As histórias em quadrinhos cheias de heróis, vilões, mocinhas
desprotegidas e imagens fantásticas povoaram a infância e adolescência
de enorme parte do leitorado mundial. Não se pode afirmar convictamente
que nos dias de hoje, à entrada de novo milênio, tal febre continue
em alta. Longe de ser a mudança um sinal negativo da evolução
natural da cultura humana. Outrossim, devemos ao avanço tecnológico,
fruto do esforço científico e da modernização cibernética,
o conforto dos nossos dias. Muito mais fácil para o jovem grávido
de opções e de ofertas, sentar-se à frente de um multimídia
ou refestelar-se ante a tela gigante de um televisor e embarcar no mundo fácil
do prazer lúdico de pressionar teclas e acionar controles.
A mente humana, para tornar-se eficaz e criativa, precisa, como o corpo, exercitar-se
e nada mais saudável do que o estímulo da concentração
e a magia da imagem. Quando falamos de heróis do velho oeste americano
e seus desbravadores, por exemplo, vêm-nos à lembrança os
valentes forasteiros envoltos em largos cinturões orlados de balas, armados
até os dentes. O bom, o mau e o covarde unidos em torno da mesa de um
bar estereotipado e matando o ócio com rodadas de pôquer marcadas
por blefes e sagacidade. Em dado momento, um queixoso, não admitindo
a derrota, muito menos o despeito de ver as fichas vitoriosas dos companheiros,
saca do coldre a arma e está formada a confusão. A dança
no salão é interrompida, o vaivém sobre o balcão
deslizadeiro da cerveja saltitante e espumosa em chamejantes canecos é
interrompido. Socos, pontapés, as mesas em pedaços e alguns sacos
de pancadas atirados à rua através do vidro, gemem a dor do abandono
e da derrota.
A ação situada no contexto acima fornece algo de que carece um
mero espectador que muito pouco participa do esforço de um ator de palco
ou de uma teletransmissão, embora o deleite não seja menor. Vivemos
mergulhados num mundo de imagens que nos são impostas a cada instante
e a cada ação que empreendemos; impossível fugir a essa
chusma avassaladora e muitas vezes inoportuna. São tantas as sugestões
para divertimento e lazer que ficamos atônitos. Cabe a cada um selecionar
e escolher aqueles que mais lhe proporcionam satisfação, sempre
a depender do estado de espírito do momento, procurando, se possível,
estimular a criatividade nos momentos de ócio, onde a mente relaxada
e receptiva se exercita fácil e avultosamente.
Mas voltemos às aventuras do famigerado bangue-bangue, onde impera a
lei do mais forte. A pacata cidade de Pinkville, esquecida no tempo após
o último massacre indígena, aos poucos volta à cena e desta
vez para crescer e se tornar famosa. Os cadafalsos expositores da vergonha da
condenação sem lei e sem juiz desapareceram por completo e a justiça
tomou posse; a cidade dormia tranquila. A ruazinha de terra voltou a ser
uma rota, antes era apenas uma ruazinha de terra, saudosa das rodas das diligências
e do tropel dos cavalos ameaçados pelos chicotes dos seus condutores.
Smith O'Brien, o homem responsável pela ordem em Pinkville ouviu, de
dentro da delegacia, onde, ao lado da cela vazia, escrevia em sua máquina,
a chegada de uma carruagem. Olhou as horas em seu penduricalho prateado e levantou-se.
Ao abrir a porta e ganhar a calçada, viu que era exatamente o que ele
estava esperando. Precisava receber os visitantes. Desde que assumira o cargo,
as ameaças não paravam de chegar até ele, mas não
se intimidava. Aos quarenta e quatro anos conhecera por diversas vezes a morte
bem de perto. Carregava como lembrança uma cicatriz no pescoço
abaixo da nuca, o que procurava disfarçar com um debrum habilmente cosido
à aba do chapéu. Tinha um rosto liso e sem rugas. Era louro e
os olhos azuis impunham um respeito, mas que não lhe tirava a simpatia.
Musculoso, praticou lutas marciais enquanto serviu ao regime militar de cavalaria
pesada atuando em operações de choque. Assim, não somente
a estrela que trazia no peito era a sua marca de autoridade, mas e principalmente,
um passado vitorioso e sem máculas.
Ele estendeu a mão para cumprimentar Virgínia Watson, a rica empresária
aguardada com ansiedade para a inauguração da primeira casa noturna
de Pinkville; tudo pronto à espera da sua ordem. Virgínia, segurando
a ponta do vestido anormalmente abaulado, impedia-o de tocar o chão de
terra. - Bom dia, xerife. Esperava encontrar uma recepção mais
calorosa. Onde está todo mundo?
- Espere só até ouvir o sinal da fábrica daqui quarenta
minutos. Não contávamos com sua chegada antes das seis.
- Tem toda razão - disse ao subir para a calçada e soltar o vestido.
- Não tive paciência para esperar a comitiva. Minha delegação
não passa de cinco competentes cavalheiros. - Smith olhou para a rua,
os homens desembarcavam neste momento. Três, vestidos em smoking e os
outros dois, mais jovens, em calças de tergal e camisas de seda. Ele
cumprimentou os senhores que, em seguida, entraram na delegacia com suas pastas
de couro dobradiças enfiadas por baixo dos braços. Pela semelhança
dos rapazes, concluiu tratarem-se de irmãos. - Meus filhos queridos -
Virgínia apertou-lhes os queixos ao mesmo tempo com ambas as mãos
ao apresentá-los com orgulho.
Entraram todos. Smith conduziu-os a um cômodo nos fundos da delegacia.
Uma mesa redonda, recentemente envernizada, com dez cadeiras altas de estofado
macio ocupando toda a sua orla, já os aguardava. Encimava-a um lustre
potente e todo iluminado. O colorido branco esmaltado combinava com as tonalidades
do teto e das paredes. Sentaram-se todos. Smith escancarou a janela que não
deixava à vista muita coisa a não ser um paredão lúgubre
e incolor, mas, a frescura da brisa que por ali penetrava amenizava o mormaço
do fim de tarde. Ele cochilou alguma coisa ao ouvido da sua sentinela, um sujeito
magro e de bigode, que os deixou.
- Tudo pronto para a inauguração? - quis saber Virgínia,
pousando sobre a mesa o bonito chapéu confeccionado em estofo de lã
e ornado em galões de penas douradas.
- Como a senhora exigiu. Só falta a comitiva. O salão está
enfeitado, a orquestra ensaiada e afinada e a cerveja já está
no gelo; só restam as dançarinas, o mágico, os cantores,
enfim, o seu pessoal.
