Era realmente belíssima, não havendo um único homem que
resistira a seus encantos. Gostava de se ver, pois seu maior gozo era procurar
defeitos e não encontrar sequer uma pequena irregularidade. Já
foi cobiçada por jovens, velhos, solteiros, casados, viúvos, médicos,
advogados, políticos, comunistas, milionários, poetas, músicos...,
recebeu convites até de mulheres. Teve vários amantes, amara tantos
que acabou não amando ninguém. Possuía um corpo análogo
a uma escultura de Bernini, uma pele de cor neve, longos cabelos avermelhados,
como seus grossos lábios, e um rosto de simetria perfeita, onde olhos
marinhos, como céu em dia claro, complementavam sua angelicalidade. Diziam
que nenhum ser humano conseguiria não se apaixonar quando destilava um
sorriso. Também era sabido que muitos suicidaram quando recusara casamento,
o que nunca aceitou, ou quando terminava um caso. Raramente ficava com apenas
um, jamais se prolongando muito com algum amante. Seu deleite estava em ser
cortejada, desejada, disputada, ovacionada, tudo o que pudesse saciar não
somente sua vaidade de bela, mas também de artista. Seu grupo teatral
viajava por quase todas cidades do país, e em cada uma delas teve uma
aventura amorosa; quando partia, sendo que a companhia não ficava muito
tempo em um mesmo lugar, deixava para trás um rasto de homens caídos,
relacionamentos arruinados e corações despedaçados, indo
novamente em busca de novos riscos, homenagens e amores, sem freios ou limites,
dividindo sua airada vida entre prazeres e dias. Em tempo algum se incomodou
com críticas alheias, pois sempre as considerou como mera inveja de alguma
traída ou desdenho de um dos seus menosprezados, e continuava em seu
caminho áureo, sempre com seu jeito felino de ser. Nesta hora reparava
em si, a branda maquiagem harmonizando perfeitamente com as sobrancelhas feitas
e o batom carmim, com um vestido azul-escuro, pequenos brincos prateados e seu
colar de pérolas, tão deslumbrante que quase se espantou com sua
própria beleza. Mas acima de tudo, era jovem, jovem, jovem!... "Aaaahhhh!!!!!".
Os três funcionários do asilo corriam na direção
da qual escutaram o medonho agudo grito. Quando chegaram viram apenas a septuagenária
senhora assentada sobre o colchão, com o olhar perdido no espaço,
segurando uma antiquíssima foto sua, em preto e branco. A lacrimação
nos olhos denunciava-lhe a dor. "- Dona Dafne, tudo bem?", perguntou-lhe
carinhosamente a gorda negra enfermeira, acompanhada por uma outra, magra e
ruiva, e por um jovem auxiliar. "- Dizem que foi uma famosa atriz dos anos
cinquenta...", cochichava a outra no ouvido do rapaz, "... também
diziam que era muito bonita e que fica assim porque se lembra dos seus longínquos
dias de glória". A outra ainda tentava reanimá-la, amiúde
encontravam-na daquele jeito, estupefata e espavorida, mas nenhum dos seus apelos
traziam-na de volta a si. Então o auxiliar aproximou-se, talvez movido
por algum sentimento de compaixão, até sentar ao seu lado. "-
Minha senhora...", liricamente falava o caridoso moço, "...
não fique assim, não devemos nos agarrar com coisas do passado,
especialmente a aspectos físicos...", por fim acrescentou, "...o
importante é o que está dentro de nós!". Num movimento
brusco, como desperta por alguma serena ira, a idosa disparou a cortante pergunta:
"- Você faria amor comigo?".
O jovem estava pálido, pasmo, assombrado, surpreendido, mudo, de olhar
fixo naquela decrépita mulher, ponderando-a melhor, com aquela massa
corpórea desfigurada e cadavérica, revestida por uma membrana
flácida e enrugada, com brancos fios de cabelos ralos por causa da calvez,
a boca murcha e desdentada, e com aquela grande afta encravada no pescoço,
como uma estrela, talvez a sua última. A enfermeira negra saíra,
depois de não ter contido seu riso sardônico, imediatamente seguida
pela outra, encabulada. Ele estava só, perdido perante aquela prova da
decadência e senilidade, diante daqueles credores olhos, quase apagados
pela amaurose.