A Garganta da Serpente
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Flor do masoquismo

(Danna D)

Meus cabelos outrora belos se encontram colados à cabeça, sem viço, puro óleo, de tanto ficar deitada. O odor que se desprende de meu corpo é um misto de suor, de restos de perfume e de sujeira pois não me banho há mais de 24 horas, nem tenho vontade de fazê-lo. Meu hálito recende a álcool e remédios, soníferos que tomei para só acordar quando pensasse menos em ti. Sim, tu, meu amor maldito, meu amor odioso que exulta com minha dor e sofrimento. Que bom seria se pudéssemos nos amar em ambiente de paz e harmonia, mas isto não existe para nós. Somos duas almas absurdas, dois párias fracassados, condenados a se agredirem mutuamente, digladiarem, se destruírem, em nome do amor que um sente pelo outro. Estranho amor o nosso. Tu, movido pela impulsão de me atormentar, me ferir a todo custo e eu, necessitada de tua compaixão. Até hoje ignoro se fui eu que te tornei assim. Vai ver já estavas pronto e encontraste em mim um terreno fértil para vicejares. Só sei que és mais do que esperava. Transformaste minha vida em verdadeiro labirinto, inúmeras galerias, corredores, que percorro, aflita, em busca de tua genuína identidade. Até quando me confundirás? - sei que tens especial prazer nisto. A dúvida, sempre a maldita dúvida a pairar sobre tuas ações e sentimentos. O escárnio e a humilhação contínuos, a cusparada no lugar do beijo, a carícia que nunca sei discernir.

Tantas vezes me deixaste com os seios cobertos de saliva, morta de desejo. Simplesmente saíste, sumiste e eu fiquei ali, palpitante, vendada, esperando mais. Assim me deixaste por horas ou teriam sido minutos que julguei intermináveis? Por vezes nem voltaste. Gosto tanto quando te sinto dentro de mim! Sei que te regozijas ao me ver tremendo de gozo, dependente do prazer que me proporcionas. São multiorgasmos encadeados retesando meu corpo que, em meio a convulsões, desenha um arco no ar enquanto minhas coxas, febris, te enlaçam. Lágrimas de prazer me umedecem os olhos, a lassidão me envolve, o devaneio. Me entrego a ti sem recato, sou tua, me toma da forma que melhor quiseres. Despudorada me abro para que me inspeciones, me invadas, me partas ao meio, me vires ao avesso. Sou tua escrava, tua gueixa, tua serviçal. Me usa!

Lânguida, abatida, com olheiras, mal conseguindo andar... Sensualidade à flor da pele, olhos brilhantes, assim me deixas, meu amor. Mas também sabes infernizar minha vida, desde simples implicâncias até verdadeiros tormentos que me desestruturam, me levam ao desespero e à agonia. Aí me perco, afundo na depreciação, fico doente. Duvido do teu amor, amaldiçoo nossa relação estéril. Como podes ver teu jeito de amar me faz mal, me destrói, me arruína. Quebraste meus limites, já me submeteste a tantas provas, o que falta mais? Para mim não adianta desesperar, tampouco implorar. És um amo rígido e inflexível, não sei te abrandar. Teus açoites golpeiam profundamente minha carne, atingem minha mente, nada me é poupado. Grito, esperneio, revolto-me. Inútil. Nada te comove. É imperioso que me castigues, que tenhas o mando, que nunca te permitas curvar ante meu pranto, minha dor. É vital que sejas impiedoso pois pensas que do contrário irei procurar outro senhor. Por acaso és cego? Não vês que meu coração cativo está agrilhoado a ti? Que não tenho mais honra, dignidade, nem amor próprio, tudo sacrifiquei no altar que erigi ao nosso amor? Minha alma acorrentada sangra, enquanto meu corpo molambento verga. Quando afinal quebrarei? Lembro-me das bonecas de rosto de porcelana da minha infância, que por uma queda descuidada se fragmentavam em pedaços impossíveis de se colar. Tinha-se que repor um novo rosto. E eu? O que irão repor em mim se estou toda quebrada? Em minha mente atordoada afloram diversas maneiras de acabar com essa vida miserável, desgraçada, mas que só é assim porque dessa forma a delineei. Para mim não há perdão, tampouco simpatia. Sou uma masoquista empedernida, atraída pelo sofrimento como a flor para a luz do sol. Que venham, então, a angústia e o infortúnio, quanto mais melhor. Que venha a dor até a exaustão. Que meu corpo chafurde na sarjeta pois lá que é o meu lugar. Mas que não me privem de ti, meu carrasco opressor! És o látego que me dilacera, o desprezo que me aniquila, o lamento que me liberta, a lágrima que me absolve. Vem para mim, não me deixes esperar mais, te peço! Chorar na tua presença, sofrer por tua ausência, não sei, confesso, o que é pior. Vontade de ti, meu amor!

(Escrito em maio de 2001)

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