- Não se preocupe, calculo que em menos de duas horas estarão
por aqui. Contratei os melhores artistas de Nashville, saíram-me uma
fortuna, mas não me queixo. É a minha primeira casa fora de Nova
York e quero que funcione à altura. Mas vamos aos últimos acertos
e recomendações. - Os homens de smoking abriram as suas pastas,
Smith, sua agenda e deram início à reunião. Meia hora depois,
Spencer, a sentinela, entra acompanhado de um garoto de calções
até os joelhos, presos por suspensórios e camisa branca de manga
curta; cada um trazia uma bandeja redonda. O bigodudo pôs ao centro da
mesa a sua, fazendo o mesmo com a outra que tomou das mãos do menino.
Em seguida retiraram-se deixando que todos se servissem dos sanduíches,
do café e dos refrigerantes que ali estavam.
Longe dali, em disparada sobre a estreita nesga de terra que cruza o enorme
descampado de verdes e incultas gramíneas, quatro diligências correm
contra o tempo a fim de alcançarem, dentro do horário pré-estabelecido,
o ainda distante povoado de Pinkville. Os cocheiros experientes não poupam
de açoites os animais, como se fosse possível imprimir-lhes velocidade
ainda maior do que aquela que já era exagerada. No interior dos carros,
lindas mulheres bem vestidas e maquiadas e homens em trajes singulares eram
esperados com ansiedade para a grande noite.
De repente, um tiro de origem desconhecida faz cair para o lado o condutor da
carruagem que ia à frente. Ela prosseguiu, agora desembestada e sem rumo.
Emparelhado aos animais em fuga e assustados, um cavaleiro em alongado galope
agarrou-se de um salto aos arreios de um dos cavalos e assim ficou por alguns
instantes, tendo ainda, e em alta velocidade, as pernas apoiadas e entrelaçando
seu próprio cavalo, o que o conduzira até ali. Em dado momento
e de um impulso certeiro e vigoroso ele lançou-se sobre um dos animais,
e agarrando-se firmemente a sua coleira, conseguiu apoiar-se. Agachado e conduzindo-se
pelo bridão, chegou ao assento e tomou as rédeas. Tendo freado
a carruagem, empurrou fora para o chão de terra, o corpo ainda com vida
e agonizante do cocheiro, utilizando uma das pernas. Percebeu ao olhar por pequena
abertura na cortina que, de dentro do carro, um braço masculino segurava
em posição de disparo, uma pistola dourada a espera do alvo no
momento oportuno.
Este momento nunca chegou, pois o fora-da-lei, muito esperto e veloz, saltou
para dentro do carro ao mesmo tempo em que fez voar com um chute a arma do destemido.
Violenta coronhada completou a investida e o homem caiu desacordado. Três
jovens e belas mulheres que, com ele, vinham no veículo, desataram a
gritar desesperadas. - Calem-se! - ordenou o malfeitor enquanto, já com
a arma no coldre, catava dos bolsos de sua vítima tudo o que era de valor.
Uma das mulheres, dentro de um vestido preto com alças, fez menção
de sair do carro, mas foi impedida por ele. - Aonde pensa que vai? - disse,
travando-lhe a passagem.
- Vou socorrer o pobre homem lá embaixo, não vê que está
sofrendo? - O bandido sacou novamente e fez dois disparos, ambos acertando em
cheio o velho, apressando-lhe impiedosamente a morte. De maneira fria e estampando
na fisionomia um sorriso diabólico, ele soprou o cano fumegante da arma
e voltou a guardá-la.
- Pronto, não vai sofrer mais; agora sente-se aí e fique quietinha
- completou, embolsando os valores que recolhera.
- Seu miserável! Covarde! - Outra jovem, bonita, de grandes olhos verdes,
disse estas palavras enquanto avançava sobre ele. Estava metida numa
grossa calça esporte, segura por um cinto largo de couro cru com enorme
fivela dourada de metal. A blusa branca, ensacada por dentro da calça
expunha dizeres exóticos e indecifráveis. Mechas do seu cabelo
loiro caíam-lhe sobre a testa com frequência e ela afastava-as
para falar. Sem pensar duas vezes, o bandoleiro desferiu-lhe uma bofetada e
a moça foi cair sentada num dos bancos. - Covarde! - repetiu, massageando
a face. - Espere até cruzar com Tommy Brown, será um homem morto
- concluiu.
- Não tenho medo de Tommy Brown e nem de nenhum dos seus capangas, minha
cara. Sou muito mais Juan Carrilo. Quando conhecê-lo saberá do
seu poder. Agora vamos! Vamos! Passem as joias e o dinheiro, e sem truques,
não tenho tempo a perder. - Dizendo isso e com o revólver mais
uma vez apontado, passou a depenar as mulheres amedrontadas e indefesas; ficaram
sem os relógios, anéis e cordões e ainda sem o dinheiro
e outros pertences de valor. A terceira jovem, encolhida em um dos cantos, tinha
sobre suas coxas seminuas uma linda bolsa oval de friso prateado feita de couro
de antílope formando quadrados pretos e vermelhos. O vagabundo, de um
só golpe, puxou a bolsa e arregalou os olhos ante a visão rápida
e abusiva da peça íntima da moça. Ela precisou cobrir o
espetáculo com uma das mãos enquanto ajeitava com a outra a saia
justa e provocante.
Ele esvaziou o conteúdo da bolsa, esparramando-o sobre o banco. Pegou
o que lhe interessava e terminou de enchê-la com todo o produto do roubo.
- Mui bueno! Que lindo regalo para minha Mariazita - disse, pulando da diligência.
- Hasta luego, chicas! - Puentes era um dos bandidos mais temíveis daquelas
redondezas. Fazia parte do bando numeroso de Juan Carrilo. Ao deixar para trás
o estrago, tendo caminhado uns dez metros, sibilou, posicionando dois dedos
entre os lábios. O som forte e estridente trouxe até ele o seu
cavalo; montou e seguiu para onde estavam os companheiros. Com um chapéu
de mexicano preso por uma fita grosseira e empoeirada enlaçada sob o
queixo e oculta no meio de sua espessa barba, ia ele satisfeito e orgulhoso
do último ganho.
A trezentos metros dali desenrolavam-se as cenas do assalto propriamente dito.
Nada menos do que doze homens comandados por Carrilo limpavam todos os passageiros.
Sob a mira dos revólveres e das espingardas de cinco deles que permaneciam
montados e dando cobertura, homens e mulheres desfaziam-se de tudo que possuíam
e fosse de interesse para os meliantes. Para trás, mortos por suas balas,
jaziam dois ocupantes que reagiram à investida. De chapéu preto
de abas largas e um manto vermelho rendado, Carrilo observava com atenção
cada movimento das vítimas, rindo silenciosamente de cima do seu cavalo
branco e saudável. Por baixo do braço comprido e cabeludo, uma
espingarda reluzia aos últimos raios do sol ainda quente. A uma ordem
sua, todos se reuniram. Ele olhou as sacolas que cada um lhe apresentou e deu-se
por satisfeito. Os homens montaram e o bando partiu em alta velocidade dando
tiros para o alto. As reações dentro dos carros foram das mais
diversas, entre comoventes e hilariantes. Muitos ficaram em trajes sumários,
cobrindo-se com as mãos, trapos e usando de outros recursos para esconderem
a vergonha.
