Séria! Mas nunca carrancuda. Ainda trazia na face um pouco do brilho
da menina que sonhava ser bailarina. Quinze anos passados. Sim! Houve dias bons.
Ela não sabia se havia errado. O vazio tomava seu peito. O maldito tic-tac
do relógio não parava. Contava as horas, minutos e nada! A espera
fere, corta. A ansiedade mata. A noite provoca medo...
Pela janela entreaberta do quarto um vento vadio entra e parece querer lamber
o seu corpo. Mulher séria. Pela fresta ela observa as estrelas. Queria
ser bailarina... Levanta. Vai ao espelho. Rosto, corpo e cabelo, ainda bonitos.
O que mais precisa uma mulher?...
As vozes noturnas enlouquecem. A solidão aniquila. Pensava que ele
podia estar bêbado. Talvez na jogatina. Flertando com uma vagabunda qualquer...
Não! Quinze anos passados. Sua vida tornou-se um lamento. Sabia se calar.
Mulher perfeita, diziam!Nunca faltou uma missa! Não iria morrer se lastimando.
Chegou à janela. A brisa da noite transportava o úmido orvalho
sobre as ruas. A lua era clara. Brilhante. Teve pensamentos que a fez tremer.
Logo ele vai chegar, pensou. Ficou estática na janela. Não, talvez
ele tenha morrido, atropelado, quem sabe!? Não vai voltar nunca mais.
Será que está nos braços daquela...
Vai ao espelho. Uma lágrima desce até o canto dos seus lábios.
Parece sal. Lágrima fria de quem já se cansou de chorar. Se despe
e quase num ritual, se toca e se afaga, como que procurando a menina na mais
plena puberdade.. Que tal um vestido branco? Não! Vermelho! Abri o estojo
de maquiagem. Ainda se lembra. Queria ser bailarina. Ainda hesita, vermelho
ou branco? Escova os cabelos. Se perfuma. Sai deslumbrante. Deixa a porta aberta
e se entrega à noite, bailando extenuante pelas ruas.
Foram muitos os pedidos, aplausos, beijos e abraços noite adentro.
E ela bailando e bailando louca, nua e linda. Quando o cabaret já ia
fechar, o último freguês acena. Osvaldo. Inesquecível primeiro
namorado. Ele a pega em seus braços, recolhe seu vestido branco no palco
e a cobre, seguindo pela rua ainda marejada de orvalho...
07:20 o telefone toca. Ela acorda num sobressalto.. Alô! Uma voz pergunta
do outro lado:- Cândida, você hoje não vai à missa?