Imago(Prefácio?!?!?!)
"O menino é o pai do homem"
Nada há mais evidente na psique humana, que este aforismo machadiano.
Somos o que éramos quando menino! Indo mais além: Na velhice, voltamos a ser a criança esquecida
pela fase adulta.Importa (e importa muitíssimo) renascer este menino
pleno de sonhos, imaginações e esperanças.
Faz-se imperioso reatar estas fases da existência, para que, tal Ouroboros,
consumirmo-nos até nada mais restar. Para a mistura homogênea ao pó primordial se faz mister pulverizarmo-nos
até que haja apenas, o Nada, e somente assim poderemos reiniciar outro
ciclo primeiro, pois apagado foi o anterior primeiro.
Certo que há o seguimento, entretanto neste seguimento não poderá
existir a sequência. O continuísmo é reservado somente para as divindades e por isso são chatas e eternas.
Assim pensava (não mais pensa por não mais haver existido) o menino/autor/criança
escrevendo este Imago, achando-se um clerici vaganti medieval.
I - O Prestidigitador
Finalmente estava livre! Livre. Total e irremediavelmente livre. Poderia fazer
tudo que quisesse, sem ter de prestar contas a quem quer que fosse.
Nada mais existia, a não ser uma incomensurável e reconfortante
liberdade. Nunca havia se sentido realmente livre e esse novo sentimento o aterrorizava. Deu-se conta de estar em um ambiente absolutamente novo e se deu conta de ser
único. Nada ao seu derredor existia a não ser o nada absoluto, o tudo por fazer.
Uma sensação totalmente nova foi se apossando lentamente, do seu
eu interior e ele se viu perfeito. O Absolutamente Perfeito!
Quisesse fazer, faria; não quisesse fazer, não faria. Era o todo
poderoso dono de si, sem ter de compartilhar com mais ninguém. Tudo o
que existia era só ele, mais nada.
Poderia, se quisesse, criar deuses, mas desistiu, porque os deuses se tornam
tiranos e fatalmente haveriam de tirar sua liberdade conseguida a duras penas.
Poderia, se quisesse, criar universos, mas desistiu, porque os universos não
têm nenhuma finalidade a não ser a ideia de limites e limites
era o que menos queria.
Poderia, se quisesse, dar origem a luz, mas desistiu, porque a luz apenas, faz
revelar o que não deveria ser revelado.
Poderia, se quisesse, criar o tempo, mas desistiu, porque o tempo, com seu inexorável
movimento para o fim, fatalmente o deixaria apreensivo.
Poderia, se quisesse, criar um seu semelhante, mas desistiu, porque a experiência
anterior trouxe-lhe à lembrança o pior flagelo de todos os tempos:
o semelhante.
Resolveu-se, em sua total liberdade, criar o nada, mas desistiu, porque o nada
não podia ser criado, pois se criado, deixaria de ser o nada, porém
insistindo em criar o nada fez-se incriado e transformou-se em ... ??e?s.
Decidiu-se, sem consultar ninguém, pois estava incriado e não
tendo nada para pressioná-lo, estando incriado, criar-se e foi manhã
e tarde: primeira noite.
Agora criado poderia novamente, se quisesse, fazer-se incriado, mas desistiu,
pois já estava ficando entediante, ou melhor dizendo ... um saco!
Sentindo-se na primeira noite, mas não se vendo resolveu-se criar a luz,
mas desistiu, pois já haviam feito isso anteriormente e .... Resolveu-se fazer algo que fosse inusitado, que nunca tivesse sido pelo menos,
imaginado: Resolveu-se criar o Bireverso.
Claro, criaria o bireverso, pois o Universo estando se expandindo (e em todas
as direções) forçosamente, se expandiria tanto que acabaria
se acabando de tão distante que ficaria dele mesmo, mas o bireverso seria
criado antes do Big-Bang do universo, enquanto estivesse na sístole cósmica,
(mesmo sabendo que seria descartada mais tarde) pois teria muito mais tempo.
E foi manhã e tarde: segunda noite.
Deparou-se com um problema: não havia o Tempo! Mas como poderia, se quisesse,
fazer ou não fazer o que quisesse fazer ou não fazer, resolveu-se
haver por feito o Tempo e ponto final. Resolveu-se que não faria mais
nada, pois ainda era muito cedo da manhã e como não havia ninguém
para ficar pegando no seu pé, descansou o resto da manha e à tarde:
terceira noite.
Criado o Bireverso, constatou que dentro de algum tempo haveria um problema
por demais, seriíssimo: O Espaço! Claro que haveria o problema
de espaço, pois como o Bireverso estaria se contraindo até o Big-Bang,
tudo o que ele criasse dentro dele, se quisesse criar, seria comprimido, comprimido,
comprimido e poderia ser que uma de suas prováveis criações
sofresse de claustrofobia, o que seria realmente um grande desconforto para
a sua criação, e criar algo sabendo que no futuro ia sofrer não
seria uma boa.
Além do mais, já haviam feito isso e ele achava uma tremenda incoerência.
Resolveu-se apenas criar o Bireverso e que ele não se contrairia nem
se expandiria, sendo um bireverso estático. Foi manhã e tarde:
quarta noite.
Deparou-se com outro incomensurável problema: O Movimento! Claro! Para
o Bireverso ser estático ele não poderia criar o movimento, senão
teria de mais tarde, se arrepender de o ter criado e ter de destruí-lo,
e além do mais já haviam feito uma coisa parecida e ele achava
uma grande inconsequência.
Deparou-se com outro problema: (agora de foro íntimo) Criar uma coisa
colossal como seria o Bireverso, ali paradão, paradão,... paradão,
que graça teria? Resolveu-se, com sua onipotência, criar o Movimento
e não criar algo em seu bireverso que sofresse de claustrofobia e fim.
Cé fini! Manhã e tarde: quinta noite.
Deparou-se com mais outro problema: A Auto-afirmação. Criar algo
que não o glorificasse por toda aquela trabalheira ou criar algo que
não o temesse, por ser onipotente, não teria nenhum propósito.
Além do mais não seria ele, o primeiro Supremo Criador, a quebrar
a rotina dos inúmeros primeiros e únicos Supremos Criadores que
o antecederam. Pensando melhor, resolveu deixar de lado sua incomensurável
autoafirmação e não criar algo que o glorificasse ou que
o temesse, assim faria algo inusitado, mas desistiu.
Manhã e tarde: sexta noite.
Deparou-se com outro problema: O Cronograma de execução.
Um dos seus antecessores haviam criado tudo em seis etapas e ele somente estava
nos entretantos, estando muito longe de chegar aos finalmentes.
Resolveu-se dilatar o prazo para concluir sua criação, mas desistiu.
Além do mais começar e não terminar algo, já estava
tão manjado. Manhã e tarde: sétima noite.
Deparou-se com um problema supremamente intransponível: O Repouso. Mesmo
não tendo realizado necas de pitibiribas por seis cansativas etapas,
precisava descansar. Além do mais lembrou (em sua onisciência)
que: "Pernas pro ar que ninguém é de ferro!".
Resolveu-se que descansaria um pouco e só depois recomeçaria a
pensar em pensar, como faria o planejamento, se quisesse fazer o planejamento;
de como criaria algo que fosse totalmente inusitado, mas desistiu. Manhã
e tarde: oitava noite.
Deparou-se com outro problema: O Pioneirismo. (quanto pepino!!!).
Estava sendo o primeiro e único Supremo Criador a ficar tentando pensar
em criar algo inusitado e, até aquele momento, não ter criado
absolutamente,... nada.
Com mais esta etapa (na qual estava sem nada fazer) concluída, teria
por completo, a nona noite e tirando os noves fora restaria... nada.
