A Garganta da Serpente

Hakin

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Um breve delírio sobre o desespero

(Hakin)

Ato I - Entorpecido

Havia algo no real instante do infinito; eu podia notar encostado na janela de meu quarto, contemplando a Lua e a fumaça...

Naquela noite eu entrei na selva; era densa, escura, por muito viva apesar de sombria. Andei por horas desbravando, gruindo, cantando. Cheguei numa aldeia, a primeira, e lá encontrei amigos do nunca. Um cacique antigo me recebeu com as máximas honrarias e disse-me:

-Senhor do destino, aprenda conosco a esquecer o tempo e a sentir o espaço.

Foi-me uma grande surpresa aquelas palavras, logo imaginando o que vinha a ser tempo e espaço para o velho sábio. Veio então o grande manjar, os deuses pareciam o carregar; veio então a fumaça, os deuses já haviam subido aos céus e minhas asas começavam, a nascer. O cacique flutuando me perguntou:

-¿Que te aflige grande amigo?

-A falta da minha irmã -minha imediata resposta.

Ficamos calados por instantes. Tudo estava claro; não via os deuses, apenas o índio mestre levitando, assim como eu, e indicando ao fundo das minhas costas um vulto chegando:

-Sua irmã -sussurrou-me o sábio.

Parecendo vir de muito longe o corpo dela começava a tomar forma; logo a sua face escancarou-me a grande verdade. Aprendi então a esquecer o tempo e a sentir o espaço. Beijei-a com volúpia num enlace de fogo nas nuvens frias; cheguei ao ápice.

Logo aquele espectro, tão real quanto a libido que sentia em toque, foi fraquejando e tudo já era passado. Então comecei a descer, sozinho.

Encontrei o cacique lá embaixo; abraçamo-nos e depois lamentamos juntos as nossas perdas. Sai da selva; o telefone estava tocando; atendi:

-Oi irmão! ¿Te acordei?

Ato II - Três meses depois

Longa espera para os loucos por cada segundo de eternidade. E assim continua o delírio numa outra noite em desespero.

Mas, ¿o que acontecia na sala? Um som insano propagou-se em ondas curtas, separando minha alma...

Voando entrei na caverna que se abriu no chão:

Minutos na escuridão e logo começava a luz a irradiar-me, iniciando num tempo nublado e posteriormente breve numa intensa claridão. Céu azul, praias desertas, ilhas nos Horizontes Perdidos, águas cristalinas e uma colina de rochas me abraçando com a Natureza. Encarei o frio escalando-a até o topo e lá estava um índio junto de seu Xamã; sentei-me ao lado dos dois.

-Já te avistei no âmbito do meu irmão perdido das florestas - falou-me o índio-, és agora a sobra do fim.

¿Como pensar no fim do perdido irmão? ¿Um inimigo desta jornada sem sentido? Deixei meu silêncio. O índio continuou:

-Hoje o dia não é seu, caro amigo; a procura termina em seu inconsciente e tu sabes que isto é perigoso, mas siga-o, é o instinto do fim.

Meu silêncio se perpetuou e nos segundos de purificação o Xamâ iniciou o ritual da elevação das almas. Quebrei meu silêncio repentinamente:

-¿Onde está a minha irmã?

-Tão longe quanto possa imaginar, irmão do fim -respondeu-me o Xamã.

Começamos a voar até as ilhas Visíveis; minha força era tanta que escapava energia negra da minha pele de serpente. Pousamos na ilha Mestre e grandes espíritos começaram a chegar; minha surpresa para quando me apareceu Aurora. O Xamã implicou:

-Tão longe esta sua irmã de ti, irmão do fim, que sua guardiã agora é fumaça.

Então Aurora como que pelo mesmo instante virou névoa, materializando minha irmã em si.

-Oi! -saudou-me minha guardiã com face de irmã.

-Sei que ainda é você Aurora. ¿Onde está a minha irmã?

-Longe, mas sentindo esta energia. Tão longe está sua irmã de ti, que agora todos são fumaça.

E todas as almas tornaram-se minha pseudoirmã, tanto quanto minha guardiã. Fechei os olhos e aquela claridão começava a desaparecer... abri os olhos quando a escuridão tornou-se soberana da realidade; a única luz que vinha, muito fraca, era a da janela do meu quarto; fui até lá e olhei para o jardim iluminado pelas almas que ali rondavam. Todas as almas eram minha "irmã".

Todas as almas

Todas as almas

Todas as almas

Todas as almas

Todas as almas

Todas as almas

Todas as almas.

Ato III - Esperança

Esse ato ainda espera um novo contato de minha irmã. Um contato inevitável que um dai será registrado.

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