A Garganta da Serpente
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Спасибо (Spasíba)

(G. Busch Pereira)

Promessas... Promessas. Quantas são efetivamente cumpridas? O ser humano é débil. O que o leva a fazer promessas? Culpa? Talvez. Medo? O medo é um dos maiores fomentadores da chama que move os homens. Rigidez de caráter? Honra? Nobreza? A natureza humana é egoísta. O homem é fraco. E o que o leva a quebrar promessas? A imperfeição humana é complexa. Não deve ser julgada de forma apressada. Promessas podem ser compradas? Certamente. Cabe a cada um apenas calcular o valor capaz de iludir sua consciência e encobrir seu orgulho. Dinheiro é um forte instrumento daquilo que o sonho humano alimenta: poder. Mas não foi unicamente o dinheiro que motivou a quebra de minha promessa. Também não serei hipócrita. Encheu-me o peito ver concluída a transferência de metade do valor que exigi pelo serviço. A maioria dos homens quebraria suas mais etéreas promessas pelo décimo do que ora recebi.

No entanto, aceitei o encargo porque também simpatizo com a tarefa. Raposa é sempre raposa. Jovem ou velha, sua natureza será sempre a mesma. Ao receber a ordem da tarefa logo percebi se tratar de uma das mais simples a que jamais me submeti. Exceto por um pequeno detalhe. Pequeno e incômodo detalhe. Obtive êxito em todos os trabalhos em que me envolvi ao longo de 12 anos. Era muito simples. Recebia metade do pagamento adiantado juntamente com informações e fotografias. Nunca nomes. Uma vez de posse das precisas informações, dirigia-me até o local, reconhecia o alvo, executava a tarefa, recebia a outra metade. Ponto final. Em muitas ocasiões, banhei-me de sangue. Não me orgulho disso. Mas também não é algo que tenha tirado o meu sono. Trabalho é trabalho. Tenha ou não sujado as mãos de vermelho, o cumprimento da tarefa era o que me importava. Modéstia à parte, era ótima no que fazia. Era a melhor. Então, há dois anos, sensibilizada por algo que hoje não me recordo, prometi parar. Promessas...

Há tempos não trajo este vestido. Ainda assim, vestiu-me perfeitamente. É o melhor bilhete de ingresso para qualquer ocasião de luxo. Os homens são tolos. Especialmente os que trabalham em recepções de hotéis. Não podem ver uma bela mulher loura, de olhos claros, e, sobretudo, mais alta do que eles, que se derretem inteiro. Estúpidos. Quando me virem chegar neste vestido preto semitransparente, curto até o limite; decotado até o ponto de constranger qualquer homem ou mulher, nada poderão fazer senão segurar o queixo. Tolos. Dariam o sangue caso pedisse. Se não fosse por um certo detalhe, seria esta uma das tarefas mais fáceis de se executar. Todo profissional trabalha com regras. Comigo não é diferente. Tributo meus êxitos a elas. Em verdade, quanto à execução da tarefa, fazia apenas uma exigência: nunca saber o nome da encomenda. Sempre tive problemas com nomes. Recebia informações sobre onde encontrá-la junto com algumas fotografias. Era mais do que suficiente. Contudo, desta vez é diferente. Isto me incomoda. Mas por que deveria? Embora contrarie a regra, simpatizo com o serviço. Mas o fato de conhecer o nome da encomenda torna diferente este trabalho tecnicamente simples. Mas qual o problema em saber o nome? Será que meu incômodo está relacionado com o nome em si, ou com o fato de ter de quebrar uma regra à qual sempre fui fiel? Não sei ao certo. Nomes... O que são nomes... Eu própria há muito tempo abandonei meu nome. Por que esta inquietação agora? Nomes... Nada mais são do que espectros estampados na memória dos homens. Homem é carne. Nasce, cresce, envelhece, morre. Fim. No entanto, o nome sobrevive. Talvez seja por isso que as pessoas o valorizem tanto... É através dele que suas atitudes são reconhecidas. Como é pobre a natureza humana... Ainda que motivadas pelos mais etéreos sentimentos, as pessoas somente se sentem satisfeitas quando reconhecidas. Adoram ver seus nomes impressos em jornais e revistas, alimentando, desta forma, suas fantasias, suas ilusões. Imaginam que, quando deixarem de vestir a carne humana, suas contribuições estarão eternizadas na história. E, por consequência, suas imagens, ao desprender do tempo, serão identificadas pelos seus nomes. Tolices. Chegou o táxi. Última olhada no espelho. Apago as luzes.

Quanto mais reflito, maior se torna meu incômodo. Este é apenas mais um trabalho. Ponto. Não devo pensar em nada que possa comprometer meu sucesso.

Entretanto, irrompeu-me uma ideia. Ainda há pouco me questionei se minha inquietação estava relacionada com o nome da encomenda gravado em minha mente, ou com a quebra de uma regra a qual julgo fundamental. Finalmente compreendo. Pode-se matar um homem. Já o fiz diversas vezes sem nunca ter pesado em minha consciência. Entretanto, não há como assassinar seu nome. Executar um homem conhecido implica viver para sempre com seu nome gravado na memória. Jamais o abandonaria. E contra isso não há nada o que fazer. Mas afinal, qual é meu problema com nomes? Por que estes pensamentos?