Resolveu-se por um ponto final àquela incomensurável perca de
tempo, e aquele supremo faz e desfaz, cria e descria, castiga e perdoa, como
fazem os outros Primeiros e Únicos Senhores Supremos Todos Poderosos,
por estar se sentindo como um autêntico e inconstante e atuante e influente
político mas desistiu, e ao desistir de criar algo que fosse realmente
diferente e inusitado constatou que tinha atingido seu supremo objetivo: havia
criado o ... Niilismo.
II - A Papisa
Sabia que havia esquecido de fazer algo! Algo que sabia ser muito importante,
mas deixara de realizar e aquele esquecimento a estava deixando amargurada.
Como deixara de fazer algo que tanto a incomodava!? Logo ela, Joana, a que nunca
deixara de realizar qualquer pequena ou grande, tarefa, mais difícil
fosse, por ela assumida.
Lembra-se de uma vez, para atender uma amiga, fizera o quase impossível.
Havia andado por megalópoles plenas de tudo e vazias de humanidade; andara
por desertos vazio de tudo e pleno de paz; por florestas virgens nunca pisadas
pelos nefastos pés humanos, pois fatalmente haveriam de deixar seus rastros
destruidores; havia mergulhado em fossas abissais imersas em total escuridão,
mas plenas de presença da criadora treva primordial; voara por alturas
plenas de ausência, mas, a contento, realizara a difícil tarefa
de trazer um remédio salvador.
Aquela angústia em saber que havia esquecido de realizar algo muito importante
a exasperava. Que seria?! Busca no mais profundo de seu ser, lembrar àquele
esquecimento, àquela tarefa não cumprida. Logo ela que fizera
a felicidade de tantos!
Lembra-se de ter deixado de realizar a peregrinação que por certo,
seria a de seus sonhos, pois passaria em uma floresta virgem, onde gozaria da
divina ventura de estar em contato com a natureza, juntamente com iguais apreciadores
desse sacrifício aos deuses, pelo simples fato de ter ficado consolando
um quase estranho, que perdera um ente querido.
Lembra-se de ter adiado sine die uma pescaria esportiva,
por certo paradisíaca, pois seria realizada em um dos locais mais piscosos
que havia, por ter preferido ficar para a formatura em ABC de um dos seus inúmeros
filhos adotivos.
Lembra-se de não ter podido presidir um conciliábulo, que por
certo lhe renderia poder e fama, por estar tirando da fossa sua filha pré-adolescente,
quando do término de um dos seus único e eterno amor.
Nada mitigava sua dor por ter consciência daquele esquecimento. Logo ela,
Ísis, a que nunca esquecera de atender a quem quer que fosse, nunca deixara
sem solução um problema de alguém que a procurasse, nunca
deixara de ajudar alguém a superar um obstáculo, ou mesmo, por
entender, ajudava a todos sempre na hora precisa.
Lembra-se de certa feita, quando de sua paróquia para casa, percebendo
a tristeza estampada no rosto de um transeunte, de o ter salvo de um suicídio
iminente, pelo simples fato de ter parado um pouco e apenas, conversado.
Lembra-se de ter realizado, por amor ao seu Deus, todas as tarefas a ela impostas,
mesmo que as realizasse, muitas vezes, em detrimento de sua própria felicidade
e, com uma certa incerteza, imagina-se sendo recebida na sua nebulosa e eterna
morada celestial.
Lembra-se de, em sua infância, quando de bom grado, deixava outros irmãos
brincar com seus brinquedos, sem nenhum ressentimento, mesmo sendo o boizinho
de barro, seu preferido.
Mas, aquela tarefa esquecida a estava transtornando! Não mais teria tempo
de realizá-la, caso lembrasse, ali, cercado de amigos e parentes, em
seu leito de morte.
No último esforço do último instante de vida por fim tardiamente,
muito tardiamente lembra: esquecera de ... viver.
III - Imperatriz
Claro que estava eufórica e em estado de graças: iria conhecer
o ser perfeito!
Iria finalmente, ter contato com alguém que era o seu modelo de caráter
e firmeza: o ser incorruptível.
Iria conhecer o ser que por sua incomensurável sabedoria era onisciente.
Iria estar diante do ser que por seu poder ilimitado era onipotente.
Iria fisicamente, estar diante do ser que a um só tempo podia estar em
tudo: o ser onipresente.
Tremia somente por imaginar-se diante daquele ser que a um tempo podia ser absolutamente
bom e absolutamente mau.
Sempre soubera que esse ser um dia teria de mostrar-se em todo o seu esplendor
somente para ela, pois achava-se merecedora desta suprema felicidade.
Isolada como vivia, longe de tudo e de todos, sempre soubera no fundo de sua
alma, que esse ser teria de apresentar-se diante dela; pois por ser uma reclusa,
longe de qualquer convivência com seres inferiores tinha adquirido o direito
de ser agraciada por aquela presença suprema.
Cria-se em sua alma o conflito do primeiro encontro. Deveria ela um ser superior,
primeiro curvar-se em reverência a esse ser perfeito ou esperaria que
o ser perfeito primeiramente a reverenciasse?
Receberia esse ser perfeito com a humildade dos servos ou o receberia com a
prepotência dos senhores?
Deveria levar oferendas para mimá-lo ou deveria ser mimada por oferendas
mil.
Quereria que esse primeiro encontro deixasse em ambos, uma impressão
recíproca, de majestade sem o pieguismo dos mais fracos.
Há muito apossara-se dela a expectativa desse encontro, o qual por certo,
seria marcante para ambos, pois eram especiais.
Finalmente, chegara o instante crucial de ver pela primeira vez o ser perfeito
e quase em êxtase toma do espelho e ... mira-se.
IV - O Imperador
Sábios, de pernas cruzadas, impunham ideias. Os mais versados
em todos os conhecimentos, sobre o que era certo e o que era errado. Externavam
seus pontos de vista, baseados em conhecimentos adquiridos e conhecimentos próprios
que foram sendo forjado através de suas vivências.
Acordaram, pós penosas discussões, que o certo seria sempre, dar
um não às coisas que maculassem, de algum modo, o homem e juntamente
com as sete virtudes seria: - não beber, não fumar, não
prevaricar, não dar falso testemunho, amar ao próximo, não
roubar, não matar, honrar pai e mãe, não cobiçar
a mulher do próximo, santificar o sétimo dia, amar a deus sobre
todas as coisas, sempre dizer não à carne até morrer e
... ir para o céu.
Chegando àquele local, atrasado, um sábio, que não era
lá muito sábio aos olhos dos outros sábios, e informado
das conclusões, externou seu ponto de vista, concorde com todos, mas
... (sábio é fogo!) havia o certo e o mais certo, e o mais certo,
não seria, e sim, é: - beber, fumar, prevaricar, dar falso testemunho,
odiar ao próximo, roubar, matar, desonrar pai e mãe, cobiçar
todas as mulheres dos próximos e dos distantes, cair na gandaia no sétimo
dia, não amar nenhum deus e colocá-los sob todas as coisas, sempre
dizer sim à carne e, no último instante se arrepender, (como o
Dimas) pedir perdão a qualquer deus disponível e ... ir para qualquer
céu.
V - O Pontífice
Discutiam dois néscios (sábios não discutem, pois sábios
são apenas, sábios indiscutíveis) sobre o imortal e o eterno.
- Deus é eterno, não teve começo nem terá fim, concorda?
- Concordo! Realmente Deus é imortal.
- Imortal?! Imortal, não! Eterno. Imortal é o que não morre.
- Momento, Amigo. Os filólogos dizem em seus dicionários que eterno
é imortal e imortal é eterno, tipo sovaco e axila. Tudo farinha
do mesmo saco.
- Por certo que os dicionaristas o dizem, mas os dicionaristas são sábios
e não néscios como nós.
- Também concordo, mas acrescento que além de sábios são
também perdulários.
- Perdulários!!? Por quê?
- Claro que são! Se eterno e imortal são a mesma coisa, deveriam
economizar usando somente ou eterno ou imortal, concorda?
