Olhei aquela ave parada, sozinha, estampando seu silêncio em preto e
branco. Me senti tão vazia, tão indigna das suas confissões
cotidianas, como se os pormenores da sua vida fossem muito sórdidos para
serem partilhados ou inspiradores a ponto de ensurdecerem por sua beleza.
Por um momento achei que iria chorar, que o sal daquele mar me atingia com
uma força dúbia, querendo ao mesmo tempo me arrastar para a profundeza
da minha ilusão e me consolar com abraços de espuma. Pensei que
alguém sentava com você na areia daquela praia, pensei em sorrisos
trocados e os pés descalços à beira-mar, não os
meus, os de outra, outros cabelos com respingos da água, delicadamente
amarrados em nó perto da nuca, aquela lascívia dos fios que querem
se soltar para serem seguros por suas mãos.
Respirei fundo e meu corpo desmontou na cadeira. Estava li decretado em duas
cores o fim das minhas esperanças, daqueles sonhos infantis que, de instante
em instante, ficam ruim e bons, arruínam meu dia e me fazem sorrir, a
sua lembrança e seu rosto fazendo exatamente o que eu desejo, e eu a
contemplar surpresa suas reações acreditando que são verdadeiras,
acreditando que aquilo é realmente natural e espontâneo enquanto
minha mente, como um ventríloquo sem posses e com um velho boneco nas
mãos, sobrevivesse da sua mentira sozinho, numa plateia vazia,
um louco, enfim.
E de repente pensei que aquele retrato, o mar e a ave eram você, era
a sua solidão que se expressava, a sua quietude desnuda às câmeras,
a sua pose imponente, a sua máscara; percebi e lamentei, me compadeci
da sua escolha e aceitei o fato de que você nunca fotografará pares,
porque não fazem parte de seu destino, de seu desejo. Atente que dividir
não é subtração e repare que na matemática
da vida também há contas de vezes, contos de adição
e encontros de menos.