Um dos orgulhos de Pinkville era a fábrica de tecidos, grande geradora
de empregos e de receitas. Instalada à entrada da cidade, era um marco
conhecido e respeitado. Seus quatro pavimentos viviam atulhados de trabalhadores.
Duzentas e cinquenta pessoas operavam ali, sendo a maioria mulheres. Longos
corredores abrigavam enormes máquinas teares que, com os seus giros e
roncos ininterruptos, enchiam de atividade o ambiente. As mãos hábeis
das funcionárias imprimiam-lhes qualidade e competência. No alto
da tecelagem desenhada à parede lateral, a mensagem "BENVIDOS A
PINKVILLE" saudava os visitantes. À frente de sua enorme entrada,
atravessando-se a rua, um amplo espaço livre e arredondado enchia-se
de cavalos, charretes e algumas carruagens particulares. Era na verdade um estacionamento
com chão de grama onde currais, bebedouros e uma pequena ferraria uniam-se
na assistência aos abandonados. Por trás, uma montanha pedregosa
não muito alta e achatada. Nela, tortuosas ruas foram construídas
entre as rochas e a partir do trecho em que começa a declivar.
Às seis horas em ponto, quando os últimos rebates da luz solar
castigavam as pedras distantes da montanha, anunciando o término de mais
um dia útil de trabalho, as sirenas da fábrica, orgulho de Pinkville,
começariam a se fazer ouvir por toda a cidade. A mesma cena se repete.
Muitos homens e muitíssimas mulheres invadem o grande terreno em busca
de suas montarias e dos seus veículos. À saída da fábrica,
congestionada, vendedores ambulantes fazem suas ofertas e disputam os interessados.
Trazem de tudo os quinquilheiros: Bengalas, chapéus, charutos, luvas,
bijuterias, brinquedos, doces, calçados, baralhos, livros, canetas, isqueiros,
peças íntimas, enfim, toda uma gama imaginável de utilidades
e fugacidade. Ao mesmo tempo, ao longo da rua principal, enquanto alguns comércios
fecham as portas, encerrando suas atividades, outros, como bares e restaurantes,
preparam-se com avidez para receberem uma casta especial: a dos jogadores e
bebedores. Ferreiros, cowboys, comerciantes e outros, digladiam-se pela melhor
jogada, pelo melhor blefe e, não raro, pela melhor dama da noite.
Perto dali, à porta de sua delegacia, Smith O'Brien dá passagem
à elegante Virgínia Watson; após a saída do último
componente da delegação ele fechou a porta. - Você tem toda
razão, isto aqui fica bem mais cheio de vida após às dezoito
horas - disse a mulher ao pisar na calçada e apreciar o movimento da
rua. O xerife atravessou a rua com eles e penetraram em uma estalagem cujo salão
amplo e atapetado denotava o bom gosto dos proprietários.
- Aqui terão conforto e um tratamento recomendado. - Levou-os até
à recepção; ali os apresentou ao gerente que confirmou
as reservas. Por trás de um balcão de madeira laqueada dois grandes
vasos de cerâmica ornamentavam os cantos da recepção. Deles
pendiam mudas de acácia de folhagem rendilhada em perfeita simetria.
Um senhor meio gordo e simpático, com uma gravata borboleta esverdeada,
espetada sobre um paletó marrom de cetim, bateu com o indicador num sininho
sobre o balcão e o mesmo garoto de calção até os
joelhos e suspensórios apareceu descendo de uma escada em caracol. O
gerente, um cavalheiro de terno cinza sem colete e óculos pequenos com
uma armação preta e lentes pequenas e redondas pegou das mãos
do recepcionista as chaves do apartamento.
- Queiram acompanhar-me - disse, começando a subir as escadas; Virgínia
Watson o fez por último após despedir-se de Smith. Este, saindo
à rua, ia voltar à delegacia quando se surpreendeu ao olhar na
direção do bar William a cinquenta metros na mesma calçada
do hotel. Um cavaleiro, com chapéu de mexicano e um manto vermelho rendado,
acabava de amarrar o cavalo branco a um tronco. O mesmo fizeram quatro capangas
que o acompanhavam. O xerife então mudou de ideia, decidiu tomar
uma bebida e olhar o movimento. Caminhou e entrou no recinto.
Quando empurrou as duas portas de vaivém, Juan Carrilo, já encostado
ao balcão, tendo a sua frente uma caneca de vidro com cerveja, olhou-o
com desprezo. Atrás dele, algumas mesas eram ocupadas por grupos de três
ou quatro pessoas que bebiam e conversavam animadamente. Mas, ao verem o temível
fora-da-lei e seus homens, o silêncio foi geral. Dois Colts de
coronhas prateadas guarneciam a cintura de Carrilo e impunham medo e respeito.
Smith aproximou-se do balcão. - Boa tarde, William, um conhaque duplo
com gelo, por favor.
- É pra já, xerife. - As mãos albinas de William pousaram
sobre o balcão um copo comprido e ao lado deste um cinzeiro oval e bastante
pesado para o pequeno tamanho.
- Tudo em ordem, xerife? - perguntou o pistoleiro.
- Por enquanto, sem problemas.
- Por que por enquanto?
- Tudo pode acontecer numa cidade como Pinkville, parece que os bandoleiros
andam a solta - respondeu Smith com ironia.
- Se está se referindo a mim, estou em dia com a lei, xerife - replicou
Carrilo, ainda mais irônico. - Só queremos nos divertir um pouco,
eu e meus companheiros. - Apontou por cima do ombro, seus capangas juntavam-se
a outros em duas mesas, participando de uma partida de pôquer.
Súbito, entra pelo ambiente um sujeito todo apavorado e esbaforido. As
botas estavam enlameadas e o chapéu torto na cabeça. A camisa
branca estava fora das calças, apresentando também marcas de sujeira
e desleixo. Dois botões estavam abertos e o crucifixo, pendente de um
cordão prateado, havia pulado para fora do peito. Na entrada do bar,
encostados à parede, dois barris, um por cima do outro, chegaram a balançar
com o impacto das portas que ele empurrara com violência. - Xerife O'Brien!
Xerife O'Brien! - clamou o homem agora ali, bem ao lado de Smith, com o chapéu
nas mãos; a pequenez de sua estatura sobressaía-se, atraindo facilmente
a atenção.
- Fala, homem! Aconteceu alguma coisa grave? - indagou o xerife. - A visão
do mexicano causou uma espécie de comoção no baixote, por
pouco não o fazendo perder a voz. Juan Carrilo seguia bebericando sua
cerveja sem dar muita importância a ele. Lacaio em uma das diligências,
atendeu de pronto a ordem de um cocheiro e pôs-se a galope em busca de
comunicar o mais rápido possível o fato à lei. Enquanto
desembuchava, olhava de vez em quando para o outro que passou a dar ouvidos
à conversa. Os olhos do amedrontado vacilavam entre a contemplação
da fisionomia austera de Carrilo e suas armas impiedosas. A uma pergunta de
Smith, ele estremeceu.
