A Garganta da Serpente
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O pastor

(Daniel Ricardo Barbosa)

O pastor é meu. Dizem que ele é a ponta da flecha que mostra à sociedade para onde se deve caminhar, mas não, ele é só meu. Aleluia!

Ele é um moreno alto, bonito e gostoso. Os ternos que usa escondem as suas formas, o que é bom, mas eu sei o quanto ele é gostoso. É uma delícia, por exemplo, a culpa que o pastor sente depois que fazemos amor. Parece uma criança ajoelhada a pedir perdão ao Pai por alguma bagunça feita ou por não dividir o doce. Adoro, nesta hora, lembrar-me das palavras que o pastor me disse ao ouvido alguns minutos atrás. Sua voz trêmula e ofegante, o suor a pingar... São tantos palavrões!

Enquanto goza ele sempre diz sacanagens, xinga baixinho, as palavras soando como elogios. Depois é só esperar um pouco: logo o pastor se senta na beirada da cama e passa os dedos entre os cabelos. Fica quase uma hora orando! É uma graça! Então ele se veste, nos vestimos e saímos um ao lado do outro, as nossas mãos se esbarrando.

Quase sempre é hora de irmos para os cultos. O pastor faz questão da minha presença. O sangue de Jesus tem poder! Suas pregações são invariavelmente entusiasmadas. Acho que a tal culpa que ele sente funciona como um combustível. Fico feliz em ajudá-lo! Aleluia!

O pastor salta agora, enquanto faz perguntas e afasta os demônios de uma convertida. Ah, o pastor! Lembro-me de quando o conheci, o tanto que me ajudou. Nem fumo mais ou tomo álcool. O Pai seja louvado! Costumava frequentar igrejas e centros espíritas, mas o pastor salvou a minha alma me levando para a sua cama.

No começo foi difícil, a sua mãe não aceitava o nosso relacionamento. Porém, Deus fez os Seus arranjos: logo a velha morreu e a casa ficou por conta do nosso amor que, aliás, era bem exacerbado.

Nunca foi tão dolorido: o pastor é grande! E olha que já tive alguns namorados, mas nenhum assim. E exatamente por isto era tão bom ele me agarrando na sala, na cozinha, no banheiro... Sempre uma grande novidade!

Hoje somos mais tranquilos, mas não frios. Acho que manter o nosso "caso" escondido é uma ajuda. Sei que os fiéis só fingem não conhecerem a nossa história, mas o pastor é respeitado e ninguém ousaria infringir esse respeito. Além disso, a estabilidade de seu emprego e o salário modesto, mas acima da média, contribuem para que estejamos sempre bem. Inclusive por que todos sabem que o pastor é só meu.

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