- Indubitavelmente!!! Mas acho que aí é que está a volta
do anzol. Se é eterno é porque não teve começo nem
terá fim, mas se é imortal é porque não morrerá
e se não morrerá pressupõe-se que nasceu e se nasceu ...
houve um começo e se houve um começo é imortal, mas não
eterno, concorda?
- Concordo. Concordo!? Quer dizer, acho que concordo, ou discordo ... quer dizer
... será que estou ficando sábio?
- Bom! Quanto a você estar ficando sábio, discordo, pois você
está em dúvida e sábio não tem dúvida ...
sábio tem sempre certeza e conhece tudo profundamente.
- Realmente, você tem toda razão! Mas sobre o que nós estávamos
discutindo?
- Puxa, Amigo! Sobre se Deus era imortal ou eterno!!
- Credo!!! Eu estava discutindo sobre Deus ser eterno ou imortal?! Eu? Jamais!!!
Jamais iria perder meu precioso tempo discutindo se Deus seria eterno ou imortal!!!
Esconjuro!!!
- Amigo, você é um ... sábio.
VI - O Enamorado
Convidado fora, para recital moderníssimo em local distante, incerto
e não sabido a partir da meia noite de qualquer fim de semana.
Poetas moderníssimos (= vates andróginos frequentadores de
barraquinhas-de-fins-de-feira e plugadíssimos na Internet) meio a banquete,
libando ambrosíacos goles de boa cachaça e degustando generosas
colheradas de divino arrumadinho em orgíaco recital, poetavam.
- Escutem este terceto monossilábico que fiz mamado e inspirado por uma
deusa de bumbum paradisíaco:
Manifestações de agrado um tanto quanto discretas e insipientes.
A não ser por um que deveria não ser tão entendido
e pouco entendido em vanguarda poética.
- Pera aí, pera aí!!! Saca só este dístico tetrassilábico
que fiz turbinado, para uma coroa imensa esparramada na praia,
sob o inclemente sol do meio dia, envolta por uma grossa camada de arreia, aderida
às banhas por litros e litros de protetor solar avermelhado e de olor
divino:
Visível apatia dos circunstantes, reforçada por manifestações
faciais de desagrado em um numeroso grupo de ex-gatas e atualíssimas
porcas.
- Guenta aí, porra! Manja só este hai cai feito pós cheirada
legal, estando inspirada em uma mina criloura tializada
meio a um boquete em gruta virginal, no meu AP:
Manifestações esfuziantes de quase todos os partícipes.
Contrastava com o momento, expressões de quase asco, vindas de um grupo
de autênticos e pulos acrobáticos de um vate anoso, que por motivos
óbvios, expressava seu contentamento, culminado por um quase enfarto
do miocárdio.
- Calma, monas e bofes! Pluguem-se neste monóstico
dissilábico, que fiz, sóbrio meio a uma aventura, com um crilouro
bem dotado, (ai!!!) em uma praia selvagem e deserta, apoiado em uma
majestosa Gameleira, à beira mar, sentindo seu hálito morno e
hercúleo, em minha nuca:
Manifestações ruidosas, acompanhadas por gritinhos histéricos,
suspiros prolongados, desmaios, sons de copos quebrados, mesas derrubadas, que
transformaram o local em uma verdadeira sessão de congressistas.
Apenas as ex-gatas, adeptas fervorosas do bigfootismo, vaiaram.
- Pela ordem, companheiros! Exijo respeito!! Escutem meu soneto em bárbaros
brancos, feito meio a uma ocupação de repartição
governamental, em protesto pela falta de protesto.
Pausa nas manifestações pela chegada, ao recinto, de uma patrulha devidamente preparada para eventos culturais de vanguarda. Olhares de soslaio dos que já haviam conhecido o preparo da patrulha, e cochichos prenunciadores de fim de festa. Empurrado à força por amigos, tímido, envergonhado e desajeitado, um estreante vate, lê, trêmulo, o seu quarteto heptassilábico:
"Manifestações de apreço ao senhor diretor"
e início de silenciosa retirada estratégica sob olhares vigilantes
da patrulha guardiã da boa moral e dos bons costumes.
Terminado o prenunciador evento, voltou o convidado, pensando de-fi-ni-ti-va-men-te,
em converter-se e ser evangélico: Só Jesus salva!!!
VII - O Carro
Estuda a Semântica, pelo Grego , Seµa?t??e as mudanças no
significado, através dos tempos, que ocorrem com os vocábulos.
Raposo é o macho da raposa e uva, o fruto da videira; mas não
é o nosso caso, pois quem trata disto são os dicionaristas e não
recontadores de histórias.
Recontar-vos-ei um conto que contaram a quem o recontou para mim e como "quem
conta um conto aumenta um ponto" ...
"Em uma determinada localidade havia um determinado Raposo que desejava
ardentemente, uma determinada uva.
Não era um Raposo qualquer, pois, mesmo não tendo pedigree, era
determinado. Para ele o fim desejado justificaria qualquer meio. Seus ancestrais
não eram lá grande coisa, mas ...
Desejava com tanta intensidade, deleitar-se com aquela uva que se tornara obsessão,
fetiche. (provavelmente a imaginava nos finalmentes )
Aquela uva possuía uma combinação de cor totalmente diferenciada
de qualquer outra. Aquela combinação (meio estranha) entre o verde
e o amarelo fazia com que ele ficasse ensandecido somente pelo simples fato
de imaginá-la acariciada entre seus dedos, (pena que faltava um, pois
se completos, haveria mais com que tocá-la).
Imaginava-se tomado pelo sabor de poder concentrado naquela uva.
Imaginava-se enlaçado por aquela uva de forma especial, alongada e transmudava-se
em uma imensa parreira, enraizada em terra fértil de um altiplano.
Imaginava-se comandante supremo em aquela celestial parreira, protegido por
aquela toda poderosa uva, sem ter de, humilhado por inúmeras derrotas,
ouvir: Sai pra lá, não vê que você está verde!!
Imaginava-se acordando à hora que bem quisesse, obrigado que sempre fora,
em acordar-se alta madrugada para trabalhar.
Imaginava-se em lauto banquete degustando iguarias, libando ambrosíacos
vinhos, tendo multidão de serviçais, sem ter de reaquecer a azedinha
com baião-de-dois.
Sonhos, sonhos mil de Raposo determinado!!!
Mas certamente, os vindimadores que por lá pululavam, não permitiriam
sequer, sua aproximação, pois não possuía pedigree,
(condição sine qua non para ocupar aquela parreira)
e não permitiriam pós sua vindima, poder estar em seu próprio
vin d'honneur.
Sendo um Raposo determinado e sagaz, portanto símbolo da astúcia,
houve por bem metamorfosear-se em polvo (ou outro cefalópode) e assim
poderia mais facilmente, estender seus tentáculos, para colher o objeto
de seus desejos: a divinal uva.
Deparou-se com um obstáculo intransponível: cefalópodes
vivem no mar! E a parreira, originalmente plantada à beira mar, havia
sido transplantada para um altiplano central, distante léguas do mar,
portanto seus tentáculos certamente, não poderiam estender-se
até lá. (os maiores cefalópodes atingem no máximo,
quinze metros)
Como já havia feito várias tentativas infrutíferas poderia
fazer mais uma: deflagrar uma campanha para o retorno da parreira à beira
mar!!!
No mais, aquela localidade afeita a tantas e tantas mudanças desnecessárias,
uma a mais, uma a menos, nem seria percebida, e facilmente seria assimilada
por todos, como era o caso da mutação semântica de faixa
presidencial para ... uva.
VIII - A Justiça
Cuma?! Acho que não! Poderá ser uma questão atávica.
Talvez em um meu ancestral remoto haja havido algum distúrbio de personalidade
ou quem sabe seja um trauma de infância que poderia desencadear personalidades
múltiplas, mai maxiá roça bem aprantada, num matumbo bem
arto no brejo, acho pouco provável, a num sê que vosmecê
num tenha chegado munta terra nos pé das maniva.
