Era uma terça-feira, dia 1º de abril 2003, o casal dentro do carro,
conversando, ao procurar um isqueiro o namorado nota, na bolsa de sua tão
querida namorada, um objeto, a princípio muito simples, mas que seria
o pontapé inicial dessa saga interminável.
Digo interminável psicologicamente, porém, para manter a fidelidade
ao tempo decorrido, registro que tal fato durou somente 5 dias, cinco enormes
dias, dos quais serão relatados aqui apenas quatro. Retornemos, então,
ao objeto encontrado na bolsa pelo namorado. Não era foto de homem, não
era bilhetinho rabiscado com número de telefone suspeito e nomes identificadores
como "A", "B" ou quaisquer outras letras do alfabeto utilizadas
para evitar perguntas indiscretas e suposições indesejáveis,
não era nada disso, o objeto era um mero, um simples, um cotidiano e
mais do que comum absorvente. É, tudo começou com um simples absorvente.
Ao notar que aquele objeto tão solitário jazia na bolsa de sua
namorada, local onde não encontra utilidade alguma para si mesmo e calculando,
meio por alto, que já era tempo de a natureza manifestar-se, num atestado
rouge, sobre a inexistência de formação de uma nova vida,
ele indagou, timidamente, primeiro a si mesmo e somente depois, à sua
namorada o que significava a presença daquele objeto ali, dentro da bolsa
dela. Seria um reserva? Pensou, mesmo sabendo ser esse um pensamento ignorante,
mas não deixou de pensa-lo em nome da esperança. Os homens não
entendem tanto quanto gostariam sobre certos fenômenos que foram reservados
à parcela privilegiada e feminina da humanidade.
Ao chegar da resposta, notando a expressão de ansiedade e preocupação
no rosto dela, o namorado tornou-se também um pouco preocupado, porém
antes disso, foi preciso perguntá-la mais duas ou três vezes se
aquilo era verdade, por coincidência era 1º de abril, o dia da mentira,
o dia perfeito para ouvir esse tipo de verdade em que não se acredita
nem em dias normais. Era também era um aniversário de namoro.
Não era bem aniversário pois não faziam anos, mas é
bem sabido que antes do primeiro ano, comemoram-se os meses, talvez porque,
na velocidade em que tudo começa e se acaba hoje em dia, tem-se medo
de esperar o 1º ano e acabar se rendendo pelo meio do caminho e no fim
não se ter comemorado nada.
Confirmações proferidas, ele tenta se adaptar àquela nova
dimensão, àquela inacreditável chance de que, mais uma
vez na história, a natureza tenha superado o homem e toda sua tecnologia,
motivo de tanto orgulho. É fato que a natureza pode ser estudada e, em
partes, explicada, porém nunca duvide da sua capacidade natural de cumprir
os fins para os quais Deus a criou. E foi assim, nem ele e nem ela duvidaram
totalmente daquela possibilidade que se apresentava.
Cada um, dentro de suas possibilidades e características pessoais, começou,
desde então, a traçar hipóteses, a simular situações,
a tentar se convencer do contrário, mas a inquietação e
a ansiedade eram inevitáveis. Ambos perderam algumas horas de sono nessa
primeira noite tentando digerir a nova situação apresentada a
eles, situação que nem sequer bateu à porta ou pediu licença
para entrar, como se fosse, essa situação, aquela pessoa "mais
importante" para quem as portas estão sempre abertas e para a qual
dispensam-se apresentações pois a sua figura fala por si mesma.
Assim foi o dia 1 da saga.
Nasceu um novo dia e com ele parece que tudo anda nascendo, é bicho nascendo,
é gente nascendo, é propaganda de bebê, ver criança
de colo na rua tornou-se um martírio, a criança poderia até
ser bonitinha que a ansiedade não estava nem aí. Ainda que se
tratasse de uma mera possibilidade, a capacidade humana de fantasiar e de autofragilização
não faz feio em horas como essa.
Cai a noite do dia 2, o casal, diga-se de passagem que eram e ainda são
universitários, se encontra na Universidade. Depois de terem trabalhado
o que manda a sina de cada um, encontram-se novamente naquele ponto comum, comum
como um absorvente, mas que já não era tão comum assim
visto de dentro da bolha daquela nova situação. Decidiram que
a aula não seria o melhor programa, ficar ouvindo professor como música
de fundo para pensamentos insistentes e preocupantes, definitivamente, não
era a melhor pedida. Resolveram conversar, conversar o quê? Conversar
tudo, conversar qualquer coisa, tentar se entender, tentar se acalmar mutuamente.
Aquela situação tão séria era muita novidade para
um casal tão brincalhão e divertido.
Conversaram, não muito, mas o bastante e de certa forma se entenderam,
por não ter muito o quê prometer, nem pela facilidade do problema
que por sinal não era pequeno, e nem por ter muito em que se agarrar,
para não serem levados por uma tempestade que ameaçava chegar,
prometeram o que poderiam naquele momento, prometeram que não seria essa
situação hipotética, em caso de confirmação,
que os separaria tão rapidamente, prometeram implicitamente que dariam
o melhor de si um ao outro para enfrentar seja lá o que fosse que se
apresentasse. Não assistiram nenhuma aula completa nesse dia, o clima
não estava para o exercício das atividades inerentes a todo estudante
universitário quando não se está matando aula no barzinho
da esquina.
