Lá fora, os caminhos noturnos. O que resta de Vale da Sombra. Temporal
temporão. Do céu, mais um Dilúvio. Do Céu. Se o
último, só Deus. Varrendo as coisas com a força duma tormenta.
Morrem a dúzia e meia de sobreviventes que, desde o início das
águas, ainda. Genocídio, portanto. Mais um no interminável
ciclo humano que se repete o mesmo, o maior espetáculo da Terra. Fosse
um Coliseu e seus cristãos dilacerados. Inobstante a cortina d'água
e as ruas sepultadas pela escuridez, pela enchente, é possível
distinguir um cavalo branco e, montado nele, alguém. Passeando tranquilos
entre ruínas, esqueletos implorando socorro, e fantasmas boiando.
Desde as primeiras palavras e gestos durante a celebração, quase
todos os fiéis percebem naquele sacerdote uma estranheza vaga. Meio sem
fisionomia definida, ela. A princípio. Um comportamento não muito
vaticano, como se estar imbuído das funções eclesiásticas
lhe causasse urticárias no espírito. À medida que a missa
peregrina por entre os bancos da catedral, e lá fora a tempestuosa noite,
seu rosto pároco mostra um escárnio quase perfeitamente por ele
camuflado na espessa floresta das palavras-evangelho. Constante a ironia, para
quem sabe ler por baixo e além do verbo falado. Nalguns dos que interceptam
a chacota, evidente constrangimento. Valha-me deusnossasenhora! Resultado, insurreição
sem passeatas, muda, um engolir seco. Daí perguntações
a si mesmos e aos vizinhos à esquerda, à direita... acordando
os que ainda cegos. Você enxerga algumas expressões desaforadas
que ele não as diz, mas gritam pelos olhos? É como muitos de nós
sempre sustentamos desde quando este rapazinho assumiu a paróquia: inexperiente
para anunciar os mistérios do Senhor. Olha, querida... longe de mim o
fuxico ou a crucificação injusta, isso é para quem falta
Jesus na alma, mas acho... Ai, dúvida dos infernos... Será que
eu digo? Minha língua está coçando... Ah, vou falar! Pecadinho
de nada... Se for! A mim ele me parece sem fé nas Escrituras. Veja: não
quero fazer da pessoa dele nenhuma Madalena, porém...
Cavalo e cavaleiro sobem a escadaria, ferros de combate e a armadura. Impassíveis,
tempestade nem houvesse. Ou não mais que chuvisco. Retira o elmo, um
persignar-se. Mas não entram, ainda. Os olhos, par de sóis desnublados,
fiscalizam o céu noturno e choroso. Ausentes as constelações
e lua cheia, ainda que fosse minguada pelas nuvens. Por breves momentos uma
dorzinha tão lâmina de espada quanto inexata: eu, nostalgia por
estar há quilômetros e quilômetros de casa?! É o que
me falta!... Dois sorrisos num só: o constrangimento e a certeza do ridículo.
Saudade, agora, é luxo para o qual falta ambiente. A missão é
importante demais para que vazios afetivos ocupem páginas em minha agenda.
Afagos, carinhoso, no pescoço do animal. Apura os ouvidos. Ouça,
meu amigo. Ouçamos o padre.
Às esgueiras como se pisassem campo minado, num acordo tácito
entre senhoras e senhores, levantam-se. Primeiro um, depois outro, pés
mudos os conduzem à porta, viram-se rumo ao altar, sinal-da-cruz, em
nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, todo o respeito. É
que a indignação, ao ouvir as palavras desconfortáveis
do padre, fala alto. Mas o grito de rebeldia, questões de etiqueta, precisa
mostrar-se silenciado. Inobstante o Dilúvio, melhor descobrir um caminho
de volta para casa. E rezar diante do oratório doméstico mesmo,
fazer o quê? Sorrateiramente, ir embora. Quase pé ante pé.