Qualquer agricultor que se preze, tem sabença que prantio em vajada é
assim mermo. Premero tem que saber se a terra é forte o bastante para
dar sustentação às raiz e se tem as fortidão nos
minerá prumode as raízes tuberosas da mandioca, principalmente
as da família das Manihot utilíssima, engrossar prumode nacê
uma roça de lascá, a num ser que a base do madeiro que formou
a crui que foi apregado o nosso sinhô e sarvadô Jisus Cristinho,
não tenha sido bem alicerçada, o que poderá vim tudo de
riba pra baxo.
Acho pouco provável que, com minha experiência e anos e anos de
instudá tudo quanto foi instudo, algo de extraordinário possa
vir a ocorrer, mai porém se os dotô dos gunverno quisé que
aconteça, pode ficar certo que num hai satanás dos inferno que
dê jeito. Principarmente se o trem cair da linha férrea, por qualquer
desnível ou depressão que venha a prejudicar a base de sustentação
dos dormentes que sustenta os trio. Aí intão é uma mai
maió das desgracera e vai sê caco de avião pra tudo quanto
é banda, pru causo que as bandas cambiais sendo mais flexíveis,
manterá a variação cambial que tem como âncora o
dólar, em patamares sustentáveis, possibilitando fazê cum
que o pobe miserave deixe de passa tanta fome, podendo adquirir um Quandu pra
cumê assadin na brasa, cum uma garrafa de cachaça das mai da mió.
Entretanto poderá acuntecê que as projeções logísticas
sistematizadas se desmantele tudinha e o praneta Jupre sofra um desvio de órbita
e seje empurrado de buraco negro adentro e somente aí é que, se
perceberá o profundo dano que causa o racismo em uma sociedade multirracial,
pois tal irracionalidade é uma burrice das mai maió.
Mas como ninguém é bom "a não ser o Pai e
este, está nos céus" talvez nóis venha
entendê de cuma as abeia trabaia, cuma as frumiga acerta o rumo, cuma
as águias avoa e dadonde o vento faige a curva prumode mover as pás
dos cata-ventos, que nos fornecem a energia eólica com a qual movemos
os ratinhos que correm pru riba das mesa dos Computadô e faige cum que
esse mundão de Deus e do Demo seje essa merda que é!
E qué sabê do mais: Vá produzir excremento corpóreo
sólido na orla marítima e vá limpar esse velho rabo cum
areia grossa da praia e urtiga branca, pois já vem o enfermeiro e chegou
a hora de tomar meu ... barbitúrico!!
IX - O Ermitão
Deslocado, encontrava-se em um barzinho.
Não em um barzinho, daqueles que se jogam conversas fora entre goles
quaisquer, bocados de arrumadinho (ou petisco especial) e baforadas.
Não um barzinho onde "rumino a alma e espeto a dor com o palito
de azeitona" ou dos "trezentos desejos presos, trinta mil sonhos frustrados"
ou "refúgio barato dos fracassados no amor". Tampouco em agradáveis
tardes de Sábados, em anexo bissexto, na rua da União. Não
e não!!!
Era um barzinho genético, isto é, criador, pois ali eram geradas
causas que gerariam efeitos. Era um barzinho intelectual de Shopping.
Não se tinha o prazer orgástico de apenas jogar conversa fora.
Não!!!
Tinha-se o dever, como geradores de causas, de criar-se aforismos, supor-se
hipóteses, defender-se teses, provar-se teoremas, finalizar-se ilações,
sempre e sempre, levando-se em conta ilapsos mil.
Um simples papo romântico sobre um belo bumbum feminino era de imediato
metamorfoseado em reais formas e proporções glúteas, com
direito a devaneios, nos quais entravam até, rabo de macho.
Um simples e comum chifre era logo elevado à categoria de pesquisa com
implicações atávicas, e teses provadas, nas quais as nossas
priminhas primatas o usavam ancestralmente, para selecionando espermas, pudessem
optar pelo melhor teor genético, mesmo que paradoxalmente, ferisse ilapsos
e se aproximasse de Darwin.
Um simples comentário sobre um bucho cinquentona em seus quase cem
quilos de pura obesidade, descambava sempre para conceitos étnicos, éticos
e estéticos, pois surgiam defensores da lei do relaxamento, alicerçados
em causa e efeito.
Meio àquele verdadeiro mar primordial, um pra lá de Bagdá,
arrebata a palavra e impondo presença lê seu último texto
para seu próximo livro. Após a leitura requer dos presentes, opiniões
favoráveis impostas por olhar superior e terrorista.
O que encontrava-se naquele barzinho por pura falha do destino, imbuído
da lei de causa e efeito, diz: - "Se o efeito for ter de lê-lo eliminarei
a causa: Tornar-me-ei ... analfabeto!!!
X - A Roda da Fortuna
O dia anterior havia sido dia de cão. Com todos os pepinos possíveis,
impossíveis e imagináveis, principalmente para ele recém
promovido à Carteira de Captação de Recursos.
Reuniões in-ter-mi-ná-veis. Cobranças de responsabilidades,
expectativas e outras... cositas más.
A noite também, não havia sido lá essas coisas. Mas, novo
dia, esperanças mil; entretanto era um dia imprensado entre feriado e
fim de semana.
Pontualmente (e bota pontualmente nisso) a agência abre as portas às
dez horas.
O tempo arrasta-se pachorrento. Nada que prenunciasse a chegada de algum bom
cliente.
Recosta-se em sua poltrona e ... vê, vindo em sua direção,
um justíssimo tailler vermelho, conduzindo um metro e setenta de sonhos:
corpo escultural, cabelos esvoaçantes ... uma deusa.
- Bom dia!
- Bom dia!! Em que posso servi-la?
- Desejo fazer uma aplicação, pois não?
Aquele sotaque europeu, aquela voz aveludada, aquele sorriso angelical o deixaram
em estado de graças, quase fazendo com que se esquecesse de pedir para
sentar-se.
Acomodada em sua frente, pernas cruzadas, deixa a entrever discretamente, ...
o paraíso.
Entregando-lhe os formulários que se faziam necessários à
aplicação financeira, nem ousou indagar pela quantia a ser aplicada,
estava autômato.
Enquanto a cliente, preenchia os formulários, imaginava-se um rei, um
paxá, um escravo sabe-se mais o que! Não conseguia ver uma cliente
em potencial, e sim a mulher de seus sonhos.
Devaneios e desvarios zil!
Após ter recebido os documentos devidamente preenchidos, a primeira coisa
que procurou foi seu estado civil: Como ele ... solteira.
Eleva um pouco os olhos e lê o nome: Odília. Realmente era uma
santa e lhe vem à mente as falas dos reis: Spes, regnabo!,
para o que ascende; Gaudium, regno! , para o que
está no trono; Timor, regnavi ..., para o que descende.
Mais abaixo a quantia que deveria ser aplicada: R$ 21.000.000,00. Quase foi
acometido por um siricutico. Rica, linda e solteira! Era muita areia pra seu
caminhãozinho!!
Imaginava-se agora, empossado que fora, para o cargo de Presidente, sentado
naquela poltrona, daquela sala com cem metros quadrados de puro luxo e supermoderna
tecnologia, esbravejando com subalternos e dando ordens irrealizáveis.
Erguendo-se para cumprimentar aquele sonho, um - Acorda, Banqueiro, estão
esperando por vossa excelência na seção de Recursos Humanos!!!
- fez com que a deusa sumisse.
Desperto, viu diante do seu ex-birô nada mais, nada menos que o Gerente
Geral.
XI - A Força
Era anoso. Anoso e velho (o que era pior) e estava remoendo suas reflexões.
Nascemos sós. Somos só eu.
Tomamos consciência que somos e pensamos estar seguindo em linha reta
e avante. "Ilusão treda".
Deixamos de ser eu e mudamos em nós, mas cada um nós é
na verdade, um eu.
