A transformação começa depois de uma ducha quente, visto
meu roupão vermelho e vou para o quarto, gosto de me vestir e me preparar
para a noite ouvindo música, uma música específica, sempre
a mesma....Portishead-Roads.
Visto cuidadosamente as meias de seda e o body branco, prendo os cabelos e
faço a maquiagem, visto a peruca rosa e o salto 10.
Ninguém consegue entrar na alma de quem está por trás
desta imagem. Apenas um homem até hoje conseguiu decifrar meu enigma
e sabe de todos os meus medos, fantasmas e todas as minhas mais loucas fantasias.
Visto um casaco 7/8 e saio. Noite de sexta-feira é sempre muito agitado
na "Blue Room" onde trabalho. O locutor avisa que sou a próxima
a fazer a apresentação, a luz adquire um tom dourado e aconchegante,
toca a minha música. Por momentos esqueço os olhos sedentos dos
homens nas mesas, almas solitárias buscando afogar as mágoas,
esquecerem as dores e tentar mandar pra longe a insônia, almas perdidas
em sua própria escuridão, vejo olhos de fogo, olhos de tesão,
olhos de fome, olhos de solidão.
Esqueço de tudo o que existe ao meu redor e meu corpo desliza e se contorce
lânguido, sensual e faminto, sensual e solitário. Aos poucos tiro
o casaco e sinto meu corpo já quente se encher de um desejo louco e como
se houvesse ali um amante invisível faço sexo com ele...ajoelho-me
seminua de frente para os olhos da noite e com as velas que estão ao
meu redor castigo minha pele e derramo o líquido quente nas costas...
nos seios...nas coxas...nessa hora a música se torna mais vibrante e
meus gestos mais rápidos até sentir o êxtase da música
e do liquido quente no meu corpo, um castigo, um prazer, uma dor...Ninguém
vê, só eu sei que nesse momento choro.
Antes de terminar noto um estranho na plateia. Ele é diferente,
não deve ser daqui. Logo as luzes se apagam. Acabou.
A madrugada e as ruas vazias me fazem sentir uma solidão insana, sinto
falta de uns braços em volta do meu corpo, sinto falta de todos os homens
que desprezei, de todos os amores que evitei viver por medo de sofrer. Dos homens
que eu vi ficarem para trás chorando enquanto eu partia, fria, sem sentir
nada...apenas queria ficar sozinha. A solidão me chama.
Noite de sábado eu só me apresento no "Blue Room" sempre
para o mesmo homem, um milionário entediado da vida e que vem ali apenas
me olhar. Um tipo estranho e de pouca conversa, sempre com seu copo de Chivas
sem gelo e uma garrafa cheia ao lado, na mesa. Quando entro no quarto, pronta
para o que seria mais uma noite me deparo com o estranho homem que estava outro
dia no bar.
Ele tem olhos misteriosos e tristes, ele olha não para meu o corpo,
ele invade minha alma, meus pensamentos, ele entra em mim e me faz abaixar o
olhar, ele toca meu corpo sem tocar, ainda sobre o impacto desse momento a música
começa a tocar e danço
lentamente para ele, inesperadamente ele levanta-se e vem dançar comigo.
Mas não dançamos. Apenas nos abraçamos, forte, forte,
como se fossemos um do outro, como se fosse um reencontro, sinto o calor morno
e excitante sendo transportado aos poucos do corpo dele para o meu corpo gelado,
sinto o cheiro dele e sim, eu já sonhei com este perfume, e sinto os
lábios dele: leves, doces aquecendo minha boca, um beijo suave e intenso
como nunca senti. Só conheço beijo de predadores, beijo de sexo.
Sinto as mãos dele tocar a pele da minha cintura e meu corpo inteiro
estremecendo com um simples gesto como esse. Não sei quanto tempo durou
o abraço, só sei que estou no chão, nua, ele me beija inteira,
desvenda meu corpo com as mãos...me toca e me leva ao mundo surreal do
prazer do toque...Ele pouco fala. Suas mãos e seu corpo, seus olhos dizem
tudo.
Amamos-nos como dois amantes separados pelo tempo, distância ou qualquer
outra barreira, com fome, com ternura, com pressa, com saudade, com paixão.Foi
como se tivesse feito amor à primeira vez na vida.
Ele partiu e foi como se tivesse levado metade de mim, prometeu voltar, mas
nunca mais o vi pessoalmente.Vejo-o nos meus sonhos, nas minhas fantasias, nos
meus delírios e nos pesadelos. Só queria saber onde ele está,
se está bem, quem é ele. Investiguei durante seis meses, mas nada
descobri, o nome que ele dera era falso e pagou em dinheiro.Ninguém sabe
quem ele é, nem de onde surgiu.Seis anos se passaram e até hoje
ainda espero por ele.....
Estou num café perto da minha casa, vejo o jornal em cima da mesa e
na primeira página uma manchete pequena do lado esquerdo me chama a atenção.
"Volta hoje para o Brasil depois de seis anos o escritor Nel, enquanto
esteve fora escreveu um livro com lançamento previsto para Junho com
o título de Velvet" E mais nada.
Ele escreveu um livro com o nome que eu usava há anos atrás no
"Blue Room"até o dia em que ele apareceu por lá.
-Preciso encontrá-lo, mas onde? Ele vai me procurar no BR.
Está tudo fechado, ninguém atende ao telefone. Sento no banco
no outro lado da rua e espero. Enquanto o tempo passa eu me faço mil
perguntas:
-Por que ele não ligou, por que não deu notícias?
Um carro para em frente a Blue Room, vejo que é ele e meu coração
dispara. Ele bate, ninguém atende...ele leva às mãos a
cabeça..e quando se vira encontra meus olhos nos olhos dele.
Ele atravessa a rua para falar comigo, mas um som abafado e ensurdecedor me
atordoa, o som de pneus se arrastando no asfalto e o silêncio gritante
e infinito....
Ele trazia um livro para mim, mas não pode me entregar.
Ajoelho-me e beijo seus lábios, olho pra ele pela última vez
e vou embora com o livro que ele escreveu para mim.... novamente pelas ruas
desertas...agora sem ninguém para esperar, agora serei eu apenas e minha
inseparável solidão e a última frase que ele me falou antes
de partir:
"Don't stop believing"