- E qual foi o bando responsável por tudo isso? - O mexicano virou as
costas. É claro que o lacaio não seria imbecil a ponto de entregar
o homem; seria o mesmo que assinar a própria sentença de morte.
- Na verdade não conheço o bando - respondeu com cuidado. - Devem
ser experientes salteadores das estradas, pois agiram muito rápido e
quase não deram chances a que olhássemos suas fisionomias, mas,
agiram com rapidez e muita astúcia.
- Venha comigo. Preciso registrar a ocorrência e saber de detalhes. -
Dizendo estas palavras, Smith depositou sobre o balcão o dinheiro da
bebida. Em seguida, e de um só gole, virou na garganta o restante do
conhaque e saiu acompanhado do lacaio. Carrilo, de caneco na mão e procurando
agir naturalmente, andou até a mesa onde, entretidos no jogo, seus capangas
não atinaram com a conversa ao pé do balcão. Apenas Puentes,
sapeando de fora, percebera o conteúdo do que falavam. O movimento era
intenso àquela hora, com várias pessoas entrando e saindo constantemente,
sem falar na altura de suas vozes. Carrilo chegou até ele e cochichou
qualquer coisa em seu ouvido; Puentes piscou para um dos companheiros que jogavam.
Passados não mais do que cinco minutos, Carrilo e seus homens preparavam-se
para montar e cair fora dos domínios de Pinkville pois, certamente, a
coisa ficaria preta para eles se continuassem por ali. Porém, antes que
o primeiro deles desatasse o seu animal, uma voz se fez ouvir.
- Juan Carrilo, está preso em nome da lei, melhor que se entregue, você
e seus homens.
- Quem vai nos prender, xerife, o senhor? - perguntou o mexicano, expondo um
sorriso cínico e zombeteiro, com a rédea na mão e já
ao lado do seu cavalo. Os outros cinco, mais ou menos na mesma posição,
tinham cada um uma das mãos bem próxima ao coldre, prontos para
sacarem na hora certa. O mexicano repetiu a pergunta. - É o senhor quem
vai nos prender, xerife?
- Não, nós vamos prendê-los. - A um sinal de cabeça
de Smith, a surpresa aconteceu. Pelo menos uma dúzia de atiradores, armados
de revólveres e rifles, surgiu de todos os lados, prontos para combaterem
uma possível reação. Havia homens em cima dos telhados,
dentro do bar, na rua, escondidos atrás de pilastras e no segundo pavimento
de um prédio em que funcionavam um banco, uma casa de apostas e alguns
escritórios comerciais. Smith O'Brien estava com dois ajudantes quando
proferiu a voz de prisão atrás dele à entrada do bar. Do
outro lado da calçada, a uns oito metros, Carrilo e seus capangas. Estes
já conheciam muito bem o chefe que nunca se entregava de mão beijada
e não seria agora que o faria.
Sendo assim, começou a implacável fuzilaria. O primeiro a cair
foi um dos homens do xerife; um magrinho barbudo que correu para trás
de uma carroça parada na frente do banco. O outro ajudante socorreu o
companheiro puxando-o para dentro do bar. Junto ao homem da lei, agora, mais
dois auxiliares que chegaram com a carroça e pularam rapidamente para
escaparem das balas criminosas. Uma delas acertou outro defensor da justiça
quando corria pelo telhado. Antes que chegasse a uma caixa d'água para
se proteger, foi atingido no peito. A arma, deixou-a cair para levar a mão
ao ferimento e em seguida tombar sobre as telhas, de onde rolou e despencou
até em baixo. Outro justiceiro foi atingido, o último a pular
da carroça. Resguardado por uma das rodas, quis levantar-se para impedir
a fuga de um dos bandidos. Porém Puentes, bem escondido dentro de uma
pequena barbearia, pressentiu a reação e cumpriu bem o papel de
cobrir a saída do comparsa. Dois dos muitos tiros que disparou pegaram
de cheio e mais um foi derrubado. Com a perícia e agilidade que faltaram
ao companheiro morto ao seu lado, Smith, que havia terminado de recarregar o
rifle, derrubou-o do cavalo, com dois tiros nas costas.
O fogo cruzado não parava. Quatro homens da lei já tinham sido
atingidos enquanto apenas um bandoleiro de Carrilo fora morto. Enquanto isso,
dentro da barbearia, uma cena se desenrolava. Puentes protegia os companheiros
e mantinha atrás de si o velho barbeiro, magro e de cabelos encanecidos,
amarrado a sua cadeira de trabalho. A primeira coisa que fizera ao iniciar-se
o tiroteio fora entrar ali e expulsar o único freguês da casa.
Este saiu com a cara ainda cheia de barba e fugiu como pode para dentro do bar.
A atenção de Puentes era toda voltada para o lado de fora e ele
sequer procurou verificar a existência de uma entrada pelos fundos. Por
isso sentiu, em dado momento, a pressão leve e fria de dois canos em
suas costas. Sem alternativa, soltou a arma e virou-se lentamente. Dois ajudantes
de Smith, um louro e outro moreno claro, conseguiram, sem serem vistos, dar
a volta pela outra rua e penetrar pelos fundos da barbearia. Sob a mira e a
revista da eficiente dupla, gritava para Carrilo e os demais ao lado de fora.
- Tenham cuidado, eles conseguiram me pegar; fujam enquanto é tempo.
Nesse momento, a uma ordem do chefe mexicano, o grupo, agora cinco com ele,
dispersou-se rapidamente. Dando tiros para todos os lados, todos correram aos
seus cavalos, saindo de trás de seus escudos protetores. A carroça,
atrás da qual escondiam-se o xerife e mais um homem, era um dos alvos
mais visados por encontrar-se mais próximo do que os outros. E também
pelo fato de ser Smith um perito atirador. E foi ele novamente quem conseguiu
derrubar outro pistoleiro; os demais escaparam ilesos.
Conduziram Puentes para a delegacia. Smith O'Brien e mais dois assistentes submeteram-no
a um açulado interrogatório. O mexicano, sentado em uma das cadeiras,
na mesma sala onde havia se reunido com o xerife, o grupo de Virgínia
Watson respondia com frieza e ironia as perguntas que lhe eram dirigidas. Tinha
as mãos algemadas sobre a mesa e o chapéu caído nas costas.
- Onde estão os valores que roubou dos passageiros de uma das diligências?
- perguntou um dos assistentes, um homem magro e de bigode; sentava-se cara
a cara com Puentes. Tinha os dentes muito brancos e estava trajando um casaco
de couro marrom. O bandido teve que levantar as duas mãos manietadas
para coçar o nariz; fungou antes de responder.
- Terão que perguntar ao meu chefe, mas não deixem de estar bem
protegidos.