XII - O Enforcado
Vejamos a que ponto chega-se, nós os seres desumanos abjetos e dignos
de vilipêndio, quando em suas reflexões.
Somos caçadores. Andamos sempre à caça.
Caça, por definição, é o animal que procuramos para
ser abatido e por extensão, qualquer objetivo a ser alcançado.
(Em nosso caso caça é caça mesmo, e é para ser abatida).
Poderá tratar-se de uma Paca ou Cutia ou Tatu, que irá servir
de alimento imediato, ou um ser humano, que irá ser transformado em alimento.
Explico: Abate-se um animal e come-se: abate-se um humano e recebe-se e compra-se
alimento e ... .
Pois é! Um Caçador estava a igualar-se a um Matador e já
estava meio pirado, ... piradão.
O Caçador (aqui cabe explicar). Caçador de espera ou Tocaia, deve
conhecer os hábitos da caça, e caçar solitariamente. Nada
de cachorro, armadilha ou qualquer coisa que facilite o abate; a não
ser a arma (é claro) e esta deverá ser a mais adequada. Este é
Caçador com C. Os outros são predadores.
O Matador (aqui cabe explicar). O Matador de espera ou tocaia, deve conhecer
os hábitos da vítima e matar solitariamente. Nada de auxiliar,
veneno, ou qualquer coisa que facilite a morte; a não ser a arma (é
claro)e esta deverá ser a mais adequada. Este é o Matador com
M. Os outros são assassinos.
O Caçador ao chegar ao habitat da caça, geralmente florestas,
procura indícios de sua existência, quer em trilhas ou em locais
de alimentação, sem causar o menor dano ao ambiente e ali prepara
a emboscada, diurna ou noturna, (à noite é mais prazerosa pelos
sons do silêncio) espera a chegada da caça e a abate.
O Matador ao chegar ao habitat da vítima, geralmente cidades, quer prostíbulos
ou igrejas, sem causar a menor suspeita, e ali prepara a emboscada, diurna ou
noturna, (à noite é mais discreta e segura, pelas trevas) espera
a chegada da vítima e a mata.
Como Caçador de espera, sei do prazer celestial de uma caçada.
Procurar rastros, seguir trilhas, conhecer fontes de alimento, localizar-se
adequadamente para o possível abate (orgástico é ver a
caça escapar ilesa, pois dá possibilidade de outra caçada).
Sei do contato direto com a Natureza, sabendo seus maviosos sons, seus agradáveis
aromas, suas reconfortantes cores; sentindo a paz de saber-se solitário
e de mais tarde, poder em roda de adeptos, partilhar a estória da caçada.
Sei também do suor frio, da imobilidade, da taquicardia, da eternidade
entre a chegada da caça até a posição ideal ao tiro.
Como Matador presumo o prazer celestial de um assassinato. Procurar atalhos,
locais propícios, localizar-se adequadamente para o crime perfeito (orgástico,
presumo, é ver a vítima tombar fulminada, pois dificilmente haverá
outra chance).
Presumo o contato direto com os Humanos, seus irritantes sons, seus fétidos
odores, suas terríveis cores; sentindo a angústia de saber-se
criminoso e ter de levar secretamente, para o túmulo sua caçada,
sem poder partilhar com alguém.
Presumo também, o suar frio, a imobilidade, a taquicardia, a eternidade
entre a vítima chegar, até o posicionar-se para o assassinato.
Caçador e Matador realmente são iguais, pois praticam atividades
excitantes. Adrenalizante!!!
O que torna o ser Matador menos atrativo é o fato de seu crime ser comum,
de ser aceito pelo civilizado, de poder ser julgado (geralmente, absolvido)
e, sempre receber o perdão e a misericórdia dos deuses. Nunca
serei Matador!
O que torna o ser Caçador mais atrativo é o fato de seu crime
ser hediondo, de não ser aceito pelo civilizado, de não poder
ser julgado (pré-julgamento condenatório é suplicio pra
mais de metro) e de nunca receber o perdão e a misericórdia dos
deuses. Sempre serei CAÇADOR!!
XIII - A Morte
Pelas tabelas e meio pirado o pobre teólogo adentra no porão
onde se realiza o conciliábulo.
- Meu Deus! Meu Deus!! Que confusão dos seiscentos diabos!!!
- Quequeisso, Irmão? Que dúvida o perturba?
- Saquem só: "No princípio Deus criou o céu e a terra"
(céu e terra com iniciais minúsculas).
- Well!! Pode ter sido erro de digitação!
- Aí foi criada a luz - a luz chamou-se Dia - e as trevas (que não
foram criadas) chamou-se Noite.
- E daí, qual é o grilo?
- Dia e Noite de quê? A Terra e os Céus só foram criados
depois; além do mais Dia e Noite existe em função do Sol
e este luzeiro maior somente foi criado muito depois!!!
- Home de Deus, entenda pela Fé!
- Pela Fé? Pela Fé num dá. Precisa-se ter muita fé!
Precisa ter-se fé de mais !! Fé sem Obra é
Morte!!! Morte, entendeu?! Morte
- Entenda pela Razão, ora!
- Pela Razão num dá: fico sem razão. Como devo entender,
Irmãos!?
- Penteando ... macacos!!!
IV - A Temperança
- Amigo, o que nos torna humanos? Qual a diferença sine qua non? O tauche?
- A Alma imortal?
- Por certo. Of corse. Mas o problema é saber o que é alma! Não
será apenas, uma requintada capacidade do cérebro em nos localizar
no tempo e no espaço, e além do mais, quem nos garante que ela
é imortal? Será que somente os dois por cento que nos diferencia
do chimpanzé dos dá esta exclusividade?
E tem mais: há religiões a afirmar que os animais superiores também
têm alma, portanto não é condição sine qua
non dos humanos!
- A Linguagem?
- Perfeitamente! Só os humanos temos a capacidade de falar. Mas o que
é a fala senão uma especialidade do aparelho fonador em emitir
sons para a comunicação entre elementos de uma mesma espécie
e até mesmo entre espécies diferenciadas? A nossa fala, sem ser
ampliada por aparelhos de telecomunicação, nos restringe a um
espaço pequeno se comparado a comunicação entre os cetáceos
na água e os paquidermes em terra. Estes seres também se comunicam
e têm códigos elaborados, portanto falam. Uma abelha ao dançar
entre as outras dá a posição corretíssima da fonte
de matéria prima, e é uma linguagem, portanto não há
o sine qua non!
- O Raciocínio?
- Naturalmente. Tô cuntigo e num abro! Estamos preparados para, usando
a nossa capacidade cerebral, solucionar problemas e superar obstáculos.
Entretanto já vi, com estes olhos que o fogo há de queimar.(quero
ser cremado) um polvo colocado em um recipiente com um pequeno orifício,
(e bota pequeno nisso) esgueirar-se para outro, sair deste, rastejar por um
espaço seco e entrar noutro recipiente para capturar seu alimento. E
olha que na primeira tentativa! Se isso não for solucionar problemas
e vencer obstáculos meu nome será Bartira!
- A Ferramenta?
- Sim Senhor! Só os humanos temos a capacidade de criar ferramentas que
supram nossas deficiências e ... pera aí ... os chimpanzés
usam uma pedra como martelo e outra como bigorna para quebrar nozes; os tentilhões
quebram gravetos para retirar larvas onde o bico não alcança.
Não serão ferramentas?
Portanto ainda não é sine ... .
A Escrita?!
- Claro a escrita. Só os humanos temos a capacidade de grafar sinais
que possam transmitir mensagens. Entretanto há outros animais que deixando
marcas e odores também escrevem mensagens e ...
- Quequeisso, Cara! Num viaja na maionese!! Quem já se viu arranhado,
esfolado, merda e mijo ser escrita!! Toma tento e vê se usa a Temperança.
