No morro dos Prazeres, como o próprio batismo, as vidas de seus moradores
se dividem basicamente no trabalho, disciplinadamente realizado e nas festas
e campeonatos de futebol regularmente organizados.
Encontros envagélicos nos quintais dos barracos, confluências espirituais
com os santos devotos, são permanências de vidas marcadas pela
fé de uma busca quase nunca alcançada mas sempre realizada.
A solidariedade natural dos problemas peculiares vividos por seus prazerosos
moradores unifica os traços fraternais de experiências herdadas
de geração em geração. No Prazeres as brincadeiras
infantis descompromissadas de seus mais jovens moradores, procedem meteoricamente
um compromisso coletivo de sobrevivência marcado pela velocidade única
da pobreza.
Os filhos assim refletem em seus filhos a sabedoria do precoce ensaio de vida
inserido no imposto cotidiano seletivo. A diversão resta por conta do
futebol e das festas organizadas.
Os mais abençoados pelo dom da paixão nacional espontaneamente
exercem o papel de representantes exponenciais da favela. O domingo voltado
para o campeonato de futebol é o retrato fiel da confraternização
instrumentalizada pelos atores da bola. O craque do morro tem seu lugar de destaque,
respeito e admiração, seja dos mais jovens aos mais experientes
moradores. A juventude se diverte "trabalhando" remoderadamente na
busca das bolas perdidas, que voam pelo morro como cometas num céu estrelado.
Os mais maduros e sábios da favela encostam-se no bar de frente para
o campão fazendo suas observações empíricas da malandragem
de um campeonato de favela. A torcida se diverte na arquibancada, apostando
garrafas de cervejas, pedindo a entrada de jogadores e jogando papéis
para o alto. Fogos de artifício anunciam a entrada dos times. Oito para
cada lado dividem o mesmo espaço. O minuto de silêncio sempre realizado,
marca a verdadeira face do genocídio da pobreza mascarado pela guerra
contra o comércio varejista de droga. A sede de vitória dos dois
lados, tão clara, torna-se, talvez, a única oportunidade de disputa
de igual para igual oferecida pelo espetáculo democrático da bola.
A ideia é a mesma e a vontade transparece na força e garra
inerentes ao imposto isolamento social. Uma ou não tão simples
vitória faz reconhecer o visível esforço daquelas dezesseis
vidas invisíveis.