Ela fazia planejamentos intensos a cada aproximação de passagem
de ano. Seguia o calendário cristão, mesmo sem entender suas modificações
ao longo dos séculos, pouco se importando se o mesmo já começou
em 1o de março ou se já durou 304 dias. Não ligava para
as modificações de Pompílio, Júlio César
e muito menos para as do Papa Gregório XIII. Era uma católica
superficial, que pouco se importava com Papas e Santos. Na verdade, nem católica
deveria ser. Acostumou-se com Natal, Páscoa, essas coisas.
Só sei que após o desespero de novembro e ao fim de cada mês
de dezembro, fazia resoluções sobre a nova vida que viria no primeiro
dia de janeiro. Saberia por intuição_ ou uma expectativa furada_
que tudo seria diferente, que seu mundo mudaria, que aquele emprego sonhado
seria seu, que perderia os últimos quatro quilos... E desejava aos outros
paz, amor e dinheiro de maneira tão mecânica quanto seu ato de
receber estes votos.
Quem teve a brilhante ideia de tornar a passagem de ano em um marco de
renovações, nunca imaginou que criaria tantos novos virtuosos
no início de cada ano cristão. As primeiras segundas-feiras de
novos anos são dotadas de boas intenções, as ruas abrigam
seres humanos cheios de virtudes, com novos desejos, realizações
que parecem tão próximas e simples. Pena que isso só dure
até o fim da primeira quinzena do mês, onde a expectativa desaba
junto à rotina que parece tão similar à do ano anterior...
Ela começava todo ano fazendo dieta, correndo na praia, estudando mais,
perdoando.. Tudo isso se perdia ao longo do ano, mas ela se sentia bem com a
sensação de ter tentado ser melhor por pelo menos uma semana.
Um dia, conheceu um judeu_ desses fiéis às suas crenças,
circuncidado e tudo. Apaixonou-se, sem maiores explicações, assim,
essas paixões que vêm, sem aviso, sem nexo, até mesmo sem
amor verdadeiro, mas vêm e ninguém quer explicar muito para não
tornar o momento menos interessante.
Seu desespero veio quando ela enfrentou o Rosh Hashaná pela primeira
vez, em pleno mês de setembro_ ou seria outubro? Que tontura_ e percebeu
que não havia preparado resoluções para aquele momento.
Sabia que continuaria a ter a mesma vida após a festa, mas precisava
do conforto de tentar ser melhor, mesmo sabendo que não o faria.
Pensaram que ela enlouqueceria, mas que depois de seu surto cairia na real e
perceberia que resoluções de ano novo nada mais são do
que decisões tomadas na hora errada_ e que passam junto com a ressaca
do champanhe.
Não foi bem assim... Hoje, ela comemora a entrada do novo ano duas vezes.
E faz resoluções duas vezes também. Sabe que não
irá cumpri-las, mas sente-se cheia de virtudes duas vezes por ano. Privilégio
de poucos.