A mocinha disse à mãe, que lavava um tapetinho com as escova de
cerdas duras:
-Mãe, a Joana me chamou para ir aos quinze anos dela...
A mulher mais velha imediatamente parou de esfregar o velho tapete e olhou-a,
quase a sorrir.Idade indefinida, definhava com garra depois da estúpida
morte do marido.Com garra, mas apagando no rosto cansado as marcas da beleza
que o conquistara.Enfrentara o avô severo que a criava desde que ficara
órfã e fora morar com o marido, criador de abelhas,ali no sítio,
onde a felicidade criava um halo protetor em torno da casinha simples.Recém
formado, por Viçosa,Minas, o rapaz vendera uns poucos bens para ali se
instalarem.E ia dando tudo muito certo.Um dia, assobiando, ele andava pela estradinha
quando uma motocicleta, estranho objeto brilhante ali naquele fim de mundo,o
colheu, saindo da curva em lua crescente,bem atrás dele, incauto, acostumado
a caminhar sozinho..De casa,a jovem esposa ouviu o barulho e correu, coração
destemperado, com uma intuição cruel a lhe dizer que acontecera
algo muito ruim.
Depois do enterro, desencorajada de voltar à casa do avô e mesmo
por querer preservar suas lembranças, Tininha,recém- parida, resolveu
ficar por ali mesmo.Dona Gertrudes,a alemã sozinha que ajudara no parto
e ela decidiram morar juntas, pois a velha senhora enxergava pouco, graças
a uma catarata facilmente operável mas que naquele fim-de-mundo condenava
a pessoa à incapacidade.Não que ela deixasse de ser ativa.Muito
pelo contrário.Era um "pé-de-boi", como diziam na região.Ajudava
Maria Cristina em tudo e afeiçoou-se à pequenina como se sua neta
fosse.E Tininha a auxiliava, de maneiras que viviam da melhor forma possível.
As duas ganhavam dinheiro com mil estratégias: crochet, tricô,
compotas, venda de ovos, bolos,tudo feito por elas e vendido na venda do árabe
Salim, ele próprio sempre encantado com a jovem viúva, mesmo depois
dela ter dito, olhando-o nos olhos que nunca mais iria casar-se.O dinheiro era
pouco,mas as duas mulheres precisavam do mínimo.Não iam a parte
alguma exceto à venda, levar produtos, recolher dinheiro ou comprar o
que lhes faltava.Tudo que sobrava , poupavam para os estudos de Isabela.
Aos quinze anos, Isabela florescia.Enquanto as colegas sofriam de acne juvenil,
cólicas menstruais e chiliques frequentes, exigindo isso e aquilo
dos pais, a mocinha tinha uma pele de Branca-de-Neve, nunca sofria dor alguma
e nada exigia das mais velhas de casa, só tirava boas notas e tinha um
bom humor imbatível.Era adorada, claro,mas os mimos não a estragaram.Também,
jamais ouvira ninguém ali erguer a voz, tudo sendo resolvido na maior
paz e criatividade...
Tininha enxugou com o braço esquerdo o suor que lhe orvalhava o rosto.Respondeu
alegre:
_E quando é?Vamos fazer um vestido de baile para você...
Belinha entusiasmou-se:vivia lendo as antigas revistas da mãe, onde o
glamour dos Anos 50 mostrava aquelas mulheres sedutoras em sus longos vestidos
de festa...
A mãe e D.Gertha alvoraçaram-se,naqueles dias.Tingiram metros
e metros de uma mousseline que seria as cortinas da sala, comprada antes da
morte de Rodolfo.Rosa claríssimo,com nuances mais escuras na barra.Cortado
o tecido, retalhos foram engomados e a alemã fez rosas-chá, tênues
e armadas, para colocar em um dos ombros do corpinho drapeado daquele encantador
traje de gala...
A mãe foi a uma caixinha de madeira e retirou um colarzinho de pérolas
que ganhara aos quinze anos , também usado em seu casamento:
-Era para os dezoito anos da Belinha, já que não comemoramos os
quinze...Mas nessa festa, ela também estará simbolicamente debutando...
