11 horas. Voltava da universidade apressada. Passava pela travessa do tranco,
um lugar do mal, de um lado labirintos de casas apinhadas umas em cima das outras,
do outro, uma pequena floresta. Nunca em minha vida havia entrado nela, nem
passado por ali durante a noite que não fosse de lotação.
O medo tomava conta do meu corpo. Já havia perdido o ônibus, não
queria perder a vida. Dinheiro para pegar um táxi eu não tinha,
pois, o que ganhava em meu humilde emprego, como estagiária em um laboratório
de línguas, não dava nem para pagar meu curso.
Algumas pessoas estavam paradas no lado direito da rua, o lado em que eu estava.
Pensei em manter a calma e não mudar a direção, afinal,
minha casa estava próxima. Se eu mantivesse meus passos em linha reta,
iria passar bem entre aquelas pessoas, iria ser medonho e arriscado, porém,
mostraria segurança, não queria que soubessem que eu tinha medo
deles, como se isto não estivesse estampado em minha expressão
facial.
Quando estava bem perto, um deles me parou pegando em meu braço e disse:
- Hei garota, corajosa você... Ninguém nunca ousa "passá"
por "nóis" aqui, andando, essa hora!
Mais que depressa o encarei nos olhos, respondi dizendo que havia perdido minha
condução e que não tinha comigo dinheiro nem nada que fosse
de valor. Ele examinou-me por um tempo e falou:
- Não "to" te segurando pra pegar os seus "dólar"
não, esses que "a gente" sabemos que tu ganha no teu estágio
de "universidades".
Tinha as mãos enormes e me apertava o braço cada vez mais forte,
suas feições eram apavorantes, grandes e podres dentes pulavam
para fora e para dentro da boca cicatrizada com um corte na vertical, o nariz
estava sujo, bem como o resto todo.
Logo se aproximaram mais dois homens. De dentro do ônibus nunca havia
eu reparado como eles eram feios. Todos tinham, além da aparência
horrível, a orelha esquerda cortada, faltava-lhes um pedaço dela,
todos o mesmo pedaço, do mesmo tamanho. Mas isso era só uma das
coisas que me colocavam medo naquele momento, haviam outras, como por exemplo,
como ele sabia no que eu trabalhava?
- A gente "queremos" outra coisa sua... - disse um velho, que quando
chegou por trás fez de susto, com que aquele brutamonte me largasse o
braço.
- O braço da garota seu imbecil, não o solte.
A que maravilha, estava agora sendo agarrada não por um brutamonte, mas
sim por dois.
- Vamos levá-la até a focxa! - dizia o velho me apavorando
só um pouco mais. Onde ficava essa tal focxa? O que seria isso?
Puseram-me um capuz na cabeça e me arrastaram pelo mato à dentro.
Ficaram sem falar o tempo todo, mas andavam tão rápido que chegavam
a quebrar o silêncio da noite na floresta. Minhas pernas nem conseguiam
acompanhar direito. O que aquele velho queria comigo? Seria eu a sua refeição?
Naquela hora, eu já não era mais a mesma, o medo tomara conta
de mim, nem raciocinar direito conseguia.
No chã o parecia haver fogo, pois minhas pernas ardiam em uma sensação
muito estranha. De repente paramos, ouvi um barulho de chave roçando
uma velha e enferrujada fechadura. Entramos em um casebre e seguimos tropeçando
no escuro. Uma daquelas mãos me abaixou, aproveitei o momento de descuido
de um deles e soltei meu braço, queria ter certeza de uma coisa, e tive.
Estávamos agachados para evitar bater com a cabeça no teto. A
mão outra vez me abaixou, agora ficávamos de joelhos.
Então, novamente ouvi o barulho de uma chave roçando uma fechadura,
porém agora, ela ficava no chão. Pelo pouco que conseguia ver,
ainda estávamos no escuro, mas o velho que liderava tudo tinha em mãos
uma pequena tocha.
Uma espécie de alçapão foi aberto, e começamos a
descer por velhas escadas de madeira. O cara que pegava em meu braço
com mais força, contava todos os degraus. A escada rangia, tremia, parecia
que a qualquer momento iríamos cair, mas não caíamos, e
continuávamos a descer.
312, 420, 680. Definitivamente aquele idiota não sabia contar. Já
fazia algum tempo que estávamos descendo, minhas pernas quase nem podiam
aguentar meu corpo. 578, 214, 815. Porque ninguém o mandava calar
a boca? A tocha do velho de repente se apagou, as escadas acabaram e o capuz
de minha cabeça foi retirado. Não dava para enxergar nada. O velho
bateu uma vez as mãos e as luzes se ligaram. Bateu novamente e uma varinha
voou em sua direção. Os caras me soltaram, ingênua, tentei
fugir correndo pelas escadas.
- Parestum Momentum!
Fui parada por uma força estranha, uma força que me prendia ali,
no terceiro degrau. Só então pude ver o quanto aquela escada era
perigosa, não estava encostada em parede nenhuma e pouquíssimos
pilares a sustentavam no chão.
Com a varinha o velho me fez sentar em uma cadeira preta, de ferro. Os dois
brutamontes trouxeram até ali uma cama de casal, com lençóis
brancos rendados, estavam limpos. Minha mente mandava ordens ao meu corpo, mas
ele não obedecia. Levantei-me da cadeira e fui em direção
a cama, deitei-me e abri a camisa. Eu estava na focxa.
Que música linda, pensei. Uma doce música tocava, era de uma orchestra
americana, eu a conhecia e também a apreciava muito. Estava sendo reproduzida
por um antigo toca-discos, o qual o som era inegável.