"Chegamos", disse o chofer. Nem tinha notado. Magnífico Hotel. Vejo certo tumulto na porta de entrada. Muitos seguranças. Chegou o momento. Abriu-se a porta. Desço do carro.

Os homens que trabalham em hotéis realmente são os mais tolos. Tão logo desci do veículo os seguranças abriram espaço entre o tumulto para que pudesse adentrar. Uma bela loura em um ousado vestido não precisa de convite. O salão onde se realizará a conferência está impecável. Certamente conta com os mais requintados chefes de cozinha e as mais finas bebidas.

Instintivamente, procurei sob a saia a fotografia da encomenda. Lembrei-me, então, de que não seria necessário. Passada a excitação inicial, voltou-me aquela sensação que beirava a insegurança. Tenho que me concentrar. Não consigo... Concentre-se! Não posso... De onde vem este estigma que tanto me martiriza? O que são nomes, afinal? Já tive muitos deles... Nunca me

importei com isso. Atualmente sou Nadya Iríshka. Simples assim. Nadya Iríshka... Não passa de um espectro. Ninguém jamais se lembrará dela. E quanto a mim? À verdadeira pessoa que se esconde atrás de muitos nomes?

Serei algum dia lembrada? Sinto-me triste. Não tenho família. Tão pouco parentes. Por que penso nisso? Há muito não recordo de minha família...

Amigos? Nenhum. Existirá alguém que se lembre do meu nome? Do meu verdadeiro nome que há muito abandonei? Sinto-me abatida. Minha família foi assassinada após a tentativa do golpe de 19 de agosto de 1991 em Leningrado; atualmente, São Petersburgo. Ainda não me acostumei com esse nome... São Petersburgo...

Um militar muito amigo de meu pai conseguiu me tirar da antiga URSS, prevendo para mim o mesmo destino de meus familiares. Encosto no bar. Peço uma bebida. Vodka. Deixei junto com minha terra natal meu verdadeiro nome, tendo vivido sem um porto seguro desde então. Por segurança, adotei muitos nomes desde aquele dia. Deixei meu país como Alyona Dashúnya. Passei, então, a realizar trabalhos para Miradov, o antigo militar que me acolheu. Contudo, três anos após, foi ele assassinado na cidade de Moscou. Temendo que descobrissem nossa conexão, adotei o nome de Anna Viktóriya. Continuei a

realizar tarefas para quem pudesse pagar. Estava sozinha. Trabalhava por conta. Dois anos depois, fui surpreendida por uma carta em um hotel em Paris: "Senhorita Anna Viktóriya". Nunca vi o conteúdo da carta. Sabia, entretanto, que havia cometido um erro. Abandonei o hotel bem como a Anna Viktóriya, tendo adotado o nome de Nadya Iríshka, com o qual me apresento até hoje. Lá está ele. Encostado no bar a alguns metros de mim. Devo manter-me calma.

- Como boa russa, imagino estar bebendo vodka...

- Soviética. E já terminei. Com licença.

Homens são todos tolos. Nunca consegui amá-los, exceto meu pai. Sentem-se muito superiores quando vestidos de smoking. Aproximo-me da encomenda. Surpreendentemente não fui notada. Peço uma vodka. Ele me olha. Nossos olhos se encontram. Este curto momento foi suficiente para fazer de sua bebida a última. Quando eu der o primeiro passo para fora do hotel, a tarefa já estará executada. Já devia ter saído... Algo me detém... Penso em minha querida Leningrado. Minha família está morta. Amigos, não os tenho. Talvez alguns de meus colegas de escola, caso não estejam mortos, se lembrem de mim. Duvido. Estudei em muitas escolas diferentes. Sempre fui uma fugitiva. Uma solitária. Serei apenas um espectro? Será que o meu nome morrerá junto com meu corpo? Nem me lembro da última vez em que ouvi meu nome ser pronunciado. Ele pegou o copo. Sinto-me aterrada. Tomei-lhe o copo. Meu rosto está lavado.

- Senhorita, se soubesse de seu interesse por Scotch certamente lho teria oferecido. Está tudo bem, senhorita? Por que chora?

- Senhor... Prometa-me algo... Por tudo que ama...

Bebi de um gole meu próprio veneno.

- Senhorita...

- Prometa-me que jamais se esquecerá de mim. Eu sou Pollyanne Alexandrova Medvedova, nascida em Leningrado em 16 de maio de 1970. Filha de Andrei Alexander Medvedovich, morto em 1991 em decorrência da revolução.

Sinto-me entorpecida. Faltam-me forças. Fui ao chão.

- Pollyanne?

Ele estava agachado junto a mim, olhando-me nos olhos.

- Pollyanne?

Como é bom ouvir meu nome... Pollyanne... Quase tinha me esquecido. O destino nos surpreende... O homem a quem fui contratada para matar fez-me feliz como há muito tempo não era... Peguei sua mão... Eram minhas últimas forças...

- "Спасибо" (Obrigada).

Estou de volta à minha doce Leningrado. Ouço a voz de meu pai. Sinto o cheiro da madeira queimando na lareira. Vou para meu quarto. Apago as luzes.

Finalmente durmo.

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