Meu nome é Bernardo Belisario. Eu ganho dinheiro com ativos de renda
variável. Também conhecido como mercado de ações.
Compra e venda. Como comecei a ganhar algum dinheiro com isto? Alguns amigos
passaram a pedir conselhos sobre investimentos. Foi então que tive a
ideia de criar uma espécie de Fundos de Investimento. Funcionava
assim. Se você investisse naquela minha indicação e tivesse
lucro haveria uma porcentagem que seria minha. Pois bem, funcionava assim. Mas
o que eu fiz para estes investidores confiarem suas finanças em minhas
sugestões?
Para que isto possa acontecer você tem que entender sobre o assunto. Tem
que entender sobre o mercado de ações. Eu fazia as negociações
pela Internet. Usava o Home Broker. Assim, comprava e vendia e tinha lucro.
Comprava um pedaço de uma empresa que poderia fazer sucesso. Quando fazia
este sucesso, eu vendia. Aí, então, ganhava dinheiro. Deu certo.
Passei a ganhar mais com os outros investidores. Assim, sempre enviava relatórios.
Do que tratavam? Eram pesquisas diversas de fundos disponíveis no mercado.
Tinham como finalidade convencer.
Meus relatórios constavam de duas análises. Uma análise
técnica com gráficos e uma análise fundamentalista com
balanços financeiros e informações sobre a empresa. Mas,
apesar disso, não utilizava nenhum destes indicadores para efetuar compras
ou vendas. Tudo era realizado com as fases da Lua. Não havia nenhum motivo
para isso. Pura superstição. Simplesmente passei a adotar este
método e deu certo. Foi então que apareceram os investidores e
a perspectiva de ganhar mais dinheiro com isso.
Além de fazer toda a negociação pela Internet, também
fazia contato com os investidores pela rede de computadores. Foi um boca a boca
virtual. Tive que criar um blog. O que trouxe mais investidores. Todo o contato
era feito por meio de e-mail. A minha rotina era ler uma infinidade de mensagens
eletrônicas. Tudo se resumia a números. E isto dizia respeito a
minha conta bancária que estava engordando muito. Assim, tinha gula em
abrir um e-mail. Foi quando tive acesso a um convite. Era um convite de casamento.
Alice. Bruno. Bruno e Alice. Eram meus amigos e também investiam em ações.
Liam todos os meus relatórios. Não poderia desapontá-los.
Faziam questão da minha presença. Afinal, segundo me informaram,
teria sido o responsável pela possibilidade da realização
da celebração da união por meio do casamento do casal.
A renda deles havia aumentado com o investimento em ações. Aquilo
fez muito bem ao meu ego. Olhei data, loca e hora.
Acontece que como trabalhava com a Internet não tinha um horário
determinado. Não tinha que bater ponto. Trabalhava mais durante a noite.
Por isso entendi 12:00 h. como sendo meia-noite. Ninguém falou que era
de noite. Mas eu pensei que fosse meia-noite. Não sei o motivo. Inclusive,
seria uma noite de lua cheia. Mas não liguei as coisas. Não me
passou pela cabeça. Simplesmente, me desloquei para aquele endereço
como se estivesse indo para uma reunião de negócios. Nada mais
do que isso. Peguei um táxi e passei o endereço da Igreja ao motorista.
Em poucos minutos já estava no local.
Não havia ninguém. Em um primeiro momento não percebi nada.
Também não passou pela minha cabeça que estivesse me enganado
quanto ao horário. Era quase meia-noite. Foi então, que observei
um senhor de idade. Era um velhinho que estava acomodado na escadaria da igreja.
Não tinha cara de quem investisse no mercado de ações.
Mas deveria ser um convidado. Aproximei com a intenção de iniciar
uma conversa amigável.
Notei que tinha muito pelo no corpo. Não sei por que. Apenas me chamou
a atenção. Assim como suas sobrancelhas grossas que se fundiam.
Além das palmas das mãos ásperas e calejadas e os grandes
olhos arregalados. O que não significou muito para mim. Disse que chamava
Romão e que era de uma cidade do interior próxima a Bragança
Paulista, na divisa com Minas Gerais, chamada Joanópolis. Parecia ser
um velhinho simpático. Fui cativado pela sua prosa e notei que tomava
uma cachaça. Ofereceu e tomei um gole. Água ardente. Água
que passarinho não bebe. Senti todo o meu corpo arrepiar. Fechei os olhos.
Levantei , numa espécie de espasmo, a cabeça para cima. Abri os
olhos. Diante minha visão uma lua cheia.
