Depois de meses sem que aparecesse um único trabalho, aquele homem alto
lhe bateu à porta do estúdio, trazendo o filho de cinco anos pela
mão. Um retrato! Bom, melhor do que ver as contas não pagas se
empilhando na mesa da cozinha.
Começou o trabalho no dia seguinte. Os traços suaves do rosto
do menino o encantaram, com aqueles enormes olhos escuros e as bochechas rosadas.
No fim da sessão, contudo, o rosado tinha se desvanecido. "É
melhor parar por hoje. Ele está cansado." O pai se retirou com o
menino e ele foi lavar seus pincéis.
Na segunda sessão, as cores não haviam retornado à face
do menino, mas ele já as havia eternizado na tela. Com pinceladas rápidas,
esboçou-lhe o talhe esbelto, as pernas finas e longas. Depois que eles
se foram, o homem carregando o exausto menino no colo, ele, com a febre da criação
ainda queimando, terminou o quadro de memória. Lavou os pincéis
e sentou-se, admirando a vitalidade da figura.
O homem alto não voltou para buscar o retrato. Depois de esperar algumas
semanas, com as contas a atormentá-lo, resolveu telefonar. "Não,
o senhor não está em casa. Foi ao funeral." Funeral? Que
funeral? "Ah, você não sabe. Seu filho faleceu..."
O homem voltou dois dias depois. Pagou-lhe com lágrimas nos olhos e se
foi, levando o retrato, e ele saiu para pagar as contas acumuladas.
Foi apenas no mês seguinte que lhe apareceu outro trabalho. Uma bela senhora,
já madura, bateu-lhe à porta para encomendar o retrato de sua
filha de quinze anos. Havia visto o quadro do menino na casa do homem alto.
Começou a pintar no dia seguinte.
A menina tinha longos cabelos loiros. Naquela primeira sessão, depois
de esboçar-lhe o rosto, dedicou-se a colocar na tela as luzes brincando
nos longos fios sedosos. Depois que elas se foram, sentou-se a admirar seu trabalho.
Os cabelos pareciam ter vida.
Na próxima sessão, a menina estava de tranças, mas não
importava - o cabelo estava pronto. Com esmero, colocou na tela as cores daquele
rosto ainda infantil. Envolvido nas tintas, nem percebeu que a menina adormecera
na poltrona. A mãe a levou embora, e ele continuou trabalhando noite
adentro até terminar o quadro.
No dia seguinte a mãe lhe telefonou. "Não, ela não
pode posar hoje. Está muito doente. Queria apenas saber como está
o trabalho."
Passaram-se as semanas, mas a mãe não retornou ao estúdio.
Outra vez ele precisou telefonar. Ela pegaria o quadro naquela tarde. Com lágrimas
escorrendo pelo rosto, ela tomou o quadro nas mãos. "Seu cabelo
era tão lindo! Ela o perdeu todo, antes de falecer..."
Passaram-se diversas semanas sem que ninguém lhe batesse à porta
ou telefonasse para fazer uma encomenda. Outra vez as contas se acumulariam
na mesa da cozinha. Outra vez o refrigerador ficaria vazio. Para distrair-se,
puxou o cavalete para perto do espelho. Vou fazer meu autorretrato.
Pintou por horas a fio, colocando na tela seu cabelo escuro, seus traços
finos. Já era tarde da noite quando deitou os pincéis. Sua cabeça
doía.
No outro dia, arrastou-se da cama e recomeçou a pintar sem nem mesmo
tomar tempo para uma xícara de café. Na tela, seu rosto apareceu
tão real quanto o que lhe dizia o espelho. Trabalhou até que os
braços lhe doessem demais para continuar.
No dia seguinte não teve forças para pintar. Não importa.
A tela está terminada. Sentou-se à frente de seu próprio
rosto na tela, admirando a perfeição de seu trabalho. Era como
se a pintura tivesse vida própria. Aproximou-se da tela, molhou o pincel
na tinta e, com dificuldade, assinou seu trabalho.
Encontraram-no cinco dias mais tarde, caído à frente do cavalete.
Na tela, seu rosto jovem e perfeito parecia ter vida própria.