A Garganta da Serpente
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Os oceanos

(Fábio de Souza)

Cravei os dedos na parede para que eu não desabasse ali. senti qualquer coisa me faltar depois disso. os pés, talvez o dia, ou nem isso, sei mesmo que alguém me amparou pelos braços e disse algo, não atentei o quê, me tomando por aquele veio brusco e enrodilhando o corpo uma substância bassa e líquida, sim!, uma solução aquosa me entranhando os poros, os vasos, cada fresta possível. mergulhei?, ali mesmo no corredor, aos olhos dos outros, mergulhei inteira naquele caldo, quase um breu, mergulhei? foi o silêncio. não ouvi nada em seguida, enquanto que ia cada vez mais fundo, paulatinamente, mergulhando aquele sentido arredio, quase um nada a se atar. a boca do homem gesticulava, somente isso, nada mais. e eu ali, sem esboçar reação alguma, os dedos apenas, latejando sobre o reboco da parede pareciam o único sinal de alguma presença naquela dormência toda. não, eu não soube de imediato me agregar à carga que aquelas palavras levavam sobre o dorso. precisei de instantes, um oceano inteiro me preenchendo, já quase me vazando pelos orifícios possíveis de meu corpo. pedi que repetisse, então: "repete, doutor...", e fiquei à deriva. "eu sinto muito...". oceanos inteiros me inundaram. notei que a pele rachava aqui e acolá. pingos caiam. foi quando apaguei.

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