- Realmente!! Escrever é somente para os humanos (e Deus, é claro,
pois escreve certo por ...) A Escrita é a sine qua non ... a pedra angular.
- Pera aí, Cara, você falou em Temperança e a Temperança
também nos torna humanos, pois ...
- Que pois que nada, Cara!!! Faça como outros animais: Evite perigos
usando a Temperança!!!
XV - O Diabo
Nasceram Angélica e Zoroastro!
Gêmeos em família abastada, com tradições às
canadas: Brasões, cardeais, senadores, generais, latifúndio a
perder de vistas, batalhão de mal pagos serviçais e outras...
cositas más ...
Univitelinos de pais cinquentões, fecundados in vitro e gestado
em barriga de aluguel, tornam-se o xodó da família.
Angélica. O Nome já traduz a belezura de criança. Interligava
o plano celeste ao terrestre: minhon, mimosa, delicada, expontânea ...
a fêmea.
Zoroastro. Fazia jus ao nome: grandão, fortão, sisudo... o macho.
Crescem entre mimos, serviçais, desvelos, e em ambiente suntuoso.
Brinquedos?! De simples barbieis a robôs de última
geração.
Roupas?! Só de grife. De simples Clodô a Cardin.
Batismo no Vaticano.
Primeiro aniversário em Amsterdã, segundo no Nepal, terceiro nos
Alpes suíços, quarto em Pequim, quinto no Caribe.
Alfabetizados nos arredores de Londres, em colégio da família.
Finalmente estacionam, juntamente com tutores, visitas frequentes da mãe
e esparsas do pai, para concluir os primeiros estudos, na Alemanha.
Final de infância e pré-adolescência entre mimos, livros,
serviçais e esportes, foram forjadas as personalidades: Lilica cada vez
mais fêmea e Zoró cada vez mais macho.
Lilica, às vezes, gostava de brincar com os carrinhos e armas de brinquedo
de Zoró e Zoró com as bonecas e casinhas da Lilica, mas nada que
não fosse próprio da idade.
Precoces, aos vinte e um anos já haviam concluído os estudos,
e estavam finalmente, de volta ao torrão natal, prontos para desempenhar
as funções familiares junto aos pais agora, setentões.
Tanto Lilica como Zoró eram por demais inconstantes no amor. Trocavam
de parceiros como políticos brasileiros de oposição trocam
de partido e ideais, o que de certo modo desagradava as tias solteironas e beatas.
Mas como entre a classe abastada este troca-troca é comum ... tudo bem.
Angélica de tão fêmea era uma verdadeira gata siamesa e
Zoroastro era tão macho era um verdadeiro garanhão puro sangue.
Lilica sempre acompanhada por inumeráveis gatões e Zoró
por um verdadeiro plantel de potrancas.
Entretanto, como coração de mãe é fogo nunca se
engana, a mãe dos univitelinos, agora dedicadíssima mãezona,
descobriu algo que a deixou em êxtase paradisíaco: Zoroastro era
Angélica e Angélica era Zoroastro!
XVI - A Torre
- Não tá vendo, Mainha, que não dá certo você
me acompanhar neste passeio!
Pessoas desconhecidas, muito jovem, música moderna, falta de respeito
com mais velhos, barulho, bagunça, sem horário pra nada, conflito
de gerações...
- Mas, minha filha, gosto de passear, de fazer novas amizades, de estar com
jovens, não me importa barulho, gosto de arrumas coisas, durmo pouco,
sou muito querida por adolescentes ...
- Mainha, não dá certo! Olha o que estou dizendo, conheço
aquela turma e os meninos são ...
- Que besteira, minha filha, aqui em casa não é cheia de colegas
dos netos e ...
- Hum!! E por falar em seus netos: Você acha que eu teria coragem de deixar
os seus maiores orgulhos com outra pessoa?! Mainha, sinto orgulho da criação
esmerada que você me deu e aprendi, com minha Mainha do coração,
que nunca devemos deixar nossos filhos (eternas crianças) com alguém
que não mereça a nossa total confiança. Mainha, tenha orgulho
disto: Somente confio em minha querida mainha do coração.
XVII - As Estrelas
Poder-se-ia pensar que, mesmo sendo filha de pais com linhagem nobre, não
seria aceito pela comunidade ... ledo engano.
É certo que sua cabeça em tudo lembrava a de um cavalo, principalmente
por aquelas orelhas pontudas e aquela cara comprida.
Seu tórax largo e musculoso demonstrava que seria muito forte.
Mãos e pés. Well! Aí realmente, causavam espécie,
pois deveriam ser menores e não ter o formato de cascos de cavalo, mas
...
Demonstrava ter inteligência bem superior a média logo nos primeiros
anos de vida e era por demais vivaz.
Adorava viver em liberdade, correr pelos campos da fazenda, dando a entender
que possuía espírito de competição e não
gostava de perder.
Sua curiosidade impressionava a qualquer um, mesmo que não fosse observador,
pois seu olhar irrequieto e aguçado prestava atenção em
tudo.
Demonstrava ter disciplina e ser obediente o que agradava sobremaneira, a todos
os encarregados de sua educação.
Gostava de alimentar-se em horas certas e adorava o momento do seu asseio corporal.
Corpo bem proporcionado, a não ser alguns músculos das pernas
que teimavam em lembrar um corpo do sexo forte.
Mamilos fortes e rijos. Bacia larga, deixa a entrever que seria excelente mãe.
Traseiro!! Seu traseiro sim. Este chamava realmente, a atenção
de todos.
Curvas perfeitas, caimento impecável, empinado e ao andar meneava com
uma certa, dir-se-ia ... lascívia.
Formas! Formas superam ideias? Era realmente uma fêmea, pois necessário
se faz, para uma fêmea ser perfeita, algo de macho.
Não fosse aquele toque de macho, não seria uma fêmea perfeita,
principalmente para ela ... uma Puro Sangue Inglês.
XVIII - A Lua
À passagem do féretro majestoso, com direito a carro de bombeiro,
caixão envolto com bandeiras de várias nacionalidades; séquito
com as grandes autoridades eclesiásticas, militares e civis, populares
conversam ...
- De que morreu?
- De derrame.
- Sofria de arteriosclerose?
- Não! Levou uma rajada de metralhadora e o sangue derramou todo!
- Olha o respeito ao finado! Quem foi o assassino do pobre coitado?
- Deus, é claro! Somente Ele pode dar ou tirar a vida, Amigo!
Pô, Cara, quero saber quem puxou o gatilho?
- Well! Aí as coisas complicam. Serão necessários vários
e vários anos de investigações acuradas, com direito a
várias e várias CPIs nas esferas federal, estadual e municipal.
- Amigo, o cara era um figurão importante!
- Importante!? Bota importante nisso! Telegramas dos Sumos Pontífices,
de dirigentes das Federações Internacionais Esportivas. Presenças
de Núncios, Aiatolás, Generalíssimos, Presidentes (desde
de Nações até de Escolas de Samba e Associação
de Bairro), Banqueiros, Governadores, Senadores, Deputados, Prefeitos, Vereadores,
Chefes de Polícias, Maestros de Bandas, Emergentes, Animadores de Porgramas
de Oditoro, Traseirudas, e outras autoridades.
- Tanto luxo para a terra transformar em pó!
- Que pó que nada, Cara! O finado foi embalsamado para durar indefinidamente,
e o corpo será exposto, para peregrinação, em monumental
palácio, construído com dádivas de todos os países
em que ele mandava, e com o que há de mais moderno e requintado de todo
o Universo conhecido!
- Pô! O finado era um Lama, um Papa, Um Chefe de Seita, um Ditador, um
Imperador, um Rei, um Prêmio Nobel, um Estadista, um Político ...
- Não, inocente Amigo! Deixa de falar besteiras! Estás mais por
fora que professor de rede pública! A figura era tudo isso a um só
tempo, pois era um ... Narcotraficante!!!
XIX- O Sol
- Num sei pra que casei com esse peste! Esse banana num serve pra nada mesmo!
