O ar da tarde ardia. O feiticeiro falava com as aves, que ascendiam empurradas
pelo fogo exalado daquela terra seca. Somente uma delas desceu para escutar
a voz do Vermundo. Passou tão perto da lua que nas suas asas ficaram
presas fitas prateadas que cegaram os olhos do mago. A sua voz continuou a sussurrar
as palavras até que sentiu na sua face queimada o suave bater da ave.
Então calou e foi Marbranca quem sibilou as palavras mais transparentes.
Voz de ave, presságio do céu.
As pálpebras fizeram-se luz e as asas, mãos que afagaram os lábios
ainda possuídos de Vermundo. Marbranca, ave mágica, traspassou
com um voo imóvel o peito arrebatado até deixar no centro
a semente duma flor. Depois, o silêncio do sono.
A chuva empapou a terra e os corpos. Fez brotar o azul dumas pétalas,
os espinhos doces do caule. Durante nove noites as raízes prenderam profundas,
fazendo dos dois um só chão fértil, onde começa
a vagarosa conquista do ar.
Marbranca foi a paciência e a espera, Vermundo a ânsia secreta da
lua. Juntos gestaram uma vida feita de estações, que tudo o tocava,
que tudo o abraçava. O pranto e o riso. O gozo e a estilha. Mas nunca
mais o ar abrasou.