Lembro do dia em que decidi abrir meu coração pra você,
decidido a declarar toda paixão fulminante e vulcânica resultante
da nossa última intimidade sexual. Levava comigo algumas frases prontas
e um coração que não se decidia entre sair pela boca ou
descer ao meu estômago para fazer companhia às borboletas que batiam
suas asas.
Para surpresa do meu "Ele sente o mesmo", encontrei uma grande
bacia cheia de gelo e clichês do tipo "Não, não
é você. Sou eu.", "Acabei de sair de um longo
relacionamento e não quero me envolver agora.", "Foi
só sexo."
Foi só sexo???
Voltei pra casa com lágrimas nos olhos, um coração semienfartado
e quatorze borboletas mortas. Resolvi me agarrar a tudo que me restara daquela
noite: boas lembranças, o número do seu celular e a sua meia do
pé esquerdo, que tanto trabalho tive para esconder e te convencer que
você já estava sem ela quando entramos no quarto daquele motel
vagabundo.
Com as lembranças frescas na memória e calçando sua meia
esquerda, passei a te enviar mensagens todos os dias, sempre amaldiçoando
aquela cruel palavra de quatro letras que insistiu em pular dos meus lábios.
E foi somente ao te rever, quando você pisou fortemente no acelerador,
cruzando velozmente a esquina e atropelando aquela velhinha de muletas, que
percebi que meus atos te assustavam.
E assim como o garoto que brinca durante 48h por dia com o videogame novo, me
viciei em te assustar. Eu confesso. Tornou-se vício, obsessão.
Passava metade do meu dia criando as mais melosas e depressivas mensagens características
de um abandonado apaixonado. E aquela maldita palavrinha, antes minha inimiga
e causadora de toda situação, tornara-se minha mais fiel aliada
e presença constante em cada linha dos meus infinitos SMS. Até
que a situação saiu de controle.
Percebi que não era apenas uma veia sádica que em mim pulsava,
mas um verdadeiro e completo sistema circulatório sádico. Os créditos
para meu celular pré-pago, arduamente adquiridos com meu salário
atrasado, já não duravam algumas semanas, mas apenas alguns dias.
Na tentativa desesperada de conseguir alguns trocados para saciar meu vício,
tornei-me membro do "mercado informal". Tentava vender tudo que minha
criatividade permitia: lascas de madeira da cruz em que Jesus fora crucificado
(dava até pra construir uma casa com tanta madeira); nós da corda
com que enforcaram Tiradentes; algumas antigas poesias escritas pelo meu avô
(dizendo eu tratar-se de originais manuscritos de Freud, nunca antes publicados);
o primeiro alfabeto que Chico Xavier psicografou; o ronco da minha tia em fitas
cassetes (jurando de pé junto tratar-se do barulho da nave do ET de Varginha
ao abduzir aquelas três garotas). Não, meu CDs não vendo
jamais.
Foi então que, graças a um panfleto recebido por uma cliente insatisfeita
com a localização do seu apartamento no céu, passei a assistir
reuniões do ASSANON, Assustadores Anônimos, duas vezes por semana
junto com meus novos amigos: Michael Jackson, Bin Laden e Raul Seixas (mas não
sou muito íntimo do Raul; ele me assusta desde a época em que
eu via seus clips apocalípticos no Fantástico).
E hoje me pergunto por onde você anda. Alguns amigos me dizem que você
mudou o número do celular (e não divulga pra ninguém).
E nem sequer pergunta mais os nomes dos parceiros com quem se relaciona sexualmente.
"É só sexo." Outros dizem que, depois de alguns
meses de tortura psicológica, calça sempre duas meias no pé
esquerdo, tem pânico de qualquer objeto que emita sinal sonoro e tornou-se
frade em um convento secreto, localizado no sertão nordestino.
Com licença, está na hora do meu Prozac.
Ditado dos índios Codiuéus: "Não canse quem lhe
quer bem".