E ela estava linda. Um fino e delicado véu branco lhe cobria o rosto.
Desde criança, sempre sonhou com esse dia e queria estar linda quando
ele chegasse. Seus cabelos loiros e encaracolados, enfeitados por uma grinalda
de flores lhe davam a aparência de um anjo. Seu rosto estava tranquilo,
embora um pouco pálido, talvez devido à maquiagem. O vestido de
noiva contrastava com as flores à sua volta. A atenção
de todos estava voltada para ela neste dia. Como ela sempre quis.
Seu par, seu escolhido, seu amante, seu amigo para uma vida inteira estava ao
seu lado. Ele a olhava, perdido em pensamentos. Parecia nem notar as palavras
do padre que falava à todos palavras de amor, de fé, de união.
As mãos dela seguravam um lindo buquê de flores do campo como ela
queria. Seu vestido branco tinha custado todas as economias da sua família,
mas cada centavo tinha valido à pena. Ele era lindo, enfeitado com rosas
brancas rendadas, um decote insinuante e, ao mesmo tempo, comportado, luvas
de renda. Tudo feito com muito bom gosto. Os padrinhos, escolhidos dificilmente
entre tantos amigos queridos, também estavam presentes. Seus pais e os
pais do noivo também estavam lá, obviamente. Sua mãe era
só lágrimas de emoção. Seu pai, mais durão,
continha-se em olhá-la. Mas não exatamente para ela, mas para
um ponto mais à esquerda, como se estivesse hipnotizado e longe, muito
longe dali. Uma pequena multidão de amigos, parentes mais distantes,
vizinhos, conhecidos, colegas de trabalho e simples curiosos completavam a cerimônia.
Tudo foi do jeito que ela sonhara durante toda a sua vida. Religiosa e tradicional,
ela aguardou e se guardou para esse dia. Passou toda a sua infância e
adolescência num mundo de obediência e castidade, não por
imposição, mas porque acreditava nos valores morais e religiosos
pregados com prudência, moderação e com bastante diálogo
por seus pais. Quando começou a trabalhar e a cursar a faculdade de psicologia,
enfrentou todas as tentações do mundo atual com impressionante
força de vontade e disciplina. Conheceu seu futuro noivo numa palestra
sobre drogas e foi amor à primeira vista. Ele, um rapaz bonito, também
de família simples mas muito honrada, sempre foi compreensivo e respeitou
o desejo dela de se casar virgem, intocada, intacta. Foram meses de planos,
de trabalho duro, de economias, mas também de muito amor, de sonhos,
de desejos. Dois anos depois, conseguiram dar entrada num pequeno apartamento
na zona leste de São Paulo e resolveram que era chegado o grande momento.
Mais dois meses de preparação, convites, reserva da igreja, decoração,
curso de noivos, alianças, viagem da lua-de-mel.
Quando o dia finalmente chegou, ela mal conseguia se conter de emoção.
Sua mãe a ajudou a se vestir e seu pai ajudou o futuro genro com os últimos
preparativos para a festa. Ela, linda como uma noiva jamais esteve, vira-e-mexe
começava a soluçar. Um misto de felicidade, ansiedade e insegurança.
Antes de ir para a igreja, ela foi até o quarto da mãe, ajoelhou-se
diante de uma estátua de Nossa Senhora de Fátima, pediu a benção
e agradeceu. Com os olhos marejados novamente, agradeceu aos céus por
ter uma família humilde e maravilhosa, por ter um bom emprego como auxiliar
de escritório, por ter conseguido completar seus estudos, por estar amando
e por ser amada por um bom homem. Se recompôs e saiu.
Na igreja, tudo estava perfeito. o corredor enfeitado de flores. No meio, um
tapete vermelho que ia da porta de entrada até o altar. No altar também
florido, o padre - velho conhecido da família - os padrinhos e seu amado.
Seu noivo olhava para ela meio nervoso, as mãos se apertando uma na outra.
E lá estava ela, linda. De braço dado com seu querido pai, ela
começou o lento desfile em direção à sua felicidade.