Não querem a deselegância percebida. Nem por eles mesmos. Lá
fora a Terra é água suficiente para lembrar a cada um dos fiéis
o irrevogável: seus corpos cadáveres há tempos, desde quando
a cidadezinha de Vale da Sombra ainda vivia no mapa. Tristes porque pretendiam
a missa até ao fim. E respeitada, nas conformidades. Ora bolas, há
um o roteiro sobre o qual todo padre deve ter domínio! Saúdam,
afogados em formalismos, o cavaleiro. Em todos a sensação onde
mesmo já vi este homem? Esvanecem aos poucos, enquanto vasculham, insistentes,
a memória. Em busca. Que fosse um laivo, uma quase imagem! Ao menos conseguissem
exumar alguns ossos de lembrança... Esta armadura... Este cavalo branco...
Névoas no ar, subindo: eles. Retornam ao outro lado da vida, na esperança
um dia o pároco mude a conduta ou seja substituído.
...Tomai todos e bebei. Cálice erguido, a liturgia. Santo entusiasmo...
Sempre a mesma ladainha de sempre, enfadonha, aprendida de cor e salteado nos
tempos seminários. Esmeraram-se os frades em mascarar-lhe as sombrias
tintas do futuro que, sabiam muito bem, o aguardava como um vampiro espreita
sua vítima: uma existência coalhada de proibições,
celibato enlouquecedor, labirintos que conduzem, minuto após minuto,
ao suicídio do espírito. Projetos íntimos, de tanto choro
e frustração, se rasgam nos becos da vida, fossem papel-bíblia;
se dilaceram nas encruzilhadas entre o bem e o mal, vendendo-se barato a uma
realidade sem meios-termos. Dolorem, embolorando. Fraturas expostas. Como machucam
estas hemorragias inestancáveis! Da nova e eterna aliança, que
será derramado por vós... Mas os olhos opacos de tristezas não
veem brilho na taça resplandecente, dourada, tampouco no sacrossanto
conteúdo. Fazei isto em nome de mim... Gostaria ele o destino não
o permanecesse condenado ao altar, essa mesa de sacrifícios; não
o condenasse ao esgotamento sussurrar as mesmíssimas premissas nas missas
postiças. Ao menos acreditasse, enxotadas as perguntas torturantes, nos
decretos que elas, as palavras bentas, discursam!... Mas não... Raciocínio
crítico, mesmo sem esforço encontra inconsistências no argumento
supostamente divino. O que só faz nutrir sua natureza melancólica.
O olhar murcho, por força de ofício centrado no cálice
seguro com ambas as mãos um pouco acima do nível da cabeça,
fazem dele um alheio aos arredores. Excessivamente algemado a si mesmo, a suas
próprias clausuras, tantas interrogações existenciais.
Não enxerga, ainda: os fiéis, todos, em pleno Dilúvio abandonaram
a nave que ele norteia por oceanos desnorteados, no conceito da tripulação;
a poucos metros, a enxurrada já galgando os degraus do templo; um cavaleiro,
vestido como se na Idade Média, ocupa devagar o santuário com
seu cavalo. Que é senhor dum silêncio absolutamente redondo, as
patas fossem veludo. Rédea suave interrompe o passo em frente ao clérigo
quase inerte. Ele e o cálice. Espírito devorado por uma necessidade
imperatriz: sumir! E habitar um outro mundo, uma outra existência, talvez
um jardim. Qualquer vida eremita em que nenhuma viva alma, o arcebispo tampouco,
o encontrasse.
- Mostra-me a urna mortuária na qual armazenas teus pensamentos mais
cinzas, semelhantes aos deste preciso minuto.
Razoável esperar ele se assustasse, ainda que pouco, com a pergunta repentina;
que estranhasse a presença intrusa daquela figura, ali aparentemente
fora do contexto. Mas não. Como se ninguém. Após desviar
os olhos, antes afogados em seu próprio mundinho pau-a-pique, microcosmo
mal traduzido naquele cálice ritualístico, percebe: a plateia
abandonara o teatro. Minha interpretação do monólogo, imagino...