Só num boto um chifre nessa gota serena porque sou uma mulher direita
e tenho medo dos castigo de Jesus!!
- Mozinho, deixa disso! Paciência tem limites! Qualquer dia desses ...
- Qualquer dia desses, o quê? Tu é home pra nada! Quereria eu!!
E quer saber de uma coisa: hoje amanheci com a pá virada e num tô
pra aguentar lamúria de home frouxo.
- Mas, Mozinho ...
- Que mais que nada! Vá pro seu empreguinho de professor de rede pública
e vê se num me enche a paciência.
Diuturnamente esse era o diálogo que já se prolongava por mais
de tinta anos entre o feliz casal.
Ela ... filha de Xangô, Escorpião com ascendente em Áries,
magra da canela fina, buço acentuado, voz estridente, olhar vulturino,
dir-se-ia uma Xantipa.
Ele ... filho de Oxóssi, Libra com ascendente em Peixes, rechonchudo,
imberbe, voz suave, olhar bovino, dir-se-ia um Sócrates.
No caminho para a escola pública onde lecionava Estudos Sociais e distava
de casa dois ônibus lotados e um metrô apinhado, pensava: Quem diria
que Mozinho, meiga e carinhosa, quando noiva, possuía um gênio
desses! Quanta mudança!
- Mas qualquer dia desses tomo uma atitude. Ah, se tomo! Pego aquela peste digo-lhe
umas verdades, e ela vai ver quem é que manda.
Na escola, onde chegava invariavelmente ás seis, tomava seu desjejum
(não dava tempo comer em casa por ser cedo demais e além de tudo
Mozinho não levantaria da cama para fazer comida), guardava sua azedinha
para o almoço e esperava o início das aulas às sete.
Um belo dia (sempre há um belo dia) havia acabado de chegar da Escola
e ...
- Seu peste, por que chegou tão tarde? Já passam das dez e seu
horário é de nove?! Estava raparigando com suas colegas de trabalho,
foi? Eu aqui me matando de trabalhar porque nem a peste da empregada e uma das
babás num vieram. Capaz de eu ser assaltada com tanto marginal que existe
por aí e o senhor sabe lá o diabo por aonde andava!! Diga peste
ruim!
- Mozinho, houve um assalto no ônibus que eu vinha, mataram o cobrador
e foi todo mundo parar na delegacia pra prestar depoimento e ...
- Que assalto que nada, safado! Se tivesse havido assalto tinha dado no Ratinho
e no Aqui e Agora, mentiroso! E além do mais acho que se houve assalto
você besta como é, se ofereceu pra dar depoimento e de agora em
diante a gente nunca mais vai ter sossego na vida e vamos ter que vender a minha
casa e se mudar pra outro bairro pois os assaltantes vivem mancomunados com
policiais bandidos e.
- Espera aí! Você está fantasiando demais! Pare um pouco
e me escute: Eu lhe disse que um dia tomaria uma atitude e este dia é
hoje e é agora!!
- Fale, sou toda ouvidos! Mas veja lá se não vai se arrepender.
Meu irmão que é soldado de polícia, bem que me avisou que
você num presta mesmo e que qualquer dia desses podia me abandonar largada
por aí e abandonar os seus seis filhos somente para não pagar
a pensão que tenho direito porque sou uma mulher direita e vivo só
para meu lar e meus filhos e ...
- Pare e me escute!!!
- Certo! Estou calada, mas já sei o que você está planejando
pois chegou tarde e com certeza estava com aquele seu irmão que é
majorzinho do Exército ou com certeza com aquele outro que é desembargadorzinho
ou ...
- Pare e me escute! Olha, Mozinho, quer saber de uma coisa: De hoje em diante
não abro minha boca pra mais nada! Juro por Jesus Cristinho!!!
XX - O Juízo
Estava completando o seu centenário.
Cem anos bem vividos, lúcido, com uma saúde férrea, cercado
de filhos, netos, bisnetos, tetranetos, genros, noras, cunhados, cunhadas, amigos,
conhecidos, penetras, ... o escambau!
Foi afortunado desde o nascimento, e nunca teria medo de nada, pois ao nascer
foi constatado que, por uma falha genética, nascera sem o aparelho digestivo.
Nada de esôfago, estômago, duodeno, intestinos, e (por desnecessário)
sem o .. , portanto a ele não se aplicava o - quem tem .. tem medo.
Como havia nascido em berço de ouro, pois era filho de político
influente, a falha foi considerada bronca safada e os cirurgiões substituíram,
através de adaptações, o aparelho ausente por aparelho
biônico inserido em uma artéria, através do qual recebia
o alimento já processado, e reduzido a alguns mililitros de uma rica
sopa nutritiva.
Deste modo eliminou-se o chato e cansativo trabalho de comer e descomer, comer
e descomer.
Quando criança nunca fora acusado (ao sentirem algum cheiro estranho)
de ser o autor do evento, mesmo que não tenha podido dar, quando bebê,
a amassadinha característica, e dos sons universais segundo Suassuna,
somente espirava e tossia, fazendo assim, economia nos outros dois.
Nunca se deu ao trabalho improdutivo, de frequentar escolas, colégios,
universidades, pois aprendeu a ler e escrever em casa mesmo, e como era filho
de político influente, possuía todos os diplomas necessários
a ocupar altos cargos políticos, incluindo alguns Ph. Ds e vários
Honoris Causa.
Atingindo a maioridade e por ser filho de político influente, é
nomeado para um alto cargo público vitalício, garantindo assim,
uma vida sem precisar pegar no batente.
Como sua repartição ficava no centésimo andar de um edifício
com segurança máxima, o seu pai, que era político influente,
conseguiu para ele uma gratificação de difícil acesso,
(alegando que o difícil acesso era para os assaltantes) e como ele sofria
de acrofobia, foi dispensado da frequência,
recebendo por esta fobia uma gratificação por insalubridade, pois
a altura certamente, faria mal a sua saúde.
Chegado a hora (tão necessária) do matrimônio, escolheu
casar com uma viúva rica e com filhos e filhas e genros e noras e cunhados
e cunhadas e o escambau, evitando assim, a trabalheira de constituir e criar
família.
Quando chegava a hora do vamos ver, (o que acontecia raras vezes, pois a sacrossanta
pudica e pudibunda esposa tinha sempre um garotão disponível)
para evitar toda aquela trabalheira e esforço físico, ficava sempre...
por baixo.
Era, por ser filho de político influente, um afortunado adepto da lei
do menor esforço.
Raramente ia a médicos, pois não bebia, não comia tira-gosto
estragado de barzinhos, que fatalmente dão gastrite e úlcera,
não dava hospedagem ao temido H.Pilore nem a uma porrada de outras bactérias,
não sofria de esofagite, duodenite, enterite, colite, diverticulite (aquela
que vitimou o Tancredo), verminoses (principalmente a oxiurose [a da coceirinha]),
hemorróidas, economizando assim, muita canseira e dólares.
Mesmo estando sempre acompanhado de muitos amigos e tendo um amigo predileto
ao qual amava "com um amor melhor que o amor das mulheres" nunca fora
acusado de boiola e além do mais a jaculatória universal - vá
tomar no .. - não o atingia de modo algum, o que fez com que economizasse
vários e vários aborrecimentos.
Sempre gostou de esportes radicais e situações de alto risco (principalmente
passear por favelas), como um certo morador de uma incerta Casa da Dinda, pois
não tendo o esfíncter terminal não sabia o que era medo
e além do mais era um sortudo filho de político influente, e já
político.
Com seus cem anos bem vividos e vívidos, certamente, completará
seu bicentenário, e além do mais, é tão sortudo
político influente e filho de político influente que, mesmo não
tendo o flatuador, definitivamente, nascera com a região circunvizinha
voltada para a Lua.
XXI - O Mundo
Era filha e neta negra de pais e avós brancos.
