A Garganta da Serpente
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Cândida

(Geraldo Crespo)

Séria! Mas nunca carrancuda. Ainda trazia na face um pouco do brilho da menina que sonhava ser bailarina. Quinze anos passados. Sim! Houve dias bons. Ela não sabia se havia errado. O vazio tomava seu peito. O maldito tic-tac do relógio não parava. Contava as horas, minutos e nada! A espera fere, corta. A ansiedade mata. A noite provoca medo...

Pela janela entreaberta do quarto um vento vadio entra e parece querer lamber o seu corpo. Mulher séria. Pela fresta ela observa as estrelas. Queria ser bailarina... Levanta. Vai ao espelho. Rosto, corpo e cabelo, ainda bonitos. O que mais precisa uma mulher?...

As vozes noturnas enlouquecem. A solidão aniquila. Pensava que ele podia estar bêbado. Talvez na jogatina. Flertando com uma vagabunda qualquer... Não! Quinze anos passados. Sua vida tornou-se um lamento. Sabia se calar. Mulher perfeita, diziam!Nunca faltou uma missa! Não iria morrer se lastimando.

Chegou à janela. A brisa da noite transportava o úmido orvalho sobre as ruas. A lua era clara. Brilhante. Teve pensamentos que a fez tremer. Logo ele vai chegar, pensou. Ficou estática na janela. Não, talvez ele tenha morrido, atropelado, quem sabe!? Não vai voltar nunca mais. Será que está nos braços daquela...

Vai ao espelho. Uma lágrima desce até o canto dos seus lábios. Parece sal. Lágrima fria de quem já se cansou de chorar. Se despe e quase num ritual, se toca e se afaga, como que procurando a menina na mais plena puberdade.. Que tal um vestido branco? Não! Vermelho! Abri o estojo de maquiagem. Ainda se lembra. Queria ser bailarina. Ainda hesita, vermelho ou branco? Escova os cabelos. Se perfuma. Sai deslumbrante. Deixa a porta aberta e se entrega à noite, bailando extenuante pelas ruas.

Foram muitos os pedidos, aplausos, beijos e abraços noite adentro. E ela bailando e bailando louca, nua e linda. Quando o cabaret já ia fechar, o último freguês acena. Osvaldo. Inesquecível primeiro namorado. Ele a pega em seus braços, recolhe seu vestido branco no palco e a cobre, seguindo pela rua ainda marejada de orvalho...

07:20 o telefone toca. Ela acorda num sobressalto.. Alô! Uma voz pergunta do outro lado:- Cândida, você hoje não vai à missa?

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