Foi quando seu Romão falou qualquer coisa sobre efeito lunar. Acredito
que não tivesse dito estas palavras, mas se referia a lua cheia. Ofereceu
e tomei outro gole. Em todo caso, quis dizer que a lua influenciava o comportamento
das pessoas. Sua afirmação se fundamentava em um argumento logicamente
inconsistente. Mas isto eu fazia para escrever meus relatórios. Dei um
desconto para o seu Romão. Ele falou que a lua afeta as marés.
Lembrei que o corpo humano era constituído em sua maior parte de água.
Tomei mais um gole da água ardente do seu Romão.
Não associei efeito lunar com desequilíbrio emocional. Foi quando
um cão vira-lata apareceu do nada latindo e me mordeu.
Perdi um pouco o foco. O cachorro sumiu. Ficou a impressão de uma mordida.
Desapareceu como se não existisse. Ouvi o velhinho dizer que isto acontecia
em noite de lua cheia. Inclusive, que era a noite de lobisomem. Que era um homem
atacado por um lobo e que virava o bicho em toda noite em que a lua estava nesta
fase. Mas aquilo era uma falácia.
Nunca ninguém havia me contado ou mesmo havia lido sobre a origem desta
história de lobisomem. Consta que Heródoto, filósofo grego,
mencionou um mito sobre pessoas que assumiam a aparência de lobo. Petrônius,
autor romano, em sua peça "Satyricon" foi o primeiro que vinculou
a lua cheia com a transformação do homem em lobo. Já Ovídio
escreveu o mito do Rei Likaon que teria desrespeitado Júpiter ao incluir
carne humana escondida entre outras especiarias para um banquete.
O Deus Júpiter ficou furioso e jogou uma maldição no Rei
Likaon que se transformou em lobo. Daí surgiu o termo Lykantropos, que
é aquele que vira lobo. Derivado deste termo temos a lincantropia que
é o nome dado à uma doença mental que leva o doente a julgar
que se transforma em lobo. Uma loucura. Mas há a hipertricose, que é
uma doença genética que provoca o crescimento anormal de pelos.
No entanto, foi na Idade Média que esta história. Ou seria mito?
Bom, foi nesta época que surgiu sua conotação maligna.
Cabe ressaltar que o século XVI foi marcado pela inquisição.
Milhares de pessoas de pessoas foram acusadas de bruxaria e de serem lobisomens.
Houve o caso de Giles Garnier que em 1573 confessou, após tortura, ter
feito um pacto com um espírito maligno e ser o responsável por
uma série de mortes de crianças causadas por um lobo de verdade.
52 anos antes, em 1521, em seu julgamento, Pierre Bourgot que era acusado de
cometer assassinatos brutais afirmou que se auto transformava em lobo. Toda
essa paranoia ainda era disseminada pelos problemas sócio econômicos
e pela miséria e a fome.
Foi quando tocou a primeira de doze badaladas que se seguiram irritantemente.
Meia noite. Quando dei por mim estava sozinho. Um silêncio profundo. A
lua me olhava com desconfiança. Um barulho. O que era aquilo? Um arrombamento.
Um grupo de assaltantes que arrombavam igrejas durante a noite para roubar arte
sacra. Percebi o movimento ,mas fiquei sem ação. Eles se aproximaram
de mim. Não tive tempo de sentir medo . Tudo muito rápido. Senti
uma dor intensa. Talvez uma coronhada na cabeça. Antes de desmaiar tive
a sensação de ter visto um lobo com feições humanas
atacando meus agressores. Fade in. Tudo ficou escuro. Fade out. Uma silhueta
feminina em um vestido de noivo. Alice. Ao seu lado, Bruno. Pareciam preocupados.
O sol rachava. Será que já havia percebido o que ocorrera comigo?
Ouvi uma voz.
- Você está bem?
Preferi não proferir palavra alguma. Ainda estava confuso. Também
tive receio de relatar o que acreditava ter acontecido comigo. Poderia ser uma
auto ilusão. Uma forma de nos enganarmos . Sendo que fazemos isto conosco
de modo a aceitarmos ou acreditarmos em uma coisa que não é verdadeira.
De achar que o que é falso é algo real. Enfim, uma simulação.
Provavelmente, aquilo tinha um significado. Talvez não devesse fazer
nenhuma espécie de negociação em noite de lua cheia. Talvez
fosse melhor fechar para balanço. Foi quando ouvi alguém dizer:
- Você investiu nas ações daquela corretora de seguros indicada
no último relatório?
A pergunta não havia sido feita para mim. Era um diálogo entre
os noivos. Não lembrava . Acho que o seu Romão me salvou. Mas
minha cabeça ainda latejava quando ouvi a primeira das doze badaladas
que indicavam que já eram meio dia.