Os homens ficaram em silêncio e, virados de frente para o fundo do lugar,
ajoelharam-se no chão. Eu era agora dona dos meus próprios movimentos.
Sentei-me na cama e pus-me a olhá-los, estavam tratando-me como sua súdita.
Lentos movimentos por eles eram feitos, movimentos de saudação,
adoração, sei lá.
Uma língua estranha era o que estavam falando, parecia latim. Percebi
que enquanto falavam olhavam para além de mim, como se eu estivesse invisível,
olhei para trás para ver se via algo, mas não vi nada. O homem
grandalhão, que antes segurou meu braço com força, ainda
contava aqueles malditos números, ele era o único que parecia
estar desconcentrado, olhando para as escadas que o hipnotizavam, até
que, ele se concentrou. Olhei para trás novamente. Não podia ser,
se até aquele idiota estava olhando para lá agora, é porque
deveria ter alguma coisa, ou alguém que eu não estivesse vendo.
A música confundia meus pensamentos. Uma mulher então apareceu,
veio até mim, deitou-me na cama e começou a passar as mãos
em meus braços. Eu via apenas vultos. Os brutamontes davam muitas risadas,
juntavam as mãos e depois as afastavam, como se estivessem agradecendo
a Deus por alguma graça recebida. A mulher então, de repente,
cravou suas unhas em meus ombros, a dor foi daquelas imutáveis, o sangue
escorria, então apaguei.
Acordei ali, haviam algumas agulhas cravadas em minha cabeça, o sangue
em meu corpo estava seco, eu estava sozinha. Por mais que eu quisesse que aquilo
tudo fosse um sonho, não era, a dor em meu corpo era bem real, tudo,
por mais que não parecesse, era real.
Levantei-me, arranquei as agulhas com cuidado e depois pensei em subir pela
escada, mas não podia, estava fraca. Olhei para o lugar de onde aquela
mulher surgiu, havia uma luz que piscava, como se alguém a tivesse batido
para que desligasse, porém, a pressa não deixou que terminasse
o que havia começado.
Deveria haver uma saída por ali, tipo uma porta dos fundos.
Me dirigi até lá para ver no que ia dar, e já estava andando
a um bom tempo, pela lógica, para sair eu deveria estar subindo, mas
pelo contrário eu estava era descendo mais ainda. As paredes agora eram
de barro, barro úmido, barro vermelho.
A água, que escorria dentro daquela "fortaleza", ia se esgotando
conforme eu andava por aquele corredor, mas nem liguei, achei até relaxante,
não aguentava mais aquele barulhinho das gotas caindo no chão
ou molhando meu pescoço. Havia uma luz no fim daquele túnel, por
mais que as escadas funcionassem como uma possibilidade de escapar dali, a origem
da luz chamava-me mais atenção.
Duas adagas eram tudo o que eu tinha. Depois de sair da fortaleza, me dei com
um deserto, deserto este, que ia muito além de mim. Não dava para
calcular o que eu teria de fazer ali, porém, sabia que algo me esperava.
Minha cabeça não parava de questionar o que teriam eles feito
comigo naquele inferno de lugar. O inferno era aqui ou lá? Um tempo andando
e encontrei uma chave, estava ao meu alcance, abaixei-me para juntá-la.
Uma chave como aquela eu nunca havia visto, estava presa em uma corrente preta
e tinha os números 312, 420 e 680 gravados nela. Coloquei-a em meu pescoço
e segui em frente.
Estava sem noção nenhuma de tempo, quando fui pega por aqueles
caras na rua, era noite, ali já era dia, mas não posso questionar
muito isso, pois não sei por quanto tempo dormi. Lembro-me apenas de
acordar e já estar vestindo outras roupas. As adagas estavam ao meu lado
e, infelizmente, a luz que tanto me tentou não era a de uma solução
e sim, o início da minha indagação maior.
Já longe da fortaleza, seria lá a morada daquela gente estranha?
A sede fazia-me lembrar, com saudade, das paredes grotantes que eu tanto desprezei.
Com um pouco mais de caminhada, avistei uma bandeira vermelha, naquele instante
fixei um destino.
A bandeira estava em cima de um dos morros de areia, que subi com sufoco uma
vez que o calor dificultava tudo por ali. Quando cheguei ao topo, à vista,
uma cidade inteira deserta, abandonada, enterrada na areia. Desci até
o nível das casas, parei e observei, apenas observei. Enfim então,
conclui; acabava de ganhar mais duvidas, quando tudo o que eu queria, era ter
encontrado apenas respostas.
Assombrado
Mais alto, mais alto
Vozes em minha cabeça soam cada vez mais alto
Suspiros provocados, todas as coisas que você disse
Os dias passam mais rápido e ainda estou
Preso no momento em que quero você aqui
Tempo
No piscar dos olhos
Você segurou minha mão, me segurou firme
Agora você se foi e ainda estou
Chocado, quebrado
Estou morrendo por dentro
Onde está você?
Eu preciso de você
Não me deixe aqui sozinho
Fale comigo, esteja do meu lado
Eu não consigo sobreviver
A menos que eu saiba que você está comigo
As sombras permanecem somente a meu ver
Te vejo, te sinto, não saia do meu lado
Isso não foi correto
Justo quando encontrei meu mundo
Eles te levaram, eles te quebraram
Eles tiraram seu coração
Eu sinto sua falta, você me machucou
Você foi embora com o meu sorriso
Mal-entendida, sua tristeza
Estava escondida dentro de você
Agora tudo o que restou
São as peças para encontrar
O mistério que você guardava
A alma por de trás da capa
Por que você se foi?
As perguntas passam por minha cabeça
Quisera eu não poder sentir nada
Deixe-me ficar dormente
Já que estou começando a cair
Onde está você?
Você estava sorrindo.