Deu-se início ao dia 3, não esquecendo de mencionar que a noite
do dia 2 também não foi a melhor "dormida" da vida deles,
cada um na sua casa, com sua família, com seus problemas pessoais e uma
dúvida em comum, será que é gravidez? Como poderia a natureza
ter sido tão astuta num momento tão inesperado? Mas os dias iam
passando, o tal manifesto da natureza não chegava por nada nesse mundo,
menstruação pode até ser desagradável para a maioria
das moças, na maioria das vezes, mas naquele momento o tal fenômeno
estava sendo mais desejado do que nunca pela namorada de nosso texto, pelo menos
é o que pensa esse autor que, diga-se de passagem, não tira a
razão presente nesse desejo. Isso é papo muito sério para
surgir assim, como um oásis no deserto às avessas.
O dia três não foi palco de muita conversa sobre esse assunto,
até porque a necessidade do momento era de fatos e de ação,
de saber do sim e do não e das atitudes que deveriam ser tomadas em caso
de um ou de outro. Tomaram uma decisão, fariam um exame, tomariam uma
atitude rápida, não poderiam mais ficar sustentando tantas hipóteses,
marcaram o exame para o dia seguinte, uma sexta-feira, aliás, ótimo
dia para se saber se será papai ou mamãe. Deixando de lado a ironia,
pelo menos teriam um sábado e um domingo para pensar, conversar, tentar
achar soluções, dar notícias ou, simplesmente e mais provável,
chorar o leite derramado. Só de falar em leite os coitados se angustiavam.
A tensão aumentou relativamente. A namorada pensava no desgosto do pai
e o namorado, por incrível que pareça, também. É
certo que a família dele ficaria chocada, mas para a mulher é
mais complicado, envolve muito mais sacrifício, é barriga grande,
tem que parar de estudar e trabalhar durante um certo tempo, enfim, não
é nem um pouco fácil.
Nem comentarei a noite do dia 3, não sei ao certo o que se deu nessa
noite. Felizmente, ou não, chegou o dia marcado para o exame, era agora,
naquele dia em especial que aquelas duas pessoas saberiam se estariam unidos
somente por um sentimento muito especial, um amor, uma paixão, um gostar
ou se estariam unidos também, não menos para sempre pois os sentimentos
também marcam, para sempre unidos por um filho e as barra que enfrentariam
tentando dar a esse filho a melhor vida possível, mesmo sendo eles relativamente
jovens.
Haviam combinado que ela ligaria para ele e os dois se encontrariam para o tal
exame. Ele, preocupado com ela e com ele ao mesmo tempo, não resistiu
e ligou primeiro, interrompendo a prova de espanhol dela. Ele ainda pensou,
meio triste, na possibilidade de que ela tivesse que parar com seu curso de
espanhol, com sua faculdade, com sua vida normal devido a um fato a quem não
se poderia atribuir culpa, haveria apenas que existir resignação
e compreensão, uma sensação leve de culpa tomou conta dele,
mas ele não a deixaria perturbá-lo por mais que cinco minutos.
Ela ligou, o encontro foi marcado, não era para tomar um choppinho, nem
para ir ao show do Djavan, era para saber, definitivamente, o que estariam fazendo
daqui para frente, se continuariam a vida normal de casal jovem, feliz e despreocupado
ou se teriam que assumir novas responsabilidades, responsabilidades talvez muitas
pesadas para um casal tão jovem, mas nada que não pudesse ser
vivido. Encontraram-se, definiram o local do exame, juntos, foram desvendar
essa dúvida, colheram sangue, dela é claro, o dele de nada serviria
a não ser de objeto de desejo do sogrão que não ficaria
nada contente com a notícia, caso ela fosse positiva.
Feito o exame é hora de aguardar o resultado, o tempo se arrasta até
a hora marcada para a tão esperada morte daquela dúvida. Pura
ironia, a resposta para uma dúvida tão concreta, pessoal, até
mesmo física, seria virtual, são os dias de hoje, tudo é
virtual, digo, felizmente, quase tudo. Aguardavam o resultado pela internet.
A natureza não vacila quando prega suas peças, naturalmente a
resposta foi quase simultânea, uma competição acirrada entre
natureza e tecnologia, a natureza venceu. Esse era o medo e essa foi a boa notícia
que a tranquilizou, não seria agora que ela teria que exercer o
papel de mãe e nem ele o de pai. Engraçado esse negócio
de ser filho e ser pai ou mãe ao mesmo tempo, é meio que uma coisa
dentro da outra (não pensem besteira que o assunto é sério),
o melhor mesmo é esperar.
Como toda ironia, essa ironia da natureza acabou justamente como começou,
em um absorvente. Ambos ficaram aliviados. Perderam um filho virtual e ganharam
a antiga realidade de volta, a chance de continuar lutando por seus sonhos sem
ter que sonhar por um novo ser, já é difícil sonhar para
si mesmo, ganharam, ambos, a chance de se prepararem melhor para um dia, juntos
ou não, fazerem novamente o tal exame, mas dessa vez torcendo por uma
nova vida, por um filho.
O tal namorado, confesso, meu amigo há muitos anos, deixou escapar a
mim alguns segredos. Agora ele gosta ainda mais dela, uma nova vida não
vai nascer, mas outra coisa nasceu dessa gravidez fictícia, nasceu algo
mais do que real, um sentimento ainda mais forte do que já existia.