Smith estava de pé na porta dos fundos. Numa das mãos tinha um
charuto. Enquanto acompanhava o interrogatório, dava umas baforadas jogando
a fumaça para o lado de fora do recinto. Estava encostado, como a descansar
sobre a ombreira o peso do corpo. Os pés estavam cruzados e o outro braço
apoiava-se no outro portal como a impedir que desabasse.
- Você matou um homem a sangue frio, Puentes. Saiba que já possui
crimes mais do que suficiente para ser julgado e condenado à forca -
disse o xerife; Puentes torceu o pescoço para olhar para ele.
- Não tenho medo de suas ameaças, xerife.
- Não são ameaças. Você está preso, vai a
julgamento e será enforcado em praça pública. - O mexicano
cuspiu para o lado num gesto de escárnio e desprezo às palavras
de Smith. Depois falou:
- Pois não dou vinte e quatro horas até que Juan Carrilo e seus
homens estejam aqui para libertar-me.
- Pois desta vez eu pago para ver, amigo, não será tão
fácil assim. Que venha Carrilo, ele não sabe o que lhe espera.
- Dizendo isso, saiu deixando ordens para que trancafiassem muito bem o bandoleiro.
Conduziram-no à jaula e o atiraram lá dentro enquanto Smith contornava
a repartição pelo lado de fora e ganhava a rua.
Ia atravessar para o outro lado quando foi surpreendido por repentino tropel.
Teve que ser ágil ao pular de volta para a calçada, livrando-se
de uma carruagem que surgira de uma curva, parando bem a sua frente. Logo em
seguida, outras três fizeram o mesmo e estacionaram em fileira. O ar ficou
meio nublado pela poeira levantada e assim permaneceria por longos e poluídos
minutos. Em poucos instantes o interior da delegacia estava completamente tomado.
Smith e seus assistentes tiveram muito trabalho para conter alguns mais exaltados
que, ao reconhecerem Puentes, quiseram fazer justiça com as próprias
mãos.
Passados uns quarenta minutos de tensão e nervosismo conseguiu um acordo
com os artistas que participariam da inauguração marcada para
as dez horas. Já eram oito e meia da noite e o ambiente geral não
era nada propício a um evento deste porte. Então, chegaram a um
entendimento. Às nove, na presença de Virgínia Watson e
sua delegação, decidiu-se por um consenso geral e amistoso, adiar
para o dia seguinte a grande festa. Dentre os mortos estavam o mágico
e um famoso cantor; precisavam portanto procurar substitutos à altura.
Teriam pouco mais de vinte e quatro horas para isso.
Smith conseguiria, finalmente, descansar um pouco após um dia agitado
e repleto de situações inesperadas. Desde que viera para Pinkville
assumir a ordem e a lei, ainda não encontrara um local definitivo para
fixar moradia. Até que o fizesse, a família, composta da mulher
e um casal de filhos, ficaria em St. Louis, onde morava. Por enquanto, dormia
ele em um hotel, o mesmo que hospedara a comitiva.
- O Sr. tem visita, xerife - disse o recepcionista gordo, de gravata borboleta,
ao entregar-lhe a chave do quarto. Smith olhou na direção de uma
saleta anexa à recepção, ligando-se a esta por um vão
abaulado e espaçoso. Tinha uma iluminação escassa, o que
era proposital para dar ao ambiente um tom de calma e sossego. O colorido do
papel que enfeitava as paredes refletia-se nas poltronas dispostas em círculo.
No centro, uma mesinha expunha um pequeno vaso de planta artificial no meio
de alguns exemplares de jornais e revistas. Um velho, recostado sobre a poltrona
menor, folheava um periódico. Perto dele, numa das extremidades de um
sofá de couro marrom, um jovem casal trocava beijos e palavras amorosas.
Na outra ponta do sofá, Tommy Brown fez um pequeno aceno para cumprimentar
Smith. Ele fechou a revista que tinha nas mãos e a recolocou sobre a
mesa.
- Obrigado por atender ao meu chamado - agradeceu o xerife, já a sua
frente e de mão estendida. Tommy apertou-lhe a mão.
- Vim, logo assim que soube tratar-se de Carrilo. Não vejo a hora de
confrontar-me com ele. Temos um velho impasse que precisa ser solucionado. -
Dizendo isso, voltou a sentar-se, oferecendo a Smith um lugar a seu lado no
sofá. Tommy Brown cruzou as pernas, deixando visível a roseta
dourada de sua bonita e reluzente espora. As botas pretas eram novíssimas
e a calça de brim azul escuro era encimada por belo cinturão preto;
apenso a este, do lado direito, um coldre com arma e cartucheira. Usava um casaco
azul de veludo. Tommy Brown tinha a pele clara, mas, não era tão
branco como a maioria dos seus compatriotas. Era de descendência indígena,
cabelos e olhos pretos e um sotaque sulista. Por causa da sua simpatia e seu
jeito atraente, dava muita sorte com as mulheres. Nunca precisou fazer muito
esforço para conquistá-las. Em Little Rock, no Arkansas, onde
se criara, conquistou, ao lado do pai fazendeiro, a glória e a fortuna.
Mas, ao saber que a missão de Pinkville tinha a ver com Juan Carrilo,
largou tudo e veio imediatamente.
Conversaram um pouco, colocando em dia os assuntos antes de falarem sobre os
reais motivos do encontro. Mas, o dia fora tenso demais para Smith e ele deixaria
para o dia seguinte o principal. Passados vinte minutos ou pouco mais, subia
o xerife para o quarto, a fim de recuperar as energias esgotadas no decorrer
de um dia tenso, véspera de outro, sem dúvida, cheio de aventura,
mas, totalmente imprevisível, onde tudo poderia acontecer. Quando se
despiu para o banho, teve o cuidado de soltar da camisa suja e suada, a sua
estrela, símbolo do seu poder. Enquanto depositava, num cesto, as peças
de roupas que usara, ia o distintivo sendo colocado com cuidado e carinho em
cima da mesa do aposento. Ao lado, um porta retratos exibia o sorriso feliz
e descontraído dos três maiores amores de sua vida.
Não muito distante dali, reunida numa velha casa transformada em ponto
de encontro, uma súcia maldosa e provida de grande astúcia, traçava
planos estratégicos às próximas investidas. Com certeza,
a libertação de Puentes era a prioridade do grupo chefiado por
Carrilo. Isto porque um assalto ao banco de Quennland, a vinte e cinco milhas
de Pinkville, seria o próximo alvo da quadrilha e, para isso, Puentes
era insubstituível por ser o maior estrategista neste tipo de crime.
Sendo assim, ao romper do sol da manhã seguinte, parte da quadrilha,
doze homens a cavalo e sem poupar estardalhaço, invadiram a cidade que
ainda dormia e tomaram, à força, as dependências da delegacia.
Desnecessário dizer que foi debalde qualquer tentativa de reação
por parte dos dois únicos carcereiros que faziam plantão. Após
entregarem Puentes de mão beijada, foram amordaçados e amarrados
em duas cadeiras, costa com costa, permanecendo nesta posição
incômoda até que, por volta das sete, o xerife os libertou.
