A Garganta da Serpente
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Deu no poste

(Conrad Rose)

Quinta Beto jogou no macaco - milhar, centena e grupo. Deu camelo. Sexta repetiu o palpite e duplicou as chances no burro. Camelo de novo.

Sábado quase meio-dia. Calor deveras. Mulheres lindas de poucos trajes permeavam o centro do Rio em busca de mar. Beto bicava uma cerveja e planejava o samba na laje ao poente, no que Resende apareceu:

- Fala tu. - de açoite.

- Qual é, fiel? Senta aí.

Abraço, copo e brinde. Lero:

- Zé da banca tá descarregando tudo que tem dois três grudados. Soprou que depois de dois camelos vem a dupla de três metida no meio.

- Opa. Pera lá! Se geral sabe a letra, já era.

- Nada. Só eu. Foi à miúda. Outra: o lance é levar adiante, mudando prá seis. Três, seis. - rodando polegar e indicador - Entendeu? - agora polegar ereto - E pede boca de siri pro otário. Assim a pilantragem tem assunto e se distrai. Vou carcar cem mangos. E tu?

- Formou. Vou dobrar!

- Mais uma, Jão. E duas mineiras douradas...

Veio então um cearense de pouca altura e extrema lábia. Atendente de botequim e proliferador de boatos. Repôs a cerveja e despejou-lhes dois martelos de cachaça velha. Salinas, Minas Gerais. Beto repassou a barbada ao nordestino.

Brindaram e entornaram. Não antes de inspirado o aroma de carvalho.

- Ah, toda mineira merece uma praia... - declarou Beto.

- Bela definição. - concordou o sócio.

Cinco minutos de silêncio e Beto rompeu - com pancada na mesa e sorriso de todos os dentes. Um clarão na negritude:

- Três, três, dois na pedra! Vão meter camelo de novo. É por aí que eu vou. Metade da grana nessa e cercamos o resto... macaco, burro e cachorro...

- Vamos juntos. Pega também cobra, trinta e três. Mais urso. - dois segundos - Vaca e leão.

- Chega! Tive uma visão. Três, três, dois. Zero, três, três, dois. - e começou a batucar.

- Domingo, eu vou ao Maracanã, vou torcer pro time que eu sou fã... - ambos.

Percorreram a tarde nas bancas. Um pela Lapa, mais Catete e Glória. Outro: Bairro de Fátima, Catumbi e Rio Vermelho. Um pouco em cada ponto. Cerveja entre eles, prá não pingar no verão tórrido.

Seis horas encontraram-se no Zé - que só não comia as unhas porque já as esgotara, então circulava e fumava sem parar. Como vai, tudo bem e sumiram dali. Pernaram até a Cinelândia prá saber ao natural. Lá sentaram prá receber o sereno.

- Duas tulipas e minduim. - ordenou Resende.

- Caraca, mermão. Hoje a laje vai tremer. Vai ter picanha e doze anos com energético. - comentou Beto ao comparsa.

- Deus te ouça. Mas antes vamos marcar dez no Bola Preta. A gafieira é sagrada.

- Perfeito.

Enquanto eram servidos, Resende tornou a abordar o garçom:

- Chega mais, simpatia. Providencia duas cachaças, daquelas amarelinhas, de Minas. E assim que souber, traz o poste prá gente.

Concordância gestual de ambos.

Engoliram as pingas como de costume e discutiram o tira-gosto, definido no torresmo. Já havia ansiedade e nos vinte minutos seguintes só falaram em gastar dinheiro. Beto foi quem iniciou, com reforma no bangalô, cordões, sapato branco, camisas de seda, perfume gringo, vestido prá mãe e pernoite em motel com a loura dele. Resende foi além: viagem pro Recife, carro usado, documento falso e cocaína. Fumaram e falaram coisas sem sentido.

Daí chegou a anunciação. Um moleque que trocava cinzeiros trouxe-lhes a resposta: zero, três, três, dois. Na cabeça. Deu camelo no poste, pela terceira vez.

- Mais pinga! A garrafa. - bradou Resende.

- E charutos! Tem charutos? - Beto.

- Mulheres, mulheres... - às gargalhadas.

- Muitas.

Batucada. Caixa de fósforos.

- Bebeto subiu o morro gritando: ´fiz treze´, mandando a miséria prá casa do chapéu... - dueto.

Na milhar, fizeram mais de cento e cincoenta mil. O resto não durou uma semana, mas rendeu-lhes novos amigos, novas roupagens e muito prazer.

O Morro da Providência agradeceu. Os dois que nada prometiam, estabeleceram uma panificadora e colocaram os seus a trabalhar. Logo outra, ficando uma prá cada mãe.

E dispuseram-se a biscates, jogando no Zé e a beber no Jão.

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