a mulher na porta, esfregou, empurrou,
conseguiu jogar fora. A tempo de segurar o rato que subia pela perna esquerda
de sua calça larga. Felizmente não bastante larga para caber tão
grande rato. Um monstro! Mostrou-me a perna toda enfaixada; disse que estava
coberta de feridas. O monstro morreu estrangulado, concluiu. E sentenciou:
- Isso é o que se chama pânico. Pânico mortal.