A Garganta da Serpente
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A Máquina do Tempo

(Gato Preto)

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A Máquina do Tempo

Finalmente era dia. Depois de uma noite mal dormida de tanta ansiedade, o dia custou a chegar, mas chegou. Olhei para o relógio em cima do criado-mudo: nove horas. Foi meu avô quem me deu o relógio, à quatro anos atrás. O ponteiro dos minutos tinha uma nave espacial em sua ponta e o das horas, um planeta de tom avermelhado. Vovô dizia que era Marte. No centro do relógio, o astro-rei: o Sol, com olhos azuis e um sorriso pálido. O ponteiro dos segundos guiava um cometa que, ao invés de vagar pela imensidão das estrelas, teve que se conformar com uma irreal órbita ao redor do Sol, em sua prisão espacial. Devo meu fascínio pelo espaço ao meu avô, que sempre vinha me fazer dormir com uma história fantástica sobre mundos desconhecidos. Mas eu cresci, vovô começou a se dedicar cada vez mais às suas invenções e, com ambos de acordo, as histórias tornaram-se dispensáveis.

Levantei-me num pulo, com toda a energia que um garoto de onze anos pode ter. Lavei o rosto e escovei os dentes, sempre com a cabeça no último invento do vovô e na sua promessa de testá-lo hoje. Desci os degraus da escada que levam à sala de estar, passei pela cozinha, peguei uma maçã da fruteira ao lado da geladeira e saí porta afora em direção à casa de meu avô. Ela havia sido comprada recentemente pelo meu pai e ficava quatro casas depois da minha, na mesma rua. Há um ano atrás, meu avô descobriu que estava com câncer nos pulmões e que não tinha muito tempo de vida. O médico sugeriu longas sessões de quimioterapia, mas vovô se recusou. Apavorava-lhe a ideia de ter que abandonar seus desgrenhados cabelos brancos e ficar careca. Ao menos, era o que ele dizia. Eu sabia que não era isso. Seu maior medo era ficar definhando numa cama, sem poder criar, experimentar, observar, calcular e anotar.

Foi assim que meu avô veio morar perto de nossa casa. Meu pai fez o melhor que pode comprando aquela velha casa branca, pois sabia que vovô não iria se sentir bem morando conosco e a velha garagem que acompanhava a casa seria um ótimo laboratório para as maluquices do velho e isso era tudo o que ele precisava para se sentir vivo.

Quando cheguei ao seu laboratório, na garagem, ele já estava lá. Sabe lá Deus desde quando. Provavelmente não havia dormido, hipnotizado com suas provetas, decantadores, engrenagens, válvulas e alavancas. Seu guarda-pó branco encardido cobria um velho de estatura baixa e cabelos brancos que lembrava Einstein a não ser pela falta do vasto bigode. Abracei-o com força. Seus olhos azuis, não sei se por causa da terrível doença, há algum tempo estavam desbotados e seu olhar estava mais perdido e alucinado que nunca. Perguntei-lhe como estava indo a sua invenção. Ainda não está pronta, filho, mas não vai demorar muito. Eu já havia escutado isso antes. Na verdade, já faz um mês que ele diz a mesma coisa. Meu sorriso desapareceu após a desapontadora frase. Larguei-o e fiquei sentado na sua cadeira de balanço, onde ele sempre ficava quando suas invenções teimavam em não funcionar. Às vezes ele ficava sentado nela por horas à fio, balançando e fumando seu cachimbo.

Fiquei observando-o e pensando o que diabos ainda estaria faltando naquela máquina do tempo. Sim, o velho tinha construído uma máquina do tempo. Um velho trator serviu como base para que o vovô instalasse uma infinidade de aparelhos, alguns de criação própria, vários adaptados de outros aparelhos. E ele não parava nunca de verificar, mudar, aparafusar, medir. Cada vez que ele desmembrava uma boa parte da tal máquina para ajustes, eu dava um suspiro de desânimo, pois era certo que levaria dias para ele devolver tudo ao seu lugar. Segundo o vovô a máquina, quando pronta, deveria avançar ou retroceder no tempo e levar tudo que se encontrasse a pelo menos 3 metros de distância dela.

A máquina estava semiligada, como um carro em ponto-morto. Fique imaginando como seria vê-la funcionar de verdade. Havia um painel em seu interior cheio de luzes coloridas que deveriam piscar incessantemente quando a geringonça estivesse ligada de fato. Esses pensamentos só faziam aumentar a minha ansiedade. Porém, mais que a simples curiosidade, eu sabia que aquela máquina poderia ser a salvação do meu avô. Do modo como o seu câncer estava avançado, poderia ser sua única chance. Voltar no tempo, antes dele ter começado a fumar o maldito cachimbo e se livrar do vício antes dele começar. Ele poderia matar as saudades da vovó que, depois que morreu ainda faz o velho choramingar à noite. Mas eu não sabia quais eram os planos do meu avô. Sempre que perguntava à ele, ele desconversava e fugia do assunto.

Pensar nas possibilidades de ter meu querido avô saudável e feliz me fez chorar. Ele sempre foi muito especial para mim. Talvez até mais que meus pais. Suas histórias e invenções, sua mente lógica e ao mesmo tempo fantasiosa, me fizeram crescer num mundo cheio de esperanças e possibilidades. Me aproximei dele e da máquina. Ele estava atrás dela, medindo algo que eu tinha certeza de que não entenderia, mesmo se perguntasse. Onde era a antiga cabine do trator, agora era uma parafernália de luzes e botões de comando e um deles me chamou a atenção. Um grande botão vermelho onde outrora ficava o volante de direção. Não precisava ser nenhum cientista graduado para deduzir que se tratava do botão que faria tudo aquilo funcionar. De repente, meu avô começou a tossir, desviando minha atenção. Ele estava tendo um dos seus acessos de tosse, que cada dia ficavam piores. Olhei novamente para o botão vermelho. Olhei em volta e percebi que, caso a máquina funcionasse, eu, vovô e metade do laboratório seríamos engolidos pela viagem no tempo. Notei também um relógio no painel com data e hora de vinte anos atrás. E vovô ainda tossia. Mais forte, dessa vez. Cheguei junto a ele e o encontrei debruçado nas engrenagens, o rosto vermelho de tanto tossir e o pior: havia sangue em sua boca.

Meus olhos marejaram imediatamente. Sabia que seu fim estava chegando. Pensei em correr até em casa, mas temi que não houvesse tempo. Ele não poderia morrer. Não antes de, ao menos, ver sua maior invenção funcionar. Sem pensar duas vezes, dei a volta pela máquina, subi na cabine de controles, sentei no banco, coloquei a mão em cima do grande botão vermelho e suspirei. Ouvi meu avô tentar gritar um NÃO atrás de mim. Chorei. Com os olhos ainda fechados, rezei para que tudo desse certo. Pressionei o grande botão vermelho e...e ohlemrev oãtob ednarg o ienoisserP. otrec essed odut que arap iezer, sodahcef adnia sohlo so moC. ierohC. mim ed sárta OÃN um ratrig ratnet ôva uem ivuO. ieripsus e ohlemrev oãtob ednarg od amic me oãm a ieuqoloc, ocnab on ietnes, selortnoc ed enibac an ibus, aniuqám alep atlov a ied, sezev saud rasnep meS. ranoicnuf oãçnevni roiam aus rev, sonem oa, ed setna oãN. rerrom airedop oãn elE. opmet essevuoh oãn euq imet sam, asac me éta rerroc me iesneP. odnagehc avatse mif ues euq aibaS. etnemataidemi marajeram sohlo sueM.

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