Não era negra somente na cor, mas pertencia a raça Negra.
Negra autêntica, desde os cabelos encarapinhados da cabeça passando
pelos fartos peitos e traseiro proeminente e empinado até o solado branco
dos pés.
Sofria como toda adolescente negra criada entre brancos de classe média
alta, a ação do nefasto preconceito de cor, pois frequentava
a sociedade emergente onde dá-se muito valor à linhagem.
Finalmente agora, tendo iniciada sua maioridade, resolveu passar a limpo sua
origem e saber de toda a verdade.
Chamou sua mãe para terem uma conversa de mulher para mulher.
Conversa tangencial vai conversa tangencial vem, com explicações
genéticas inconsistentes, sua mãe resolveu abrir o jogo.
- Filha querida, amor de minha vida, você sabe que sou mulher de moral
ilibada e fortes convicções religiosas, mas o causo foi o seguinte:
Estando eu entediada, em meus aposentos e seu pai ausente por suas longas e
constantes viagens de negócio, eis que altas horas da noite escuto um
bater de asas a minha janela. Saindo do meu sacrossanto leito nupcial, dirijo-me
até a referida janela e o que vejo?! Um majestoso e lindo condor!!! Abro
a janela ciosa e ao adentrar ao recinto aquele magnífico abutre se transforma
em um irresistível e hercúleo príncipe núbio, núbil
e nu. Não deu outra - foi amor pra mais de metro - e o resultado foi
você, minha princesa núbia!
Sei que essa história parece um tanto quanto estrambótica, mas
lembre-se da história dos dioscuros Castor e Pólux pois a sua
é quase igual a não ser que, no outro caso, foi um cisne. Minha
Princesa Núbia, acredite, foi um encontro realmente divino e, por falar
em divino lembre-se da concepção do nosso Senhor e Salvador.
- Mas minha penelopesca mãe, você sabe que sou adolescente moderna
e não faz minha cabeça essas histórias meio dúbias
e ...
- Filha, falei com a alma limpa e o coração aberto e espero que
não tenha nenhuma dúvida sobre o milagre que acabo de lhe contar
e ainda, espero que não conte este nosso segredo a ninguém, principalmente
a seu pai, pois ele acha que foi um problema genético.
A adolescente deu o caso por encerrado e se dirigiu para sua suíte, mas
...
No corredor cruzou com sua avó e ...
- Quequeisso Filhoca, está meio sorumbática, que foi que houve?
Vamos até meu quartinho lá nos fundos, para batermos um papo.
Acomodadas à caminha, meio a tralha em desuso da casa, pergunta a avó:
Netinha do coração, "Qual o mal que seu peito povoa?"
- Well, Voinha, o caso é o seguinte: patati, patatá, blablabi,
blablablá; noto os olhares meio de soslaio do Pápi e do Vovô;
noto os olhares ternos do seu Benedito, o jardineiro e ... é isso ai!
- Filhoca, é isto que está deixando seu angelical semblante nubloso?
Afasta estas "tribus rubras da tarde", aceita como verdade absoluta
a confissão de sua mãe, e sinta-se orgulhosa de ser fruto de um
momento de puro amor místico, que acontece com todas nós, mulheres
especiais; e ainda, lhe digo que fatalmente, isso também ocorrerá
com você, pois esse dom todas as mulheres de nossa família temos.
- Certo, Voinha, agora estou mais tranquila e arrependida de ter passado
alguma sombra de dúvida pela minha mente com respeito a integridade moral
de minha fidelíssima Mainha. Que o nosso Senhor e Salvador me perdoe!!!
- Olha, Netinha adorada, vou lhe fazer uma confissão, de mulher para
mulher, como amazonense da gema, que sou, profundamente religiosa e incapaz
de qualquer mentira: Você não tem dois tios que são meio
diferentes dos outros irmãos e que seu avô os olha meio atravessado?
Sabe por quê?? Ambos são filhos do Boto.
XXII - O Louco
À boquinha da noite de um dia de Verão dois aposentados jogam
conversa fora em banco de um parque, enquanto servem de vigia para netos.
- Que vidinha besta! Dá-se um duro danado e acaba-se nesta situação!!
- É isso aí, Amigo! Vida de pobre aposentado é isso mesmo.
Mata o tempo até que o tempo o mate.
- Por falar em matar o tempo ... que contas de novidades?
- "Era uma vez dois poderosos inimigos a fogo e sangue que sempre se encontravam
à viração da tarde para prosear e ...
- Comequié!? Inimigos figadais que se encontram para papear!? Que loucura!!!
- E o pior é que eram Pai e Filho, mas deixemos pra lá. Ouça
a estória, home de Deus!
- Como ia dizendo, nestes altos papos um pergunta para o outro:
-Tanzinho, tens visto nas tuas andanças, meu fiel afilhado, o Jojó?
- Usinho, por que me perguntas por ele? Não é teu afilhado? Como
é que não sabes dele?
- Não sabes que vivo ocupadíssimo em criar e descriar, fazer e
refazer, castigar e passar a mão por cima, que não me sobra tempo
mais pra nada!
- É! Tenho visto teu afilhado e protegido marajá. Agora, acho
que a fidelidade é por conta da proteção que dás
para ele e ...
- Tá, Tanzinho, faço uma aposta contigo. Passa a mão na
riqueza dele e veja se ele não continua sendo fiel a mim. Topas?!
- Só se for agora!! Vou falar com umas autoridades judiciais que são
minhas amigas, um políticos que conheço e vou deixá-lo
pobre que nem Professor aposentado da Rede Pública Estadual!!
- Pera aí, Tanzinho, não exagera. Só permito que seja no
máximo, invasor cobaia do MST.
Uma semana depois ...
- Como é, Tanzinho, o meu afilhado continua fiel a mim ou já farrapou?
- Até agora está firme como Pedro antes da prisão de Jesus.
Mas também com toda aquela filharada e parentela, quem não é
fiel?!
- Pronto, Tanzinho, acaba com toda aquela macacada e vamos ver no que fica.
- Certo, Usinho! Vou entregar a meninada a uns delegados que conheço
e me ajudam e vamos ver o que se pode fazer.
Mais uma semana e ...
- E aí Tanzinho, como está meu afilhado?
- Usinho, ele esta meio balançado, mas ainda está firme, também
com aquela saúde de ferro ...
- Vá, Tanzinho, baixa o pau e deixa ele molinho. Só num mate o
home!!
- Xa cumigo, Usinho! Vou apresentar o Jojó para umas emergentes traseirudas
que conheço e as peruas vão deixar o menino com uma tacada de
DST que vai ser uma beleza.
- Cuidado! Abra do olho!! AIDS, não!!!
Mais uma semana e ...
- E agora? Meu afilhado ainda está comigo?
- Usinho, que tá, tá, mas a mulher dele já começou
a fazer a cabeça do home e ele já amaldiçoou até
o dia que nasceu!!
- Mas já falou mal de mim?!
- Dos seus lábios ainda não ouvi nadica de nada, mas ... coração
é terra que ninguém anda. Toma tento, Usinho, jajá a Jurupoca
pia, a vaca vai pro brejo e ganho esta aposta. Só lhe peço uma
coisa afasta aqueles três de perto dele e vamos ver se ele aguenta
o tranco.
- Quer saber de uma coisa, Tanzinho. Já sacaneei pra mais da conta com
o Jojó e não vou arriscar perder o afilhado. Vamos parar por aqui
e dar o dito pelo não dito, certo?
- Usinho, você é quem manda!! O diabo é quem quer lhe desagradar!!"
- Amigo, os netos já estão chamando e se não chegarem em
casa daqui a pouco quem vai piar não é a Jurupoca não,
serei eu.
- É o meu caso também!!
- Até mais ver e obrigado por ter inventado está história
tão louca para matar o tempo. Quem já se viu sacanear com outro
só por uma aposta.
Esconjuro!! Credo em cruz!!!