Devo estar péssimo ator. Nada convincente. Tanto melhor. Abandono mais
cedo meu corpo ao travesseiro. Para amanhã tudo voltar tal e qual. Os
mesmíssimos roteiro, texto, cenário, rostos sentados nos bancos...
Como em todos os dias de minhas vidas idênticas, Jorge! Ira súbita.
Gesto áspero, atira longe a estola, esmurra o nada e... Súbita
calma. Cumprimenta sereno o homem a cavalo, senta-se, costas apoiadas no mármore
do púlpito, perna esquerda por cima da direita. Ainda segura o vinho
que, abençoado, descansa em paz no o cálice.
- Dos meus pensamentos, ora veja, você quer saber. Entendo. Mas não
precisava apear de sua residência, longínqua, somente para isso.
Façamos assim: descanse da viagem. A distância entre mim e o seu
mundo da lua é infinita. Aceite um trago, já que me concede a
honra da ilustre visita. Afinal, parceiros desde a nossa primeira infância,
em Capadócia. Você não era santo, eu não era padre.
Mas sempre o seu velho catecismo... A propósito, ignoro encarnação
em que você tenha me preservado de suas arengas... Lembra-se dalguma,
porventura?
- Estás a ir para muito além dos mais extremos limites teus.
- Quem sabe? Refere-se à minha ironia ou ao fato deste reverendo que
aqui estou ser mero personagem, nenhum centavo de mim? Você sabe... não
de hoje empedrei. A fé, que sempre me irrigou pouco, é fonte seca.
- És demasiado inconveniente quando assim o queres...
- Peraltices do Criador, que me fez assim, imagem e semelhança. Reclama
com Ele. Mas o importante é que o vinho, ao invés de mim, tem
estilo. Não é daquelas zurrapas frequentes em missas doutros
batinas. Beba uns goles. Vai adorar, prometo em nome Dele. É gostoso.
O estado de graça em que se é lançado é divino.
Sobre o púlpito, ao lado do ostensório, há uns salgadinhos.
Meio insossos, mas na falta de coisa melhor... Claro, tivesse molho de pimenta...
- Hóstias, leviano! Refere-se a hóstias, não a aperitivos!
Por ventura pensas estar nalguma taberna ordinária?...
- Ordinária? Não... Hóstias, é claro, o quê
mais poderiam ser? Aceite meus aplausos a você pelo esplêndido talento
dedutivo. Hóstias! Nunca mais me esquecerei, juro. Pelo resto de minha
vida. Inclusive, estavam reservadas aos presentes à homilia. Que eu preparei
com muita má vontade, redundância dizê-lo. Talvez por isso
tenham ido embora. Aceite o petisco. Olha a desfeita... Papai do Céu
fica triste... Vão sobrar mesmo... Ninguém lhe crucificará
por isso. Prometo.
- A tua hora, Jorge. O prazo findou-se.
- Outra vez levar-me daqui na garupa do seu belíssimo ginete?! Acaso
a existência é alguma trajetória orbital, repetitiva e incessante?
O velho roteiro: em torno do sol o dragão do tempo baterá suas
asas por mais anos às centenas e serei novamente jogado aqui, neste calabouço.
Para roer o osso da vida. Ainda que eu proteste. Mesma igreja, mesmas beatas
pedindo a Deus eu seja substituído... Por que vocês, magnificências
do Paraíso, tão precários em matéria de originalidade?
Chego a acreditar que eu, se você na esquina para saber se estou lá,
eu evoluiria melhor. Portanto, vamos estancar essas reencarnações
idênticas, que só me fazem ecoar ladainhas infinitamente.
- Levanta-te e anda. Sabes o motivo exato dos retornos sucessivos. Na vida
em que finalizares tua obrigação a contento, quitar-se-á
o débito.
- Jorge, meu santo... percebo, além da sua mesóclise barroca,
nítida impaciência. Calma. Ninguém mais do que eu aguarda
a chance de ir embora, largar esta igreja, este livro preto por meio do qual,
as línguas devotas asseveram, a palavra do Senhor se expressa. Mas antes...
brindemos. Saúde!