- Quantos eram? - perguntou Smith à sentinela, magra e de bigode, depois
de desfazer o nó do lenço que lhe pendia à boca.
O homem massageou os pulsos doloridos pela forte apertura das cordas antes de
responder.
- Eram no mínimo dez, chefe.
- Carrilo estava com ele?
- Eu acho que não; pelo menos não esteve aqui dentro. - Quem respondeu
foi o outro ajudante. Este era mais velho do que Spencer, mas, tinha três
vezes mais corpo e resistência. Era muito branco e possuía os cabelos
ruivos e olhos verdes. Deu muito trabalho aos homens que o imobilizaram; estava
sangrando em um dos cantos da boca devido a um soco que levou de um dos bandidos.
No restaurante do hotel à uma e meia da tarde daquele mesmo dia, reunidos
num almoço pré-combinado, estavam os cérebros capazes de
um arranjo eficaz que pudesse levar ao enfrentamento vitorioso do grupo de Juan
Carrilo. Virgínia Watson fazia-se acompanhar de um de seus assessores
e os dois filhos. Em frente a eles, na mesa comprida e ornada com três
castiçais prateados sobre uma toalha muito branca, estavam Tommy Brown
e George Lane, o mais influente empresário. Nas extremidades, Smith e
Richard Kent, o prefeito de Pinkville.
- Quinze anos de lutas e sacrifícios foram dedicados ao crescimento desta
cidade - disse George Lane do alto de sua sabedoria e experiência evidenciadas
pelas cãs e confiança no tom de voz. - Não estou propenso
a permitir que um bando de mexicanos fora-da-lei venha ameaçar a nossa
paz e destruir a nossa felicidade. Conte com a minha colaboração;
diga-me de quantos homens vai precisar e eu os fornecerei.
- Preciso pensar em qualidade antes de tudo. Quero homens destemidos e muito
eficientes no manejo de armas. Não quero pensar em perdas - foram as
palavras de Smith. Virgínia fez a sua proposta:
- Meus meninos são peritos com suas pistolas e podem contar com a ajuda
deles, também. Certo, queridos? - Os dois rapazes apenas sorriram, dando
a entender que estavam de acordo.
- E quanto à quantidade, Tommy, quantos acha que são? - quis saber
o xerife.
- Não tenho muita certeza atualmente. Temos que estar preparados para
qualquer surpresa. Em todo caso, creio que nunca age com menos de quinze homens,
mormente se continua sendo o covarde que sempre foi. Se conseguirmos reunir
um terço a mais de elementos, estaremos bem.
O prefeito usou da palavra para advertir do perigo que corria a sua cidade ao
por realmente em prática o plano que ali acabara de ser traçado
e que objetivava, de uma vez por todas, dar um basta à carreira hedionda
e criminosa de Juan Carrilo e todo o seu bando. Reforçou, entretanto,
a sua confiança em Tommy Brown e no xerife O'Brien para um resultado
positivo. Às quatro horas e quinze minutos, deu por encerrada a reunião,
desejando a todos boa sorte e um final feliz à empreitada.
O grande problema agora era atrair Carrilo para a cidade. Certamente que esta
era uma tarefa para Tommy Brown. Após a saída do restaurante de
todos os que participaram daquele importante encontro, Tommy permanecia em seu
lugar à mesa. Acabara de acender um dos seus charutos prediletos e bebericava
o café de uma xícara. Para perto de si viera Smith O'Brien. -
E então, como vamos fazer? - indagou o xerife. O outro deu uma tragada
forte em seu charuto, jogou para o lado a fumaça e respondeu:
- Reúna todos os homens, partiremos daqui a uma hora direto ao esconderijo
deles. Faremos um ataque surpresa. Por certo já estão preparados
para algum tipo de reação de nossa parte, mas, terão muito
mais do que esperam.
- E assim, às quatro e meia, em frente à repartição
policial e tomando grande parte da rua, um poderoso grupo estava formado. Sob
o comando de Smith, auxiliado por Tommy Brown, não menos do que vinte
e dois cavaleiros aguardavam em suas montarias a ordem para abalarem-se até
o local onde um confronto, por certo, seria a sua recepção. Mas,
para isso estavam preparados. Deviam ser superiores, não só em
número como também em experiência.
A casa ficava em uma planície onde muito poucas residências se
lhe avizinhavam. Após trinta minutos de ligeira cavalgada por uma trilha
íngreme de pedra e savana, o terreno principiava a alterar-se para um
extenso bosque de espécies variadas, mas, que eram pobres em quantidade
e em tamanho. Cortando o arvoredo, diversas trilhas ofereciam opções
e podia-se ver o destino de algumas delas. Eram casas simples, em madeira e
poucos cômodos. As que possuíam curral tinham também celeiro,
poços artesianos, área para pasto e outras comodidades, mas, não
passavam de uma meia dúzia. Porem era numa dessas que se reunia o bando
de Carrilo.
O grupo foi dividido em dois. Tommy Brown e xerife O'Brien assumiram de cada
um o comando. Chegaria um por trás da residência e o outro, o de
Smith, permaneceria de longe, escondido e dando cobertura. Só que, no
interior da casa não havia mais do que seis pistoleiros, distraídos
em jogar e beber; falavam alto e alguns davam risadas descontraídas.
A uma ordem de Tommy Brown houve a invasão e todos foram presos. Na verdade,
havia um outro meliante que não fora visto por nenhum dos homens que
compunha o grupo que vinha com Tommy Brown. Quando este irrompeu casa adentro,
o bandido encontrava-se no banheiro, cuidando de suas necessidades fisiológicas.
Ele se assustou com o repentino estrépito de animais e o alvoroço
de vozes. Mas, teve sangue frio o bastante para esperar no que ia dar a investida
dos justiceiros.
Com calma e cautela compôs a vestimenta e em seguida colou o ouvido à
porta a fim de tentar reconhecer alguém pela voz. Como não conseguiu,
arriscou sair de onde estava. O banheiro ficava nos fundos de um corredor, à
esquerda de onde houvera a invasão. O homem, moreno, de bigode e usando
calça escura, botas marrons e um blusão surrado de poliéster,
deixou, bem de fininho, o recinto. Caminhou lentamente pelo corredor e, sem
que ninguém percebesse, penetrou num dos quartos. Dali, apurando os ouvidos,
identificou a voz de Tommy Brown. Sem muito pensar, andou até uma janela
que estava entreaberta. Olhou para fora e não viu ninguém. Subiu
no parapeito e, de um salto, ganhou o chão de grama. Agachado, do jeito
que caíra, saiu apressado e desapareceu por entre as árvores do
bosque. O grupo de Smith encontrava-se frontal à casa, mas, dificultado
pela distância, que não era pequena, embora fosse estratégica,
não teve como perceber a fuga do fora-da-lei. Ele saiu pela lateral e,
muito habilmente, alcançou a mata; parecia um coiote no rastro de uma
presa.
