Os seios repousados no parapeito da janela. Juliana olhava a rua por onde passaria
o senhor presidente. Presidente do quê ou de quê ela não
sabia.Ou melhor, sabia, mas não queria saber. Via as crianças
das escolas com bandeirinhas verde-amarelas, perfiladas. Professores e policiais
se confundiam com a multidão que delirava, que chegava a uma espécie
de orgasmo coletivo só por imaginar que logo desembarcaria no aeroporto
a autoridade máxima da nação e desceria a avenida em carro
aberto até o centro da cidade, onde seria recebida pelos homens de bem
da vida política e social.
Juliana estava com fome. Era jovem, ainda não totalmente formada. Estava
em fase de fome de tudo, de pão, de amor, de vida, de sonhos. Seus olhos
redondos e negros brilhavam pelo sol quente da manhã de janeiro.
Logo se ouviu o estardalhaço das sirenes dos carros da polícia,
escolta grande, carrancuda, acelerada, puxando a caravana oficial onde, num
carro preto, ao lado de um acompanhante se via a cara sem cara do senhor presidente.
O carro passou depressa. O senhor presidente, velho e sério, com cara
de carrasco nazista. era conduzido a mais de quarenta por hora. A avenida estreitava-se
e os cavalos do pelotão da cavalaria esbarravam na multidão, pisando
os pés de algumas pessoas menos cuidadosas, gente que não sabia
que o poder tinha pressa... talvez medo. Porque todo poder que não emana
do povo é sempre uma chaga pronta a supurar a qualquer momento.
Juliana começou a calcular algumas coisas: as pessoas chegaram na avenida
com o sol mal nascendo. Já passava das onze horas. As crianças
tinham sede. As professoras mais idosas, diabéticas e hipertensas passavam
mal, chegando algumas a desmaiar de calor, de ficar de pé tanto tempo.
A passagem do senhor presidente não demorou cinco minutos. O senhor presidente
nem sequer olhou para a multidão; ela é que tinha que olhar para
ele, afinal era o mandatário máximo e fora eleito por um colégio
eleitoral formado pelos planejadores do golpe, todos homens de bem.
Depois do gozo antecipado, a frustração de perceberem que não
haviam gozado coisa nenhuma, que o ato fora patético e incompleto. Afinal
para que servia um presidente que não ria, que não olhava ninguém,
que parecia o senhor da vida e das pessoas?