A Garganta da Serpente
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Apareceu emprego no Sertão

(Eurico de Andrade)

Lá nas entranhas de Tabuí tem uma serra. Serra do Urubu. No pé da serra, um rio, o Sorongo. Ladeando o Sorongo, a estrada de ferro. Bem antes da ponte, a estaçãozinha que desmoronou. Restou o desvio, com as alavancas e trilhos enferrujados. Entre as duas, - estaçãozinha e ponte -, o corte, com um barranco de uns 30 metros e lá vai pedrada. Lá de cima do barranco, Totonho aprecia o movimento dos trens que passam rápido, 20 a 30 km por hora, no máximo uma vez por dia. Totonho não perde um. Ouve o ronco do bicho, tá lá ele, em cima do barranco, dicocado, fazendo pitinho, vendo o trem passar.

Turma da estrada de ferro resolve colocar Totonho pra cuidar do que restou da velha estação. Foram fazer teste com o velho.

- Totonho, se a ponte do Sorongo cair e o trem tá vindo, o que o senhor faz?

- Vô ali e mudo a chave da lavanca do desvio pro trem mudá de rumo e pará, uai!

- E se a chave estiver estragada?

- Aí arranjo um pano vermeio, vô pra riba da linha e fico banano. Aí o maquinista me vê e pára o trem!

- Mas, Totonho, e se o maquinista não o vir, se estiver cochilando?

- Aí acho que é mais mió eu tê sempre um apito, quinem desses de juiz de futebol, e apitá até o trem pará...

Totonho foi ficando agoniado com tanto perguntamento. Doido pra garantir o emprego e ganhar uns trocados.

- Mas, Totonho, e se o trem vier à noite?

- Aí só tem um jeito: eu acendo uma fogueira pro maquinista me vê e grito e pulo até ele pará o trem!...

- Mas, fogueira, Totonho!? E se estiver chovendo?

- Aí, meu Deus!... Aí o recurso é eu tê tamém uma lanterna e fazê pisca-pisca pro maquinista, uai!...

- Tudo bem, Totonho! Suponhamos agora que você tem a lanterna, mas não tem pilha?... O que você faz?

Totonho entregou os pontos. Desanimou de ganhar o emprego.

- Óia, meu amigo, aí não tem jeito não! É muita disgraça prum cristão só. Aí eu chamo a Cota!

- Chama a cota? Que cota, Totonho?

- Óia, moço, Cota é minha muié. Chamo ela, a gente vai pra riba do barranco, acendo meu pitinho e vamo oiá e escuitá o trem disgringolá e virá pedaceira, todo espatifado, dendo Sorongo, uai!...

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