'Uma imagem vale mais do que mil palavras'. Não sei quem é o
autor dessa frase, mas, caso cruzasse com ele na rua, agarraria seu pescoço
e diria: "Cara, concordo plenamente!". E não é só
porque, talvez, eu prefira o cinema à literatura: considero escrever
mil palavras um desperdício.
Todavia, nossa história começa com três palavras:
- Bom dia, Roberto.
Você não sabe quem é Roberto e eu não dei nenhuma
dica de como ele pode ser. Vamos, sinta-se perdidamente livre, imagine Roberto
sendo acordado por uma linda modelo gaúcha que lambe sua orelha enquanto
diz: "Bom dia...". Ou imagine uma linda família, como num comercial
de margarina: a mãe está preparando o café, quando seu
marido entra na cozinha vestindo um pijama azul... parece muito careta? Tudo
bem. Então Roberto pode ser o namorado de um outro homem, um bem-sucedido
casal homossexual.
Nada disso. Roberto é um analista de sistemas desempregado e gordo, que
mantém um casamento falido com Estela, que o cumprimenta com um "Bom
dia" assim que acorda. "Bom dia" esse que nunca é correspondido,
pois Roberto sempre está concentrado em algum jogo de computador, o qual
jogara a madrugada toda. Há dois meses eles não passam uma noite
juntos. Após sua dose de indiferença diária, Estela olha
para o chão e caminha para a cozinha, onde consome de setecentas à
mil calorias em bolachas, pão e café com açúcar.
Desde que se casou, engordou dezessete quilos. Os primeiros, devidos aos jantares
e idas a restaurantes, os outros devidos ao complexo de rejeição
e ao tédio. Estela evita espelhos e sente nojo do seu corpo ao tomar
banho.
A primeira comunicação do dia acontece, quando, ao ouvir a esposa
abrir a geladeira, Roberto grita: "Pega uma coca-cola pra mim!" Ele
toma de cinco a sete latinhas de coca-cola por dia, hábito que está
lhe causando descalcificação dentária e arrotos.
Quando Estela sai para o trabalho, Roberto vai dormir. Ela também trabalha
como analista de sistemas. A claridade da tela do computador aliada à
uma predisposição genética fizeram com que tenha que usar
óculos grossos. Iria colocar lentes de contato em março, mas em
janeiro o marido perdeu o emprego e ela não pode pagá-las. Não
é possível saber se ela é feliz com o que faz, já
que seu rosto não expressa nada durante as dez horas que passa na empresa
onde trabalha.
Roberto geralmente dorme dez horas por dia, das sete da manhã até
às cinco da tarde. Assim que levanta, faz um desjejum à base de
cheetos de queijo e coca-cola. Frequentemente não toma banho, preferindo
passar o tempo na frente da TV ou simplesmente olhando para o teto.
Quando Estela chega em casa, por volta das sete da noite, Roberto tem seu grande
momento de lazer do dia. A cena:
Ela abre a porta. Cansada demais pra dizer "Boa noite, Roberto", passa
direto da porta para a cozinha. Roberto desencosta do sofá e com um sorriso
no rosto diz: "Cadê meu ovo frito?", acentuando o último
'o' de 'frito' com um circunflexo. Quinze minutos depois, Estela vai para a
sala com um prato com três ovos fritos e arroz. Eufórico, ele pega
o prato e aperta a tecla play do controle remoto. Logo surge na tela um filme
de ação (Van Damme é seu favorito), o qual ele irá
assistir três ou quatro vezes seguidas. A última comunicação
do dia acontece quando, ao ver a esposa voltar para a cozinha, Roberto diz:
"Pega uma coca pra mim!"
Cada vez, Estela passa essas horas da noite de um jeito diferente: às
vezes comendo na cozinha, às vezes suspirando trancada no banheiro, às
vezes vendo um filme com Roberto e se imaginando casada com Silvester Stalone.
Mas não vemos mais Estela. É como se ela desaparecesse. Durante
mais uns trinta segundos vemos Roberto assistir ao filme. Então sua imagem
vai escurecendo até sumir completamente e então nada mais faz
sentido. Você está chorando e sentindo enjoo.
Roteiro e direção
Dawn
Cenário
Caneta bic sobre papel
Trilha sonora original
Qualquer coisa que esteja tocando no rádio
Figurino e maquiagem
Filosofia barata e boas intenções
Uma Produção
Feiúra Inc.