A Garganta da Serpente
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No morro dos Prazeres

(Gute Batista)

No morro dos Prazeres, como o próprio batismo, as vidas de seus moradores se dividem basicamente no trabalho, disciplinadamente realizado e nas festas e campeonatos de futebol regularmente organizados.

Encontros envagélicos nos quintais dos barracos, confluências espirituais com os santos devotos, são permanências de vidas marcadas pela fé de uma busca quase nunca alcançada mas sempre realizada.

A solidariedade natural dos problemas peculiares vividos por seus prazerosos moradores unifica os traços fraternais de experiências herdadas de geração em geração. No Prazeres as brincadeiras infantis descompromissadas de seus mais jovens moradores, procedem meteoricamente um compromisso coletivo de sobrevivência marcado pela velocidade única da pobreza.

Os filhos assim refletem em seus filhos a sabedoria do precoce ensaio de vida inserido no imposto cotidiano seletivo. A diversão resta por conta do futebol e das festas organizadas.

Os mais abençoados pelo dom da paixão nacional espontaneamente exercem o papel de representantes exponenciais da favela. O domingo voltado para o campeonato de futebol é o retrato fiel da confraternização instrumentalizada pelos atores da bola. O craque do morro tem seu lugar de destaque, respeito e admiração, seja dos mais jovens aos mais experientes moradores. A juventude se diverte "trabalhando" remoderadamente na busca das bolas perdidas, que voam pelo morro como cometas num céu estrelado.

Os mais maduros e sábios da favela encostam-se no bar de frente para o campão fazendo suas observações empíricas da malandragem de um campeonato de favela. A torcida se diverte na arquibancada, apostando garrafas de cervejas, pedindo a entrada de jogadores e jogando papéis para o alto. Fogos de artifício anunciam a entrada dos times. Oito para cada lado dividem o mesmo espaço. O minuto de silêncio sempre realizado, marca a verdadeira face do genocídio da pobreza mascarado pela guerra contra o comércio varejista de droga. A sede de vitória dos dois lados, tão clara, torna-se, talvez, a única oportunidade de disputa de igual para igual oferecida pelo espetáculo democrático da bola. A ideia é a mesma e a vontade transparece na força e garra inerentes ao imposto isolamento social. Uma ou não tão simples vitória faz reconhecer o visível esforço daquelas dezesseis vidas invisíveis.

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