Naquela ocasião tinha começado a minha peregrinação
ao Monte. Foram quinze dias até chegar e passava as noites em pousadas
de pequenas vilas. Mas uma vez tive de dormir na cidade de Elvas, no hotel D.
Luis. Então aconteceu-me o seguinte:
Aproveitei a minha passagem por ali e mandei lavar a minha roupa. Entretanto
estudei os velhos livros do Jodorowsky . Mas quando bateram à porta depois
dumas horas e levantei os meus olhos iluminados pelo saber cartomântico,
uma onda estranha levou uma nuvem para pertinho dos meus lábios
O empregrado trazia uma grande cesta - ao tempo que dava silvos - Aqui tem
senhor Antunes. Deu um passo adiante, rompendo a primeira nuvem que só
eu podia olhar.
- Obrigado, põe-na na cama, por favor - Outra nuvem crescia já
como uma trovoada. Apertei-me à cama e começei a examinar a roupa.
- Desculpe-lá, rapaz, mas esta roupa não é minha porque
-
Ao tempo que levantava o olhar pude contemplar a mão extendida do rapaz
à espera da gorjeta e um trejeito de estupefacto na sua face - Acho que
ele, por causa desconhecida, podia olhar de alguma maneira a nuvem, então
cor-de-rosa
Tomei a cesta e desci pelas escadas deixando atrás a risada daquele
rapaz maluco.
Falei com o recepcionista quem olhava com adoração a coleção
das chaves do hotel:
- Se faz favor, cavaleiro
Ele acordou daquela quimeira e olhou à cesta. - Tudo bem, senhor
Antunes?- diz-me. Meti a mão na cesta e levantei umas meias azuis.
- Eu não costumo dançar no Latim Jazz com o Caetano! -
Acho que pensou que estava ainda mais maluco do que o rapaz. Logo mostrei-lhe
uma camisa vermelha, toda enrugada e curtíssima ( mais música
nos meus dedos, mais versos cantados nos peitos ) - Acha você que eu
posso vestir-me com isto? Ele tomou a peça e compreendeu o erro.
Eu ja estava em transe e enquanto ele telefonava ao serviço de lavandaria
continuei tomando as peças
Três gravatas às riscas
e dois lenços beige dum senhor com sonhos de ser senhora, pois as cuecas
com rendas também eram dele; um pijama de alguém com insonia por
o excessivo café; o roupão desbotado dum D. João encolhido
pela idade; uma camisola tão velha quanto impossível para o inverno;
as calças fragílimas dum caçador de borboletas; a peúga
sozinha dum par com que um rapaz perdeu a virginalidade
Nisto chegou o empregado da lavandaria. Trazia outra cesta com o meu fato verde-água
( antigamente foi verde-escuro ), a gabardine bem passada a ferro e o meu blusão
aclarado daquela mancha do Diabo no meu último encontro com Ele.
Aceitei como indemnização o robe com o nome do hotel bordado
em letras de ouro e o desconto do serviço de lavandaria. Fiquei muito
contente e detei-me depois de terminar o capítulo sobre o arcano VIII,
A Justiça.