Olhei ao redor e senti o mundo girar. As cervejas que eu tinha tomado começavam
a fazer efeito. Era gozado, nos últimos meses eu passava os dias inteirinhos
bebendo sem sentir sequer uma tonturinha. Lá pelas seis da tarde parece
que todas elas resolviam fazer efeito ao mesmo tempo. Gozado, tempos estranhos.
Resolvi dar uma volta pela praça e chegar num café. Lá
estavam Dirty Harry e Paul Kersey tomando um cafezinho na mesa seis.
Sentei bem atrás deles e fiquei ouvindo o que conversavam. Falavam sobre
armas e as diferentes expressões que os homens tinham ao morrer. Dirty
falou que certa vez ao matar um homem de origem latina os olhos do cara tinham
saltado pra fora em torno de cinco centímetros e depois ricocheteado
de volta para dentro das cavidades oculares. Kersey lembrou de uma vez que matou
uma prostituta que tentava acertá-lo com uma navalha. Segundo ele ao
acertar um balázio bem entre os olhos da piranha sua menstruação
descera toda, formando uma poça de sangue fedorento em torno do corpo.
Interessante acompanhar a conversa desses dois matadores sangue frio. Eles falavam
de cadáveres e tripas escorrendo como se falassem de uma luta de boxe
ou uma rinha de galos. Eles tinham o distanciamento necessário a quem
exerce uma profissão.
Invejei terrivelmente os dois. Como escritor dificilmente eu conseguia manter-me
afastado, passionalmente falando, dos temas que eu tratava. Muitas vezes, como
no caso de uma baranga que eu havia comido, eu sentia uma necessidade louca
de destruir com palavras aqueles que me faziam sofrer - e aqueles que me faziam
sorrir - já que eu não poderia destruí-los de fato, sob
o risco de ver o sol nascer quadrado eternamente. A destruição
interminável, que acabava e reiniciava no segundo seguinte, era uma constante
na minha vida. Assim como as cervejas que eu tomava e não faziam efeito,
parecendo esperarem estarem todas unidas e fortes para me derrubarem no final
da tarde. Mas elas nunca conseguiam. Era só dar uma chegada no café
e ouvir Dirty Harry e Paul Kersey conversando. Ao longe, Clint Eastwood e Charles
Bronson vinham de mãos dadas. Passaram em frente ao café e saíram
fora do meu campo de visão, com suas sombras se estendendo para além
do infinito, naquele fim de tarde onírico e agradável. A tontura
já estava passando. Era hora de pedir mais uma cerveja gelada.