As aves do céu pertencem ao céu. E se têm asas, é
da natureza delas voarem entremeio aos ventos e nuvens desta atmosfera tosca.
Tive o prazer de voar com elas, as aves do céu. Criei plumagem sobre
a pele de meu corpo torto, criei leveza nos ossos, uma imaginação
que me fazia levitar na órbita da realidade, desprender-me dos subterrâneos
do ar.
Assim foi que conheci as criaturinhas aladas que povoavam o enigmático
abismo que cerceava a cúpula celeste do meu imaginário infante.
Periquitos, papagaios e pardais... Eles que foram o alvo de meu olhar tão
inocente, uma representação singela de meus gestos...
Agora as coisas tomam novo rumo. Já não mais os tenho, eles, os
periquitos, os pardais e papagaios. Morreram todos de ataque cardíaco.
Quisera eu engaiolá-los, mas meu senso de liberdade não me permitia
que cometesse horrendo crime. Vê-los pairando contra as adversidades do
vento era para mim algo de extrema grandeza. Lembro-me até quando ficava
horas tagarelando com o papagaio que vovó criava no enorme quintal de
sua casinha pequena.
Falávamos sobre as questões da extinção, o que seria
deles, os alados, num futuro não muito distante. Aqui e ali, os comentários
maldosos acerca daquela nossa relação animalesca. Eu mais parecendo
um besourão de asas, uma carcaça já deteriorada pelo tempo
anômalo, e eu sabia que os gafanhotos haviam invadido naquela manhã
mesma as plantações do mundo todo...
Necessário criar armadura sobre o corpo-frágil, criar dentes afiados,
que é para mostrá-los. Meus amigos eram daquele jeito, produtos
de um mundo que vocifera maledicências, um mundo-torto, cambaio e ao avesso
do que deveria ser. Sentir é difícil onde já não
há mais sentimento. Fazer-se entender onde todos, súbito, ficaram
lelés e surdos, não mais satisfaz a intenção de
mudança do anjo que se expressa sobre um tamborete colocado nas quatro
esquinas do tormento.
E aí me esparramo pelo asfalto pegando fogo, lágrimas evaporando-se
e tomando o céu. Pássaro pelado que sou, engaiolado.