No segundo dos quatro lances de escada, Edgar já ouvia música:
Una Lacrima Sul Viso orquestrada, que parecia aproximar-se dele como azul de
Soto.
A porta recebeu dois toques e foi atravessada por Roberta:
- Entra!
O rapaz combinara estudar os irmãos de Campos para teste universitário
no conjugado da colega. Não mesmo.
A morena não se depilara artisticamente a esmo. Unhas pequenas para não
quebrar e suficientes para não largar. Cravantes. Derme - marcada no
Leblon - em emulsão hidratante. Odor francês e modelito Fashion
Mall. Pés e umbigo nus e cintilantes. Celhas de poucos retoques estendendo
o ébano dos olhos. Boca carnuda bordô e com idêntica finalidade
às mãos. Ousada sobre a cama, recebeu-o:
Edgar girou a maçaneta respirando a escada. Estagnou no segundo passo
e deixou os segundos correrem para descartar desvarios enquanto as veias saltavam-lhe
inteiro. Primeiro relacionou a Rodin; a seguir, o calendário Pirelli.
O dependente se refez do queixo despencado e tratou de esmiuçar a transferida
acadêmica.
Flertes de cantina e elevador os levaram a compartilhar um achocolatado. Comentaram
Leminski, Bachelard e soltaram-se no lero - algo como manias e predileções.
Vinte dias de esparso convívio e ela o convidou para a investigação
poética.
No qu´ela sorriu de canto, ele nervosamente empurrou a porta e o rasgar
do velcro de Roberta desligou-lhe a audição, abrandando outros
sentidos. Também nada ela falou qu´ele pudesse compreender e somente
animalescos sons ocuparam o aconchegante cubículo da Ataulfo de Paiva.
Duas a três horas.
Ele livrou-se do que pôde no trajeto e no encontro devoraram-se as vestes.
Beijaram-se de inúmeros modos e quando se deu conta, Edgar já
se encontrava devidamente preservado por Roberta. Impregnaram-se de cheiros
e gostos até sobressair-lhes o tato. Olhos em curto: descadenciados e
curiosos esforços. Neste tempo, orgasmo algum os brecou. No máximo
cinco minutos na banguela.
Quando o superaquecimento sucumbiu o ventilador de teto, os louros dele reluziam
dentre os negros escorridos dela. E havia um só aroma. O mesmo fundo
musical dava a sensação de relógio parado; ou expansão
e amplificação dos minutos.
Edgar retorceu o pescoço e finalmente examinou o cômodo. Tornando
a ouvir, notou uma antiga vitrola - carcaça de madeira com toca-fitas,
AM e FM -, onde rodava sem parar um compacto de sete polegadas, eleito dentre
tantos espalhados ao redor.
Roberta enfim pronunciou-se:
- Fala nada prá ninguém, não. Segredo nosso. Combinamos
outras. Haroldo ou Augusto? Vou narrar a história no meu blog.
- Haroldo. E ela?
- Ela não revela nem por decreto. Se tivesses transado com Haroldo de
Campos tu abririas?
- Não. - respondeu intrigado.
- Nem eu. - risos - Vamos dar dois?
- Boa.
Na semana seguinte, meia-dúzia de olhares. Ficou nisso. Na outra, Edgar
percebeu Roberta acompanhando um colega no café com leite. No final do
bimestre, ela o podava de boca torta; e degustara chá preto, água
mineral, cafezinho, capuccino, suco de laranja, vários refrigerantes
e até isotônico. Roberta incandescia em conquistas efêmeras.
Era-lhe o maior prazer.
Edgar desertou a matéria e consolou-se:
- Melhor não defrontar meu Bukowski com a Woolf dela. Fica assim.
Porém, aprumava-se quando surpreendido por aquela canção;
ou qualquer italiana que o remetesse até. Baixou o mp3 para momentos
reservados, evitou velcros e - como terapia - também narrou no seu blog.