Não é preciso muita imaginação para supor-se que
este pistoleiro, ao sair dali, iria direto ao encontro do seu chefe a fim de
notificá-lo da emboscada e, meia hora depois, quando chegou Carrilo e
o resto do bando, já nada encontraram. O que havia era não mais
que as consequências de um ato de justiça. Sobre as mesas,
marcadas pelas cinzas dos cigarros dos charutos fedorentos que ainda ofendiam
o ambiente com o fantasma da sua poluição, viam-se cartas. Baralhos
desfeitos e esquecidos. No meio delas, em uma das mesas, um bilhete. Tommy Brown
deixara uma mensagem para o seu inimigo nº 1. "Já sabe onde
estou. Venha se for homem. Minha vingança o aguarda".
Carrilo largou com fúria o papel que rasou da borda mesa a sua frente
e foi se perder atrás de uns sacos embaixo da janela. Antes de sentar-se,
chutou um tição de lenha negro e ainda quente para um canto da
sala ao lado da lareira. Ajeitou o manto e comentou com o outro, mas, como se
falasse consigo mesmo: - Não sabe o que lhe espera, este infeliz; vou
dar-lhe uma lição e acabar com isto de uma vez por todas.
O sol ainda brilhava no horizonte sobre os picos distantes de Pinkville quando
Carrilo penetrou na cidade, acompanhado de não mais do que três
elementos, entre eles Puentes. Uma a uma, as portas dos estabelecimentos comerciais
que ainda davam ao local aparência de um centro urbano, foram, aos poucos
e timidamente, sendo abaixadas por seus proprietários temerosos e precavidos.
Sabiam, por conhecerem-no [e as consequências de sua chegada a qualquer
lugar, que era o melhor que tinham a fazer em detrimento do lucro certo: salvar
a própria pele da violência e da malvadeza de Juan Carrilo.
Porém, dentro do bar, já esperavam por ele. Ou melhor, as pessoas
que, naquela hora bebiam e jogavam, envoltas em suas conversas e trapaças
rotineiras, não eram as mesmas que compactuavam com a desavença
prestes a desenrolar-se na cidade. O cheiro do conflito, a antecipação
do mal, pervagou no ar, misturando medo e ansiedade. Então, as mesas,
antes em festa, ficaram solitárias e esquecidas; o balcão esvaziou-se
e ainda se via alguns bancos recém desocupados apagarem-se de vez na
inércia após o último giro de seu assento, causado por
quem se levantou dali abrupta e apressadamente. Apenas a notícia de que
ele havia chegado foi suficiente para causar todo este rebuliço. Um velho,
em roupa de ferreiro, espécie de macacão de gabardina, todo sujo
e empoeirado, que costumava entrar ali todo final de tarde para tomar o seu
sagrado gole e conversar com os companheiros, foi quem alertou para a chegada
dos meliantes. Ao olhar da calçada em frente ao bar para os cavaleiros
que chegaram em alvoroço e ver quem eram, meteu a mão na porta
com vigor e empurrou-a para dentro. Segurou-a antes que ela voltasse contra
si e gritou a plenos pulmões: - Juan Carrilo e seu bando acabam de entrar
na cidade; estão vindo para cá! - O velho, então, esqueceu
a bebida e tratou de salvar a própria pele. Sem querer olhar para trás,
para não conhecer a distância que o separava do grupo, esgueirou-se
pelo canto da calçada que margeava o bar e, vinte metros à frente,
desapareceu numa esquina.
Sem se importarem com a azáfama de pessoas que deixavam a casa a se dispersarem
na rua para todos os lados, os bandidos se aproximaram, apearam de seus cavalos
e, dentro em pouco, passaram a ser os únicos ali dentro. Carrilo andou
entre as mesas vazias, a contemplar a ironia de canecos ainda cheios com a cerveja;
muitos ainda espumejavam a espera de serem devoradas. Ele agarrou um deles,
levando-o à boca. Tornou a pousá-lo ruidosamente enquanto eructava
de satisfação e superioridade. Em seguida, olhou em derredor,
sentiu o melancólico abandono do ambiente e disse com sarcasmo:
- Acho que nos enganamos de cidade, rapazes. Esperava encontrar por aqui uma
verdadeira preparação para o evento do ano, como me disseram que
seria. Já que não estão aqui, vamos até à
nova casa, deve estar lá aquele covarde. - Dizendo isto, dirigiu-se à
saída, mas, o que viu, fê-lo estancar o passo. Já do lado
de dentro do recinto, de braços cruzados, a exibir um ar de seriedade
e confiança, Tommy Brown o observava.
- Não precisa mais ir a lugar nenhum, Juan Carrilo, já encontrou
quem procurava. - Ao ver que, por trás de Tommy, a figura do xerife O'Brien
surgia empurrando a porta e penetrando também no ambiente, Puentes levou
a mão à cintura na intenção de sacar o seu revolver,
no que foi impedido pelo comparsa.
- Deixa estar, companheiro - falou, sinalizando com uma das mãos para
Puentes que se encontrava a uns três metros de distância, no meio
do salão. Ninguém vai levá-lo de volta para a prisão
enquanto eu estiver por aqui. Sei que o xerife não suporta quando alguém
escapa de sua cadeia, especialmente quando solto por mim. Mas, antes de proferir
nova voz de prisão, ele terá que presenciar um acerto de contas;
vai ver-me acabar com um metido a valente e bonitão. - olhou zombeteiramente
para Tommy Brown. Os outros dois fora-da-lei, um pouco atrás de Puentes,
no fundo do bar, trataram de esvaziar cada um a sua caneca de cerveja. Estavam
encostados ao balcão e acompanhavam o desenrolar da cena. Tommy Brown,
na sua calma característica, deu dois passos para frente. Agora foi Carrilo
quem levou a mão ao coldre.
- Não se preocupe, moço - disse Tommy, parando junto a uma mesa.
- O valente e bonitão nada tem de covarde e muito menos de traiçoeiro.
Pelo menos neste aspecto não me igualo a sua laia.
- Seu moleque atrevido, vai ter o que merece. Ninguém ofende desta maneira
a Juan Carrilo. - Dizendo estas palavras, sacou furiosamente a sua arma para
alvejar o outro. Porém, um estampido, repentino e certeiro, fez voar
para longe o Colt do mexicano, acertando-lhe, de raspão, a mão.
Ele ficou espantado com a ação rápida e eficiente de Smith
O'Brien. Mesmo assim, porém, demonstrando frieza impressionante, sacou
do bolso da calça um lenço escarlate e limpou com ele um filete
de sangue que lhe escorria do dorso da mão, resultado do leve ferimento.
- Não devia ter feito isto, xerife - ameaçou, guardando o lenço.
- Poderá se arrepender tremendamente.