O professor de Português, Ariosto, que morava não tão perto,
mas era muito prestativo, ofereceu-se para conduzir e trazer a moça,
com sua mulher, D.Quinzinha, que nunca tivera filhos e adorava a menina.A mãe
e a avó putativa de Belinha não iriam:como vestir e calçar-se
à altura?
No sábado da festa, a adolescente foi retirada cedo da cama.A própria
mãe lavou sem cabelos e enrolou mechas em trapinhos limpos.Assim os cachos
teriam tempo de ficar firmes.O vestido, um sonho, nuvem rosada a dançar
levemente sob a brisa que entrava pela janela do quarto, estava pendurado num
cabide preso no cortinado, um mosquiteiro antigo, sobre a cama.
Pronta, a menina esperava ansiosa o mestre e a esposa.
-Dance muito, disseram as mulheres, quando a levaram.E ela pretendia dançar
mesmo...
A festa era no Jardim.Joana, a filha do Prefeito, moderna e desencanada- até
já dirigia, pois por ali, quem ousaria interpelar alguém de sua
família?-preferiu uma festa moderna, uma espécie de lual, ao qual
ela e as amigas íntimas estavam acostumada.Convidara Belinha porque,
graças a ela, que fizera sua redação de fim-de-ano, conseguira
passar em Português, apesar do velho Ariosto ter desconfiado de que a
cabecinha avoada não seria capaz de discorrer tão bem sobre preconceito.Para
ela, a colega era apenas uma matutinha com pendor para as Letras.A gratidão
era seu forte, no entanto e fora firme quando as garotas de sua turma disseram
que Belinha nada tinha a ver com elas.Nesse momento, decidira que seria mesmo
uma festa informal.Assim, Belinha poderia ir sem constrangimentos.Não
fosse a colega, ficaria sem as férias e o pai havia prometido levá-la
à Disney, partindo do Rio de Janeiro, caso não tomasse bomba.
Mas constrangida e vermelha estava agora Isabela, experimentando uma humilhação
jamais sentida.Chegara qual uma princesa.Cinderela vestida pela fada-madrinha.De
longo, de cachos,com flores nos ombros.Encontrara patricinhas vestidas de jeans
com famosas grifes,calças fuseaux sob vestidos curtos, coloridos, sandálias
com tiras amarradas nas pernas jovens, enquanto seus pés se apertavam
nuns scarpins brancos que haviam custado muito caro para as posses da sua mãe.E
cabelos muito lisos, tendo passado pelas chapinhas das cabeleireiras que haviam
chegado à tarde ali mesmo, na casa.
O prefeito foi receber, efusivo como bom político, o professor que afinal,
não dera pau em sua filhota linda.Sua mulher, abraçou D.Quinzinha,
enquanto olhava espantava, por cima de sua grisalha cabeça, o requinte
de Belinha.Recompôs-se,no entanto: mulher de prefeito aprende a disfarçar
bem quaisquer variáveis:
-Belinha, como você está linda!Venha, vamos até às
meninas que estão assando mashmellows numa fogueira!Viram num filme essas
coisas americanas e quiseram imitar...Cuidado para não tropeçar!...Quem
fez esse vestido maravilhoso?!...
A moça foi perdendo o autocontrole. E quando as outras levantaram o os
olhos, perplexas, para todo aquele requinte, caiu num choro profundo, o presente
delicado caindo de suas mãos...O pranto a sufocava, ninguém conseguia
acalmá-la e a levaram para um quarto de hóspedes, preocupados.
E enquanto o médico presente a atendia, a pedido dos donos da casa, sua
mãe e D. Gertha se reviravam na cama recordando seu primeiro baile e
o vestido vaporoso que haviam usado, imaginando o sucesso de Belinha,orgulhosas
daquele vestido de sonho,sem imaginar que ele se transformara no primeiro pesadelo
da pobre menina-moça...