Bebe o vinho ritualístico, fosse água. Escorrem filetes do sangue
de Cristo, simbolizado pela bebida, queixo e pescoço abaixo. Nódoas
na batina. Súbito, a transmutação: sangue humano. Os músculos
da face crispam-se, comprime os olhos, estranheza. Percebe a diferença
no sabor, mas nem por isso renuncia a continuar bebendo. Arrotos e flatulências.
É-lhe especialmente prazeroso ser grosseiro perante a armadura de Jorge.
Ergue-se como quem desenha o tédio com o corpo, boceja, pega sobre o
altar duas ou três hóstias, mastiga-as, desdém. A veste
sacerdotal é sangue que não coagula, tivesse imolado um cordeiro.
- Vocês já estabeleceram a data para o retorno, a fim de que eu
possa, mais uma vez, papagaiar à exaustão todo este teatrinho
mamulengo? Santo Deus!... Eu e minha boca não somos um bom matrimônio...
Ofendi sua santificada fé! Perdoai um miserável pecador, oh! Grande
enviado do Altíssimo! Talvez melhor dissesse teatro de sombras? Entende
duma vez por todas, Jorge: não creio nas palavras que repito (e eu repito,
se você quiser), mecanismo programado para anestesiar o raciocínio.
Por favor... não suporto mais. É-me impossível o conceito
"divindade".
- Deveras? E com quem supões ter travado colóquios durante as
vezes em que retornaste à vida imaterial, Jorge?
- Não gaste comigo seu latim rococó. Desperdício. Dialogamos
eu e você... outros iluminados, vez por outra... E tantos mais, em situação
igual ou pior que a minha. O importante, porém, é: Ele nunca me
deu ouvidos, embora, no início, a ingenuidade é uma virgem que
aguarda um príncipe encantado que não chega nunca... embora no
início rogasse muito em minhas orações. Sinceras. Sentidas.
Por isso desisti. Ficou-me nítido ter flagrado a inexistência Dele.
Ao término da frase, une e aperta as mãos, pretendesse rezar.
Abaixa a cabeça, ordens de sua inseparável e tirânica agonia.
Recompõe-se imediato, como houvesse um susto. Embaraçado perante
a própria incoerência. Tudo isso é esperança inútil
de enxugar as fontes das lágrimas que me afogam por dentro? Os olhos
navegando indecisos: é possível esta luminosidade dos vitrais,
apesar da noite chuvosa? Soturnos olhos pelo fato de a vida parecer navio fantasma,
sem almirante meio a oceano amotinado, e prestes a arrebentar-se na primeira
gangue de recifes que se fizer pedra no caminho. Por razões obscuras
para ele, presume que o caos colorido formado por vitrais e altos-relevos encravados
nas paredes e teto talvez possuam o condão de reconstruir sua alegria,
perdida no labirinto dos tempos. Outra vez incoerente. É quando se percebe
manso, apaziguado, quase um anjo de estirpe. Mas, seu espírito frágil,
a cólera sempre toma posse. Nem mesmo ensaia exorcizar tamanha ira. Julga
impossível a tarefa. Rende-se ao pecado capital. Com algum prazer, até.
- Não me venha com sua tagarelice cristã, Jorge! Tenho bom-senso.
Recuso suas verdades preestabelecidas, imensuráveis! Sabe disso! Desde
quando nos conhecemos, lá nos tempos de Capadócia, sabe disso.
Entende: a tal salvação que você e os outros insistem em
me oferecer, eu a dispenso solenemente! Preciso, sim, esclareçam o motivo
pelo qual minha cruz é desmedida, tão dolorosa! Fui cristalino
o bastante, meu santo?
A impaciência já manifesta vestígios. A vontade, reprimida
Deus lá sabe como, é arrastá-lo pelos pés, tatuar
com a bainha da espada uns hematomas em sua teima. Aprenderá algum dia
este espírito esquerdo? Tantas as chances proporcionadas sem lograr êxito...
Fatigante. Mesmo para mim, afeito às mais árduas demandas. Olha
para seu ginete, amigo e confidente desde os tempos do imperador Diocleciano,
em busca de ajuda.
