Zebedeu, aos trancos e barrancos, lutando com a pobreza da vida, chegou como
pôde aos dezoito anos. Penugens esparramando pelo rosto, voz de taquara
rachada, muque crescendo e vontade de mulher arrebitando as calças. Idade
da responsabilidade e hora de decidir o que fazer da vida. Sonho de ser cantador
de moda caipira, segredo bem guardado no coração. Revelava a ninguém.
Ririam na sua cara. Afinal, nem um pandeirinho sabia tocar e quando aventurava
uma cantigazinha era mais desafinado que filhote de urubu em dia de inspiração.
Negócio era ir empurrando com a barriga. Até que apareceu a chance
de servir ao glorioso Exército Brasileiro.
Pai falou:
- Vai, fio. É profissão boa. Ingaja lá c'os home qui'ocê
pode virá dipressa arguém na vida. Demora poco cê vira cabo,
sargento...
- Mas, pai, eu tô quereno istudá!...
- É mais mió cê tê profissão primero, fio!
Istuda depois qui'ocê tivé dinherinho no borso!
Zebedeu craniou, craniou... sonhou com a farda verdinha... aquele montão
de medalhas no peito... carrinho novo... mulherada dando sopa... decidiu ir.
Seja o que Deus quiser. Na véspera tirou um sarrinho com a namoradinha
banguela. Lambuzou a moça toda de beijos, juntou umas roupinhas numa
caixa de papelão, largou Tabuí e se mandou pra Divinópolis
virar soldado.
Primeiro dia de engajamento, sargento Pedro, vulgo Pedrão ou Besta Quadrada,
coloca todo mundo perfilado e pede que cada recruta dê um passo à
frente e se apresente, com voz bem forte, dizendo nome, terra de origem e profissão.
O sargento, embora burro, era milico organizado. Anotava tudo no livrinho verde.
- Marcolino dos Santos, de Santana dos Brejos, datilógrafo!
- Manuel Procópio de Jesus, de Uruburetama, roceiro... aliás,
discurpe Sargento! Lavradô...
- Almir S. Pinto, o Mi, de Alpercatas, mais conhecida como Precata! Sou estudante,
sargento Pedrão!
O sargento ficou meio sem graça ao descobrir que seu apelido já
era conhecido da nova turma e como não gostou da desenvoltura do recruta,
resolve dar o troco:
- Esse S. aí do seu nome, por um acaso quer dizer "Sem"? E
olha, senhor Almir, estudante não é profissão!
O rapaz, todo respeitoso, cheio de medo e envergonhamento, consegue dizer:
- Tá bão sô sargento! Discurpe ieu! Bota aí entregador
de leite, leiteiro, se o senhor quiser, tá?! E o S. é S de Silva,
reverendo Pedrão!
- Seguinte!
- Esmeraldo de Jesus Cançado, de Pindura Saia! Pescador!
- Gerardo Tadeu, de Cráudio! Pedrero, sô sargento! Pedrero fazedô
de casa!
- Ô lambisgoia! Gerardo Tadeu de quê?
- É Gerardo Tadeu só, sô sargento!
Sargento escreveu no livrinho: Gerardo Tadeu Só.
- Onofre Montesquieu da Silva, mais conhecido como Quézinho, do Morro
do Tira Prosa, estudante!
- Já falei que estudante não é profissão! - Berra
o sargento com aquele vozeirão de trombone. Recrutada inexperiente até
tremia nas bases a cada grito do sargento Pedrão.
- Sim excelência, desculpe! Digamos que sou ator...
- É cada doido que me aparece!... Seguinte! Cambada de palerma!
- Zebedeu Pancrácio Assunção, de Tabuí...
- E a profissão, seu burro!
Sargento, todo vermelhão, trepando nos tamancos, não estava para
brincadeira. Zebedeu, como sabia que o sargento ia ficar fulo da vida se dissesse
que era estudante, resolve não chamar as iras sargentais sobre seu costado.
- Siguinte, sargento, eu... eu... ajudo meu pai, sô sargento!...
- E o que que seu pai faz, seu desgraçado?
- Ele?... Meu pai é... bem ele... é ajudante de fiscal da Coletoria
Municipal!... Aposentado, sô sargento!...