A moeda de dez centavos, que com dificuldade passou pela abertura do vidro,
era quase tão insignificante quanto a mão preta que a agarrou.
"Deus te abençoe, dona." Não tinha jeito, fazer malabarismo
com aqueles desnutridos limões não ia matar a fome do garoto.
Ele precisava de algo que tocasse o coração dos motoristas. Sim,
o coração! Enfiou os dedos entre as costelitas e, com um puxão,
deu à luz o bichinho. Mas era só um, que graça ia ter jogar
o bruto pro alto? Com mais uma escarafunchada, arrancou o fígado e um
rim. Agora, sim.
Sob o sinal vermelho, começou a dança daqueles estranhos objetos.
As pessoas, no entanto, olhavam assustadas e, com uma careta, lhe negavam dinheiro.
Brincar com os pulmões, o pingolim e os olhos tampouco resultou em algum
trocado. Para incrementar a apresentação, o moleque tentou pular
corda com as tripas enquanto equilibrava a bexiga no nariz. Acabou se enroscando
todo e se desmanchou no chão.
Uma moeda, agora de um real, foi jogada na sarjeta, junto aos cacarecos que
um dia foram um menino de rua. Meio deslocada e sem jeito, em cima de uma bosta
de cachorro, a boca murmurou: "Deus te abençoe, dona". Mas
o carro já tinha partido.