- Não tenho medo de suas ameaças, homem - disse Smith, enquanto
guardava o revolver. Carrilo, porém, lançou para Puentes aquele
tipo de olhar que, tanto este quanto os outros capangas, já sabiam o
que significava. E a ação veio como resposta imediata. Puentes
foi o primeiro a disparar a fim de dar proteção ao chefe quando
o mesmo procurava, entre saraivadas de balas, um local dentro do salão
onde pudesse aguardar em segurança o desenrolar do tiroteio. Um dos bandidos
logo tombou morto, atravessado por duas balas da arma de Tommy Brown. Caiu no
fundo do salão, derrubando cadeiras antes de estatelar-se no chão
frio da casa. O outro, já amedrontado com a pontaria e destreza dos justiceiros,
tentava escapar, atirando, enquanto subia de costas os degraus da escada interna
que conduzia ao segundo andar. Mas não foi muito longe. Atingido pelo
xerife que, mesmo de onde estava, próximo à porta de saída,
conseguiu acertá-lo no coração, rolou escada abaixo e seu
corpo sem vida veio juntar-se ao do outro.
Agora restavam Puentes e o próprio Carrilo. O primeiro, ao ver que estava
em desvantagem e, não querendo ter o mesmo fim dos seus comparsas, imediatamente
desfez-se de sua pistola; lançou-a com certa força por cima da
própria cabeça. E ela foi cair atrás do balcão.
Causando um colossal alvoroço de vidros. Que se espatifavam antes de
se desfazerem em cacos por todos os lados. A arma fora de encontro à
porta de vidro de um armário. Que guarnecia garrafas de vinho e whisky;
o estrago foi total.
- OK, cavaleiros. - O mexicano, com as mãos para o alto, exibiu um sorriso
misto de tensão e malícia. - Poupem sua munição.
Puentes sabe quando é chegada a hora de se entregar. - Smith então
se aproximou, de arma em punho, tendo na outra mão um par de algemas
que tirara do bolso da calça enquanto caminhava.
- Pode abaixar as mãos e bem devagar. Não tente nenhum truque.
Não terá nenhuma chance desta vez.
Puentes, no entanto, permanecia na mesma posição, enquanto seus
olhos erravam no vazio, denotando um certo disfarce. - O que está esperando?
- perguntou o xerife e, logo percebeu um movimento. Com espantoso reflexo, virou-se
e desferiu violento soco no rosto de Juan Carrilo que, segurando pelo gargalo
uma garrafa, acabara de erguê-la no ar para descer sobre a cabeça
do homem da lei. Tampouco Tommy Brown percebera a aproximação
dele. Carrilo saira de dentro de um banheiro, ao lado do balcão, cuja
porta aberta para o lado de fora não permitia que fosse visto.
Mas Tommy Brown valeu-se do seu talento para salvar a vida do amigo e defensor
de Pinkville. Quando o covarde Puentes sacou de uma faca, presa estrategicamente
à parte de trás da aba de seu sombreiro, para cravá-la
nas costas de Smith O'Brien, foi alvejado pela incrível pontaria de Tommy.
A não menos que seis metros da cena, ele atirou e a bala, como que guiada
por um controle remoto, acertou o bandido na testa, saindo pelo outro lado.
Por momentos, a faca, espelhando o brilho da luz tremeluzente do recinto, pairou
em sua mão, enquanto os olhos, mais uma vez e, derradeiramente, encararam
o vazio. Daí, soltou o metal e caiu para trás. Morreu de forma
horrível, olhos arregalados, contemplando as trevas do outro mundo. Na
verdade, não iria fazer a mínima falta por aqui.
Carrilo, caído entre duas mesas, recobrava os sentidos. Porém,
ao por-se de pé, percebeu a situação de desvantagem e por
instantes viu, estampado nas cenas diante de si, o fim inapelável da
sua carreira de criminoso e fora-da-lei. Levou a mão à cintura,
mas, só encontrou o coldre vazio e impotente. Olhou os companheiros aniquilados
e não pode esconder a frustração e o ódio de ver-se
dominado.
- Só resta entregar-se, Juan Carrilo; acho que não vai querer
ter o mesmo fim dos seus amigos - disse Smith, com o par de algemas em uma das
mãos e a pistola na outra.
- Vejo que não tenho outra saída, mas, ainda assim, proponho um
acordo - falou, olhando com firmeza para Tommy Brown que permanecia no mesmo
lugar de onde alvejara Puentes: próximo à porta de entrada. -
Deixe-me eliminar, em duelo, aquele patife, em troca da minha liberdade e para
nunca mais por os pés nesta cidade.
- E se perder - interveio Tommy Brown - poupará nossa cadeia de ter que
abrigar e alimentar um verme como você. Pode deixar, xerife, há
muito que espero por esse momento.
- Tem certeza do que está querendo, Tommy?
- Nunca estive tão convicto, dê-lhe a arma.
Smith examinou a arma que portava na cintura do lado esquerdo. Abriu e fechou
o tambor verificando as balas. Entregou-a a Carrilo. Este, com um sorriso sardônico,
não escondia a satisfação de ter uma chance de ganhar a
liberdade. Meteu no coldre a pistola e sugeriu: - Comece a rezar, moço!
Vamos ver se é mesmo tão bom como dizem.
- Vamos para fora - ordenou o xerife, passando a acompanhar cada movimento do
mexicano.
Os últimos raios de sol refletiam debilmente por trás das colinas
de Pinkville. Ao movimento rotineiro das turbas trabalhadoras, acrescia-se inúmeros
curiosos quanto ao desenlace dos acontecimentos. A cidade havia parado. Os prédios
fizeram-se pequenos demais e suas portas e janelas estreitas para abrigarem
os que não queriam perder o espetáculo.
Os dois já estavam frente à frente. O manto avermelhado de Carrilo
subia e descia com a força do vento que assobiava; ele arrancou-o com
fúria, atirando-o para longe. A uns dez metros dali, já preparado,
Tommy Brown o observava impassível. Seus cabelos compridos esvoaçavam
ao sabor da refrega. Ele pensava: "saque, seu patife, que vou mandá-lo
para o inferno".
Parece que Carrilo leu a mente do outro pois, cuspindo para o lado para disfarçar,
sacou, com incrível agilidade e disparou. Tommy Brown levou a mão
esquerda ao ombro e caiu. Na verdade, jogou-se ao chão. Enquanto caía,
já com o revolver na mão direita e engatilhado, fez dois disparos.
Juan Carrilo foi ao solo soltando um grito de dor e de derrota. Duas balas,
obedientes e fatais, cravaram-se-lhe no peito, pondo fim a mais uma carreira
inútil.
Tommy Brown levantou-se, olhou ao redor e checou o ombro ferido. Acercaram-se
dele o xerife e um ajudante. Na delegacia cuidaram do ferimento e o trataram
como herói. Entre os que o parabenizaram, alguém que não
via a hora de tudo aquilo ter um final feliz e, quase todos que ali estavam
iriam entrar noite adentro felicitando Virgínia Watson. Tudo pronto para
o grande espetáculo.