A tradicional marcha nupcial começou vinda do órgão da
igreja, no andar de cima, inundando o salão com aquela melodia tão
linda, tão conhecida. Aquela música tão cantarolada por
ela, agora era tocada para ela. Seus olhos, por trás do delicado véu
branco, brilharam e ameaçaram marejar de lágrimas, mas ela se
conteve e abriu um enorme sorriso. O lindo azul de seus olhos deslizava para
os lados à medida que ela e seu pai avançavam em direção
ao altar, olhando para cada um dos convidados que iam ficando para trás
enquanto marchava devagar. Em cada rosto um sorriso sincero de aprovação
e de carinho. Um ou outro de inveja.
E, pouco a pouco, tudo isso foi ficando sem importância. O altar ficava
cada vez mais imponente à sua frente. Ela olhou para seu noivo, seu quase
marido. Ele lhe abriu um sorriso acolhedor e ela retribuiu. O órgão
da igreja continuava a marcha. Um breve olhar para o teto e era como se os afrescos
de anjos tocando trombetas que ali foram pintados estivessem tocando para ela.
Seu coração se encheu de felicidade. Felicidade à que ela
nunca desprezou mas à que sempre julgou ser indigna. Faltava pouco agora.
A grande imagem de Fátima atrás do altar lhe sorria e ela retribuiu
o sorriso. O véu que lhe cobria o rosto fazia tudo se parecer ainda mais
com um maravilhoso sonho. Ela poderia jurar que estava nas nuvens. Seu coração
saltitava dentro do peito, alegre, ansioso. Um olhar para o noivo e o desejo
se unia aos seus pensamentos.
Finalmente chegou ao pé do altar. Seus olhos agora estavam presos aos
de seu noivo. Ele tentou tranquilizá-la como o olhar, mas ele também
estava ansioso e com a felicidade quase transbordando em forma de lágrimas.
Enfim seriam um do outro. Totalmente. Eternamente. A mão dela, visivelmente
trêmula, se ergueu para que ele a segurasse. Ela sentiu as pontas dos
dedos dele tocarem as suas. Seu corpo estremeceu. Inflamou. Ela olhou nos olhos
dele e o desejou com a força acumulada de anos de espera e de paciência.
Ele segurou sua mão com suavidade e firmeza. Ela, sem desviar o olhar
dos olhos dele, sentiu uma enorme paz e alegria em seu peito como jamais sentira
em sua vida. Ela estava feliz.
Agora ela ainda está ao lado de seu noivo. Ele com o olhar distante e
perdido. Ela, linda, com o rosto tranquilo e os olhos fechados. Ele, soluçando
cada vez que tenta encontrar o olhar que, horas atrás, lhe fitava com
ternura e desejo. Ela, ainda com os olhos fechados e as mãos segurando
o buquê. O mesmo padre que estava à algumas horas atrás,
satisfeito e sorridente, estava agora com ar cansado e visivelmente abatido
declamando seu sermão com palavras de amor, de fé, de conforto.
Os pais dela ao lado do noivo, levam as mãos ao rosto novamente e irrompem
em lágrimas de tristeza, de incompreensão, de desespero. Ninguém
poderia ter imaginado que ela, a noiva, em pleno dia de casamento, no dia mais
feliz de sua vida, poderia Ter sido levada daquela forma. A imagem da linda
noiva segurando a mão do noivo e, subitamente, desfalecendo diante do
altar, ainda estava gravada no pensamento de todos, como uma tatuagem recém
desenhada na pele. Não houve tempo para socorro. Um médico, amigo
da família, tentou trazê-la de volta ali mesmo, deitada diante
do altar. Mas de nada adiantou. O noivo se pôs de joelhos diante dela
e chorou e gritou de desespero e dor. Sua querida noiva ainda mantinha um semblante
feliz e de paz.
Com o mesmo rosto tranquilo ela estava agora. Um pouco pálido, talvez
devido à maquiagem. E ela estava linda. Em suas mãos o buquê
de flores do campo. As flores à sua volta, em contraste com seu vestido
branco, davam à sua imagem a aparência surreal de um anjo. O padre
terminou a cerimônia e abençoou a, agora, eterna noiva. Os pais
dela e seu noivo se afogaram em lágrimas. Praticamente todos os presentes
choravam baixinho. Sua mãe desmaiou. O fino e delicado véu branco
que cobria seu rosto, cobria-lhe também todo o corpo, que fora ajeitado
delicadamente num lindo caixão branco. Todas as atenções
estavam voltadas para ela neste dia. Como ela sempre quis. E ela estava linda.