- Permite-me sugestão, parceiro? Cá estou, meu costumeiro silêncio,
ruminando cismas... Ferir de morte o Dragão do Mal, apesar dos inevitáveis
renascimentos e julgar-se ainda mais invencível, é bem menos cansativo
que este Jorge. Eu, você, renunciaríamos agora à missão.
Inclusive porque... veja: as águas, elas já entraram para assumir
a igreja. E a Terra, portanto. Estaremos submersos, por mais espíritos
que sejamos, se a demora mostrar-se excessiva. Apesar de sua santidade. Ouve
os badalos. A contagem regressiva chegará a zero não tarda, temos
escassos minutos para domesticar tamanha resistência. Sei, sei... Não
frequenta sua história e personalidade a fuga de batalhas. Mas...
pese. Sem pretender ferir suas convicções, acredito talvez tenha
chegada a hora de reavaliarmos procedimentos. Ora, ele é um naufrágio
inevitável, assim me parece. Insistir? É fazer votos de bom-dia
a cavalo. Em todos os apocalipses anteriores cá estivemos, a mesma relutância
sempre, mas se dava por vencido muito antes de os sinos gritarem o fim. Hoje
a história nos mostra uma face bem outra, além de não haver
mais tempo.
Decisão tomada. Afaga, segura pelas rédeas o amigo que acabara
de lhe dizer palavras lúcidas. Num impulso, pés no estribo. E
a galope sobre as águas, vence o corredor aguado, as antigas ruas de
Vale da Sombra, rumo ao satélite natural da Terra.
Boquiaberto, Jorge observa os dois saindo da igreja, atitude mesma que já
haviam tomado bem antes os fiéis. Mas como?!... Foge ao roteiro! Palhaçada
é esta? O personagem dele é sempre me levar pelas mãos
ao mundo espiritual toda a vez em que o apocalipse mostra as garras! Eu só
estava fazendo charme, é prazeroso dificultar um bocadinho. Não
que acredite no Paraíso, mas sempre me rendo, Jorge sabe. Só queria
ver até aonde o limite de sua paciência. Exagerei no brinquedo:
meu divertimento engalopou, subiu ao Céu e talvez esteja sentado à
direita do Pai. E agora? As tais escrituras estão certas e eu maldito
para todo o sempre? Lancei às águas a chance de nascer outra vez?
Adiantaria coisa nenhuma!... Apenas o ramerrão de me ver protagonista
das mesmas cenas, na mesma igreja. O mesmo tudo. Eu não progrediria milímetro
em caridade e noutros elevadíssimos atributos morais necessários
para ver o rosto do Deus de Jorge. Como sempre. Meu destino resolveu chegar
duma vez por todas, suponho.
Após as cortinas serem fechadas, algum hiato. Teias de aranha no tempo.
Reaberto para o respeitável público que o preencherá, o
Éden ficou assim constituído em suas mudanças profundamente
superficiais: as novas reencarnações de Adão e Eva, ingenuidade
nenhuma, principiaram a caminhar sobre a Terra como se a felicidade fosse vitalícia;
a mesma Serpente aguardando a chance para o Dragão do Mal florir, e florindo
plantar a fruta podre no Jardim. Um largo sorriso descarado, sem rosto exato.
O cansaço permitisse o testemunho de Jorge e também do seu amigo,
enxergariam nas bordas do Paraíso, quase caindo em Vale da Sombra, uma
batina a conduzir pelas mãos alguém sem alma. Totalmente perdido,
ininterpretável. Fora do mundo, tão alheio. Cabisbaixo, paralelo
à margem dum lago, a lua admirando-se n'água. Talvez absorto em
pensamentos. Ou talvez nem isso, tamanho o amargo cálice de angústia
que, sabe, precisará beber. Dia menos dia. Dia após dia.
Durante alguns segundos a imagem de seu amigo Jorge montado no cavalo branco
surge e ressurge na memória. Ri, mas chora, mas ri. Nem tudo perdido?
Deus queira.