Primeiro aconteceu a criação. Eu não estava presente mas
a primeira coisa que li, numa árvore, escrita no caule dessa árvore,
pousada levemente na forma de letras e símbolos cuneiformes sobre a superfície
da árvore foi a seguinte inscrição:
- "Adão! Amo você!"
Não estando lá para ver - imerso numa poeira de sono e um acre
sabor de maçã na boca - assim mesmo meus pelos se eriçaram
quando a frase foi parar na ponta do meu hemisfério direito.
Só pude me desentender com a própria sombra um mês depois.
Mas, sombras, ocos e fantasmas eu só aprenderia no futuro. No agora daquele
momento eu só notava, ainda que perturbado, que minha anatomia se tornava
em terrível inimiga minha.
Muito depois eu percebi que eram coisas divinas.
Depois veio a explicação do negócio da tal da maçã.
E eu fanático, ensandecido, colérico e recoberto por algumas peles
desnaturadas de caças e vegetais, vi-me sentado em uma cadeira de pedra,
tendo ao meu lado uma fonte de aromas em forma de meu duplo. Minha duplo. Uma
outra imagem de mim, meio diferente, se é que me faço desentender.
E era aquela duplo que me dava mal formações que nunca tinha visto.
Por exemplo: a pequena tromba que eu tinha debaixo da barriga inchava e inflava.
As vezes dava cócegas. Às vezes não.
Quando isso acontecia os macacos riam.
O meu duplo - minha duplo - sorria, apenas e exalava mais perfume. Vi a tal
pessoa receber redundantes corpos de cobras elásticas, num bailado contagiante.
Vi também que ela não tinha a pequena tromba mas portava outros
acessórios interessantes.
Em terceiro momento, já cansado daquela patuscada, fui ao encontro dela.
Persignou-se, como é favorável para quem vem de fora, e, ao mesmo
tempo, ofertou-me suas entranhas, um brinde a Baco - que até hoje desconheço
quem seja - , abriu suas pernas e sua boca e disse:
- "Adão! Eu amo você! E fico com você para..."
- Sai daqui! - gritei como quem canta e, uma nuvem de gafanhotos penetrou pela
minha goela. Na verdade a minha intenção era dizer "vem,
vem", no entanto, saiu o que saiu.
Como se jardim cafeeiro eu fora brotaram bolinhas vermelhas pelo corpo. Era
uma vergonha imensa que me atingia enquanto ela tomava a minha trombinha - que
trombinha já não era mais, devo dizer a bem da verdade e da honestidade
para com o leitor - ia destruindo minhas palavras uma a uma, enquanto naquilo
soprava seu hálito quente.
Que coisa! E o resto de voz que se me permitiu ficar só serviu para dizer
uns "uis" e "ais", aprendidos na hora.
Inventava-se de tudo naquele tempo.
Ela não largava a trombinha - objeto transmutado em caniço - e
começou a vasculhar minha intimidades vulgares, tornando-se em Eva e
Lilith, alternadamente. Uma me dava o seio e a outra comia meus dedos e regava
canteiros com meu sangue. Ela(s) não sai(ram) e disse(ram) que a casa
era dela(s), e também o era o caniço que virava lentamente numa
trombeta estufada, prestes a explodir.
- Tá bem, então, eu sou de você(s)!!
Mas o anjo - não sabia que existiam assim, sem mais nem menos - não
deixou e falou:
- Sai um e sai outro, por mais que vos ame! Sozinho "esse" coiso não
sai! - E o coiso era eu, despreparado, pelado, desorientado, sem saber que a
porta do Paraíso nada disso era se não uma coleção
de cristais de gelo. Me virei e disse:
- Tchau Gabrié, anté nunca mais, seu mané! - E, fui.
Fomos. Mãos dadas. Eu sentindo em sua(s) mão(s) um resto de fruta.
Faminto, mordi a fruta e chupei a(s) mão(s). Percebi que aquela(s) mão(s)
já haviam estado em outro lugar lá dela(s). Partimos das paragens
seguidos por alguns animais tão frustrados que pareciam animais nenhuns.
Na caverna, ou na grota, sob a cachoeira, o que é que restava para nós
se não uns coitos contínuos(?) - afinal, éramos coitados
- naquilo que mais parecia uma terra de ninguém, incansavelmente habitada
por um lote de macacos falantes e suas pencas - glamurosas pencas - de bananas
maduras.
Eu e a(s) madame(s) chegamos para trazer a civilização e não
fomos aplaudidos de pé.
Pela primeira vez os macacos comeram bananas cozidas, para em seguida se fartarem
com a sobremesa especial: nada mais, nada menos que uma cucurbitácea.
Agora vivemos nós, ansiosos e analíticos; pusemos os macacos para
trabalhar na terra e fazê-la dar frutos. Quando reclamam, damos chibatadas
- e isso é quase sempre. A gente até ri. Quando o Gabriel se aproxima
a gente finge que está morto de cansaço de trabalhar na terra.
Quando os macacos fazem direito deixamos que brinquem conosco, com nossa trombinha
e a caverninha dela(s). Foi daí que saíram alguns dos filhos.
Meio estranhos, os filhos.
E essa chuva que dura quarenta dias só pode ser desgosto do anjo aquele
que nos mandou embora. Provavelmente morre de saudades, o danado, mas agora
é tarde.
Alguns pássaros voam pela noite e, um deles há de trazer uma folhinha
verdinha...
Esperaremos.