Cinco horas e 47 minutos. A tarde preguiçosa me convida a debruçar
sobre o peitoril da varanda e alongar os olhos sobre o Pico do Frade. Quisera
estar lá, no cume do que eu pensava ser o dedo de Deus. Hoje o vejo de
outro ângulo e me parece o seio majestoso da bela que nunca acorda. Pudera
eu agora, deitar-me sobre a maciez dos liquens que brotam de suas fendas e lambuzar-me
até ficar ébrio e adormecer....
O sol expande a sua grandeza e borra as nuvens de um tom escarlate. Revoada
de garças parecem seguir um horizonte que finda além do meu ver.
Mas um intruso parece cotar o silêncio da tarde e voa resplandecente sobre
o manguezal. Abrigo das alvas pernaltas que hoje se comprimem no leito do rio
Macaé. Pousa. Homens apressados de macacões vermelho. Não
é o vermelho escarlate que o sol emoldura o entardecer.
A natureza nos oferece a face exuberante e ainda não temos a primazia
de usufruir a sua beleza com olhos de criança. Será que seu Zé-Tibira
ainda vê muitas capivaras no pico do Frade? Será que Néu
ainda se aventura na lama fétida dos manguezais e colhe caranguejos e
guaiamus para vender na porta do Mercado Municipal? Será que eu ainda
posso vir de caiaque de Córrego do ouro até as pororocas e ver
Toinzinho pescando bagres?
A melancolia que sinto ao entardecer segue o sol plangente que se atira por
trás do Pico do Frade, levando consigo a mesma imagem que vejo, triste,
nos bolsões de miséria que se formam no entorno de nossos manguezais
e rios. Fizeram alarde sobre o P. Lagomar depois que permitiram a destruição
de uma extensa área da reserva. Fazer vista grossa para os problemas
ambientais e permitir construções sem a menor infraestrutura
é hipocrisia.
Enquanto a chama linha-azul é construída, nas suas laterais, barrancos
são erguidos já nos deixando a certeza de que teremos na entrada
da cidade mais uma imagem feia. O mínimo que deveriam fazer seria dispor
a população com moradia digna, para que não se permita
criar um gigante ruidoso que hoje é o Lagomar. Agora é correr
atrás do prejuízo e pagar por isso. Certamente a conta cairá
no bolso do povo e como sempre, terá que pagar.
No fim da tarde, a luz não é suficiente para brilhar na face da
ignomínia e eu aguardo um novo dia, um novo sol e uma nova tarde para
sonhar, entristecer ou morrer de tédio. Talvez a bela que nunca acorda,
desperte um dia e eu possa me encantar ainda mais com um entardecer escarlate,
vendo as pernaltas voarem até as margens límpidas do rio Macaé
e rio São Pedro, deixando alvas as nativas dos manguezais.
Lanço um derradeiro olhar sobre o horizonte e ainda tento me despedir
de um sol que já se pôs, como um trem que já fez a curva
e se perdeu de vista, nos deixando o vazio da despedida. Enquanto a vida agonizante
entre bromélias, cactáceas, samambaias...
Entro. Fecho a porta. Duas voltas na chave. Mais um trinco... Odeio portas!