A Garganta da Serpente
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Desempenho

(Firmino Bernardo)

Os sorrisos falsos dos meus colegas. Sorrio-lhes. Desconfio deles. Desconfiam de mim. Guardo os papéis na pasta, para preencher em casa.

Seis e meia. Hora de sair. Ligo à I., fico até às oito. Quero ver quem fica. Quase todos. Vontade de trabalhar mais? Medo de despedimentos? E os que foram embora? Ainda não perceberam que a direcção vai despedir os incompetentes? Será mais importante estar com a família do que ter meios para a sustentar?

Oito horas. Queria sair, mas ainda está aqui muita gente. Estão só a fingir que trabalham para verem quem fica. Ligo à I., fico até às dez.

Saíram todos antes das dez. Óptimo. Sou o mais dedicado. Pico o ponto e saio. Entro no meu carro novo. Arranco. Trânsito caótico. Engarrafamento. Telefono à I., a avisar. Ouço um CD calmo. Penso na vida. Sou feliz.

Felicidade é ter uma casa grande, um carro novo, um telemóvel moderno, telefone fixo, móveis e electrodomésticos novos, cinco televisões, vídeo, computador, Internet, aparelhagem, um fato para cada dia do mês e sei lá que mais. Felicidade é não conseguir fazer a lista das coisas que tenho.

Chego a casa tarde. Deixo o meu carro atrás do carro da I. Entro. Os miúdos já dormem, I. espera-me. Quer contar-me o dia, insisto em contar o meu primeiro.

Conto-lhe o que o chefe me disse, mostro-lhe os papéis que me entregou. A decisão de reformular a empresa, de a tornar mais competitiva. Tal como o jardineiro arranca as ervas daninhas para que a plantação possa crescer, a empresa dispensará os maus colaboradores para que os bons possam trabalhar em condições melhores, para que possam ser aumentados, para que possam receber acções da empresa como prémio de mérito. Os colaboradores conhecem os colegas melhor que ninguém e por isso cada um avaliará o desempenho dos outros e preencherá os impressos de acordo com isso.

I. pergunta se tenho medo. Respondo que os competentes não têm medo, que em breve teremos acções da empresa, que um dia farei parte da direcção. Diz-me para não sonhar tão alto. Conta-me que a empresa dispensou cem colaboradores. Ela incluída.

Casei com uma incompetente. Como é que vou pagar a casa, os carros, os móveis, os electrodomésticos e o resto, sozinho? Pede-me compreensão, diz que também posso ser despedido amanhã, ou para a semana, ou para o mês que vem. Diz que as coisas não são nossas, que não temos nada, que nos tornámos escravos do luxo.

Não quero ouvir mais, fecho-me no escritório, preencho os formulários. Saliento os defeitos dos colegas, suavizo-lhes as qualidades. O telefone toca. É um colega meu. Acha que a direcção já decidiu quem vai despedir e que os formulários são um meio de nos pôr uns contra os outros. Absurdo. Desligo sem responder.

Preparo um whisky. Interrogo-me sobre o que os outros terão escrito sobre mim. Oiço a I. no quarto, a chorar baixinho. Olho para as coisas que tenho no escritório. Parece que me olham de lado, que se cansaram da minha presença.

Bebo o whisky com duas pedras de gelo. Sozinho. Com medo.

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