Domingo na roça é o melhor dia da semana, o mais esperado por
todos que nela vivem. Começa cedo, mas não como os outros dias
da semana, quando antes de o sol raiar todos já estão de pé,
prontos para o trabalho. Só quem não tem o privilégio de
tirar uma soneca a mais é o retireiro. Este, coitado, tem de levantar
cedo mesmo aos domingos, porque o leite das vacas - sustento da fazen- da -
tem de ser tirado de qualquer jeito, faça sol, faça chuva.
O café da manhã, como todos os outros dias, é servido com
fartura; tem queijo fresco, goiabada cascão, bolo de fubá e, claro,
leite e café à vontade - pairando no ar o aroma gostoso de café
puro, encorpado e forte, fei- to na hora. Todos dão um jeitinho de ficar
em volta do fogão à lenha, seja só pra esquentar as mãos,
seja pra ver o tição vermelho pegando fogo e de vez em quando
estalando.
A passarada canta nas árvores sem parar, as galinhas passeiam no terreiro
à espera do milho debulhado que o Joãozinho, filho do Seu Valter,
colono da fazenda, trata logo de jogar. Elas fazem uma festa, como se fosse
da primeira vez, e abrem uma cantarola sem tamanho. As vacas no curral, mugindo
e ruminando, encantam-se com o reencontro com seus bezerros esfomeados que mamam
o que restou de leite nas tetas já quase exauridas.
O Zizito, retireiro tarimbado, vai aos poucos enchendo o latão de 50
litros que logo, logo, na hora marcada, vai ser levado para a cidade pelo caminhão
que passa pela fazenda. A Jandira, cozinheira e filha de escravos, começa
os preparativos para o almoço, que na roça é sempre cedo,
mesmo aos domingos não passa do meio-dia. Ela pede para o Seu Vito, o
capataz da fazenda, arrumar uns frangos, porque hoje é domingo e vai
ter almoço especial com macarronada. Seu Vito, sem perder tempo, passa
a mão em meia dúzia deles e vai degolando um a um. Jandira já
tem água fervendo num tacho de cobre enorme, o qual será usado
para depenar todos de uma vez. As crianças brincam no terreiro de café,
como se lá fosse um grande playground. Brincam de pega-pega, de cavalo-de-pau,
jogam bolinhas de gude. De longe dá para ouvir a gritaria, os risos e
os choros.
As vacas já começam a ser apartadas de seus bezerros. Vão
saindo do curral de mansinho e vão subindo na trilha que leva à
invernada ao pé da serra. E lá vão ficar o dia inteiro
comendo o capim das pastagens, verde no outono e amarelado no inverno.
Na cozinha, os trabalhos são intensos: a Dona Marta, mulher do Seu Vito,
vai cuidando de tudo. Recebe ajuda de todas as mulheres que vivem na fazenda:
é a Dona Izilda, mulher do Seu Valter, a Dona Maria, mulher do Seu Tião,
até a filha da Dona Rosa, mulher do Zizito, ainda menina-moça,
ajuda também, descascando mandioca pra ser servida com costela de boi
cozida. Na varanda, a prosa corre solta. Os homens, sentados em volta da grande
mesa feita de pau-ferro, vão bebericando cachaça pura feita no
engenho do Seu Fortunato, que fica a uma légua da fazenda. O carteado
de truco não pára e os gritos fortes podem ser ouvidos de longe.
Quem não está jogando aproveita para fazer um cigarro de palha
e contar uma história comprida. A cachorrada fica toda em volta da casa,
com brincadeiras e latidos sem parar.
A filha do Zizito, a Zoraide, vai até a varanda avisar que o almoço
já vai ser servido. O carteado logo termina, a mesa é arrumada
e o almoço de fartura é servido. Todos comem à vontade
e saboreiam a comida da Jandira que, modéstia à parte, não
se vê, ou melhor, não se come em qualquer lugar.
O sol já está bem alto, o calor traz aquela preguiça gostosa
e cada um vai se ajeitando num canto para tirar um cochilo gostoso. Um vai logo
se deitando na rede pendurada no mourão da varanda, outro busca uma sombra
debaixo da mangueira e por lá vai ficando. O Seu Valter adora laranjas,
vai até o pé carregadinho, tira o canivete de estimação
do bolso, apanha quase uma dúzia e descasca uma a uma, pendurando as
cascas no varal para secar. Ele consegue tirá-las inteirinhas, ficando
todas encaracoladas, inteiriças, sem cortes. Conta o Seu Valter que elas,
depois de secas, servirão para fazer chá à noite. Ele diz
ainda que é muito bom para gripe, pois já faz muito tempo que
toma chá de casca de laranja, adoçado com mel, quase todas as
noites e, por isso, não se lembra de quando ficou gripado da última
vez. A Dona Izilda, de lá de dentro da cozinha, não deixa Seu
Valter sozinho na história do chá e afirma que o chá de
casca de laranja com mel já salvou a vida dela quando estava com uma
gripe forte e foi preciso ir até a cidade para uma consulta com o Dr...,
cujo nome já não se lembra mais.
Na cozinha, as mulheres vão terminando os serviços e não
se esquecem de deixar tudo limpinho. Capricham na limpeza e no trato com as
panelas, as quais recebem do lado de fora uma mão de cinza, diluída
em água. Esta tintura é usada para não queimar as panelas,
quando levadas novamente ao fogo do fogão à lenha.
A tarde vem chegando e quase todos resolvem ir até a fazenda dos Pimentas,
pois todo domingo lá tem futebol. Seu Vito enche o caminhão de
"jogadores", mulheres e crianças. Os jogadores são os
próprios peões e colonos das fazendas da região. Os visitantes
às vezes vêm da cidade, às vezes vêm de outras fazendas
mais distantes. E a bola corre solta, o jogo é disputadíssimo,
ninguém quer perder e voltar para casa sendo caçoado.
Seu Valter prefere ir até o córrego que passa no fundo da fazenda,
com um caniço na mão, uma lata de minhocas e algumas laranjas
no embornal. É lá que ele gosta de passar as tardes de domingo.
Seu filho Joãozinho, menino de 9 anos, sempre vai com ele, pois sabe
que a pescaria é sempre boa; quando não, pelo menos eles voltam
com um "bagrão" que dá gosto só de olhar. Mas
o que ele gosta mesmo é dos lambaris, porque quando a água está
limpa ficam pulando na flor d'água, comendo a "quirela" que
Seu Valter não se esquece de levar. É uma festa, não dá
nem para contar quantos que ele pega.
O sol já se vai escondendo atrás da serra e a hora de voltar para
casa é chegada. Amanhã é dia de trabalho duro. Mais um
domingo se foi na fazenda dos meus sonhos, onde quiçá um dia viverei
feliz como nunca.